As falas do advogado-geral da União, ministro Bruno Bianco, sobre a revisão da vida toda durante suas participações na rádio Bandeirantes (10/3) e no programa Sem Censura, da TV Brasil (28/03), trazem espanto e indignaçãonão apenas aos aposentados, mas também a todos os cidadãos que se socorrem do Judiciário na busca de um direito, quando lesado pela União.
Em sua última entrevista, Bianco afirma de forma categórica: “Estou convicto que nós conseguiremos nos consagrar vencedores nessa tese”, e afirmou na rádio Bandeirantes que prontamente iria despachar em todos os gabinetes do Supremo Tribunal Federal (STF), após o pedido de destaque do ministro Nunes Marques, que anulou um julgamento em que a vitória do aposentado se concretizava com 6 votos a seu favor.
Para tamanha clareza em sua afirmação se mostra necessária uma nova prova, que possa mudar completamente o rumo do processo. Seria a famosa “Nota Técnica dos R$ 360 bilhões” (NT 12/2022 Dirben INSS, de 4 de março)? Um estudo que nem mesmo foi juntado ao processo, em que o INSS infla de maneira assombrosa o custo da ação, buscando trazer ao cidadão o “jus terrorismo financeiro” de que a revisão “quebraria o país”, palavras estas do presidente Jair Bolsonaro.
Este estudo não está no processo, pois se mostra uma fuga de toda a realidade fática da revisão da vida toda e inclui benefícios suspensos, cessados, que já são recebidos por mais de dez anos, dentre outros subterfúgios na busca de inflar os dados. O INSS foge até mesmo do artigo 103 da sua Lei de Benefícios, pois desconsidera a decadência, e também das suas metodologias e critérios atribuídos na nota técnica juntada (SEI 4921/2020 ME) perante o STF, com um valor superestimado em pelo menos 20 vezes.
Nos causa perplexidade um estudo feito sem os critérios da presente revisão da vida toda, subestimando o julgador e também o cidadão.
Aos 9 minutos de sua entrevista concedida para a rádio Bandeirantes, Bianco afirmou que o INSS é um cliente da AGU, com estas mesmas palavras, e que buscará reverter o julgamento após despachar com os ministros do Supremo Tribunal Federal. Se este vínculo de clientela é real, um fato nos surpreende: o ministro da Advocacia-Geral da União quando o processo já possuía 10 votos juntados ao processo era o atual ministro da Corte, André Mendonça, empossado no final de 2021.
Isso traz o seu impedimento processual previsto em nosso Código de Processo Civil. Afinal, o INSS é um cliente da AGU, e o ministro Mendonça em 2021 atuava neste processo por meio da Advocacia-Geral da União.
O STF deverá manter o voto do ministro relator, Marco Aurélio, que se aposentou. Cito aqui a ADI 6.630/DF, em que foi apresentada questão de ordem para que se produzissem novamente as sustentações orais, em razão de pedido de destaque apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes. Os atos que ocorreram no plenário virtual foram confirmados novamente, dentre eles as sustentações orais. E aqui ressalto a fundamentação dada pela ministra Cármen Lúcia:
“Digamos que tivesse havido ali, nos votos que já foram tomados, alguém que se aposentou, que na minha compreensão do Regimento não permite sequer o destaque, porque o Regimento impede esse tipo de situação. O voto tomado do aposentado, que estava no exercício regular, não pode ser desfeito”.
Notem que o STF privilegia este entendimento de manutenção, não podendo o voto ser desfeito.
E aqui iremos além, a manutenção do seu voto é imposição processual e regimental, que possui também força de lei material. O Regimento Interno do STF, em seu art. 134, § 1º (Título III – Das Sessões, Capítulo I – Disposições Gerais), dispõe que, reiniciado o julgamento depois de vista dos autos pedida por qualquer dos ministros, “serão computados os votos já proferidos pelos ministros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo”.
Isso quer dizer que, após o pedido de vista e retorno do julgamento em 25 de fevereiro de 2022, não existe a possibilidade de interpretarmos a desconsideração do voto do ministro que se aposentou, proferido na condição de relator, devendo ser obrigatoriamente computado o seu voto.
E uma imposição processual pelo CPC, que em seu artigo 941, § 1º, que dispõe: “O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído”. O texto previsto na legislação processual permite a alteração do voto, porém isso não será possível no caso de juiz afastado ou substituído, o que ocorreu neste processo. A lei processual também é clara sobre a manutenção do seu voto neste processo.
Importante trazer ao debate a seguinte frase do ministro Bianco para a TV Brasil:
“Posso adiantar é que certamente a AGU fará a defesa da constitucionalidade da norma para garantir a segurança jurídica, para que possamos ser um país com tranquilidade e de pacificação social. A gente joga contra a pacificação social sempre que jogamos contra esse tipo de regras consolidadas no jogo”.
São os aposentados que estão buscando a defesa constitucional de seu direito, pois jamais uma regra transitória pode ser mais desfavorável que a regra permanente.
Aqui notamos uma inversão de papéis, pois quem busca a pacificação social e uma previdência que nos garanta tranquilidade são os aposentados, com a garantia do princípio constitucional da segurança jurídica. Esta é um direito fundamental do cidadão, e qualquer abalo neste princípio, ainda mais por falsos estudos econômicos, pode custar muito caro para toda a nossa sociedade, sendo este um pilar do Estado democrático de Direito.
E mais, é a defesa do princípio da segurança jurídica não apenas constitucional, mas também das próprias decisões da Corte, que entende ser constitucional a aplicação do melhor benefício que o segurado faz jus (RE 630.501/RS, julgado com repercussão geral) e também ser absurda a hipótese de uma regra transitória ser mais desfavorável que a permanente (RE 524.189, com relatoria do ministro Teori Zavascki, julgado por unanimidade): “As regras de transição editadas pelo constituinte derivado são na verdade mais gravosas que a regra geral inserida na EC 20 de 1998.” E continua: “A própria regra de transição da aposentadoria proporcional, por absurdo, continha requisitos não previstos no texto legal do que a aposentadoria integral”.
E finalizamos trazendo mais uma informação que combate as inverdades ditas: o INSS possui os salários de contribuição no Cadastro Nacional de Informações Sociais. Não reflete a realidade alegar que o INSS possui apenas após o ano de 1994, isso mostra total desconhecimento do próprio sistema. Estas informações já estão no CNIS, para quem trabalhou anteriormente a esta data.
É muito simples verificar que o ministro desconhece o CNIS ao trazer esta alegação para a mídia, pois basta qualquer cidadão que trabalhou antes de 1994 acessar o portal Meu INSS e baixar o documento. Verifiquem que ali estão todos estes dados.
Esperamos que o INSS aja na revisão da vida toda com lealdade processual, pois as informações levadas após o pedido de destaque não refletem a realidade da ação.
Fonte: Jota (31/03/2022)
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