sexta-feira, 15 de abril de 2022

INSS: Precisamos de uma nova reforma da Previdência?



Em 2019, Brasil mudou seu sistema de aposentadoriaMas será preciso um novo ajuste para atender trabalhadores excluídos, mexer na idade mínima e alterar as regras para estados e militares

A reforma da Previdência feita em 2019 veio depois de anos de discussão, com adoção inédita de uma idade mínima para qualquer tipo de aposentadoria. Mesmo assim, o gasto com os benefícios ainda avança, e a idade mínima de referência, 65 anos, é a mesma prevista para alguns tipos de aposentadoria na Constituição de 1988, quando a expectativa de vida era menor.

Essa situação, segundo o economista Fabio Giambiagi, vai exigir que a Previdência volte ao debate, se não nas eleições atuais, no próximo pleito presidencial, em 2027. Este tema é o quinto a ser discutido na série “O país que queremos”.

Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Eduardo Fagnani, da Unicamp, e Luís Eduardo Afonso, da USP, alertam para necessidade de incluir mais trabalhadores no sistema e de tratar da reforma nos estados, nos municípios e dos militares.

Ana Amélia Camarano, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): Temos que pensar num sistema inclusivo

Concordo com Giambiagi. Está todo mundo cansado de falar de Reforma da Previdência, sem dúvida. Mas, se for para tratar do tema, podemos pensar numa reforma inclusiva. Houve mudanças demográficas na pandemia, a expectativa de vida diminuiu, quer dizer, está diminuindo, no gerúndio.

O cenário de antes da pandemia, de baque nas contas públicas, mudou. Tem que ser revisto. Benefícios previdenciários cessaram pelo excesso de mortalidade dos idosos.

Como repensar o aumento da idade mínima para a aposentadoria apenas, nesse mundo da uberização, do desemprego? Quantas pessoas ficaram desempregadas? O quanto caiu a renda média do brasileiro? É um outro mundo. Pensar em reforma de Previdência no pós-pandemia é pensar em incluir, com um piso para todo mundo que chegar a uma determinada idade.

Discutir uma reforma que corte direitos ainda está longe. Temos de ver como vai se dar a dinâmica demográfica. Houve uma redução grande de nascimentos na pandemia. Vai voltar a aumentar? Com que rapidez? Quando vai retornar aos níveis pré-pandemia?

Houve uma queda na expectativa de vida de 4,4 anos do brasileiro em menos de 22 meses de pandemia (entre março de 2020 e dezembro de 2021). Entre 1980 e 2019, essa esperança de vida cresceu quatro meses por ano.

A Covid-19 matou mais na faixa etária de 60 anos a 79 anos. Foram 44% dos óbitos. A faixa etária entre 60 anos e 69 anos viveria mais 25 anos em média. São pessoas que já eram aposentados ou estavam perto de se aposentar.

O ideal é fixar um pilar social básico, que não seja inferior ao salário mínimo, para todo mundo que chega a uma certa idade. Outra parte do sistema seria contributiva ao INSS. E outra, de aposentadoria privada, nos moldes do que é hoje.

A pandemia mostrou os muitos buracos que temos na proteção social. A pobreza e a desigualdade aumentaram e há a questão dos sobreviventes da Covid-19 que vão precisar de cuidados.

Eduardo Fagnani, professor colaborador do Instituto de Economia da Unicamp: Discussão deve ser como aumentar a receita

O desafio que se coloca hoje é como garantir a proteção previdenciária para maior parte dos trabalhadores brasileiros, mais da metade, que estão ou subutilizados ou em trabalho informal.

Fui um crítico em relação à reforma de 2019, a do INSS, e não do servidor público, do militar, de estados e municípios, que são distintas. Impusemos regras semelhantes aos países capitalistas desenvolvidos, com indicadores sociais, com níveis de proteção social que não se comparam aos do Brasil, que é um dos países mais desiguais do mundo.

O problema da Previdência é como ampliar a receita, fazer a economia crescer, trabalhar para o mercado de trabalho ser fortalecido. Economia estagnada e mercado de trabalho em situação crítica não geram arrecadação.

A despesa continua crescendo, primeiro porque a Reforma da Previdência leva a uma corrida à aposentadoria para não perder direitos, e segundo pela própria dinâmica demográfica. Por outro lado, houve queda brutal na receita, com a situação econômica e com uma reforma trabalhista que aprofundou esse descasamento de receita.

Não sou contra reformas, para atualizar a dinâmica demográfica, coibir a despesa, mas não pode se descuidar da arrecadação. Primeiro, a economia tem que crescer, para fomentar o mercado, para ter maior número de pessoas contribuindo.

Fazer nova reforma em 2030, para aprofundar os limites à entrada do trabalhador no sistema, sou absolutamente contrário a isso.

Em 2023, é preciso ter uma reforma previdenciária que vá na direção contrária, que dê proteção para quem está em situação precária no mercado de trabalho e não vai ter amparo na velhice.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC, destinado a idosos que têm renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo) atende, mas tem um limite. Tem de se pensar num benefício previdenciário assistencial, em que haja algum período de contribuição, para se diferenciar do BPC.

Luís Eduardo Afonso, professor da Universidade de São Paulo (USP): Estados e militares ficaram de fora

O país precisa ficar atento ao desenho da Previdência, modelar as contribuições e benefícios, ter uma atenção contínua para eventuais mudanças de rota. Em 2019, fizemos uma mudança enorme. Não há clima hoje para discutir isso, ninguém vai se eleger falando de reforma da Previdência. Mas é um tema que precisa estar permanentemente na agenda.

Houve três grandes falhas na reforma da Previdência de 2019. O primeiro é ter abandonado, logo no início da tramitação do projeto, o aumento automático da idade mínima para aposentadoria. Fazer reforma é muito complicado, vimos como foi difícil para nós. O desenho era muito razoável, não demandaria novas negociações. Isso se perdeu.

O fator previdenciário (cálculo que reduzia a aposentadoria conforme aumentava a expectativa de vida) tinha um mecanismo de ajuste. Vários países, principalmente europeus, adotam diversos modelos de ajustamento automático, aumento da idade, redução do valor do benefício, aumento de alíquota de contribuição.

O segundo ponto falho foi ter deixado de lado estados e municípios. Não foi uma boa escolha, perdemos a oportunidade de unificar as regras. São mais de 2.100 regimes próprios, alguns de municípios muito pequenos. Há um déficit de R$ 87 bilhões nos regimes próprios.

O terceiro ponto que ficou de lado na reforma foi o ajuste no sistema dos militares. Ele foi muito mais leve do que o do regime próprio da União e o da iniciativa privada. Ao mesmo tempo que se fez uma reforma administrativa (no caso, uma espécie de progressão de carreira para os militares), reduzindo os efeitos das mudanças na Previdência. Certamente vamos ter que voltar a olhar este ponto em breve.

O que sempre faltou foram campanhas do governo para aumentar a formalização dos trabalhadores, com a valorização dessa política, informando todos os benefícios, principalmente para autônomos e conta própria.

Faltou investir numa educação previdenciária mais ampla. Dar as pessoas as informações sobre o quão importante essa política é. A proteção previdenciária é particularmente mais vantajosa para os que têm renda mais baixa.

Fonte: O Globo (13/04/2022)

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