quinta-feira, 2 de junho de 2022

Fundos de Pensão: O voto de minerva e seu emprego no processo decisório das EFPCs com paridade nos conselhos (p)arte 3



“A sabedoria reina, mas não governa”, não atua diretamente, diz um adágio. Governar é agir refletidamente e com diligência, é a ação prudente. Governar bem significa, logo de início, adotar as boas práticas da diligência e da prudência. São princípios de governança, entre outros, que devem ser praticados indo além da sabedoria. É claro que governar com sabedoria já é um bom começo, mas não é tudo.

No âmbito das EFPC, tanto a Resolução CGPC nº13/2004 como a Resolução CMN nº 4994/2022  trazem princípios, regras prudenciais e diretrizes para a boa governança e boas práticas a serem observadas por todos os órgãos (coletivos ou singulares), especialmente na tomada de decisões: ética na conduta, integridade, competência técnica e gerencial, qualificação, independência de atuação, adequado nível de supervisão, segregação de atividades e funções, monitoramento de riscos, adoção de controles internos, transparência, boa-fé, lealdade, diligência e, especialmente, prudência. Ponto.

Apesar da observância (ou não) de todas as regras e princípios surgirão divergências (ou não) durante a construção do processo decisório nos órgãos colegiados e a composição paritária pode incentivar o empate. Como dar tratamento, então, ao voto de Minerva, voto de desempate, voto de qualidade ou voto de decisão? A Lei Complementar que trouxe a regra não cuida disso (e nem deveria) somente dizendo que os presidentes, além do seu, têm o voto de desempate. Dessa forma, o uso desse voto deve ser disciplinado nos regimentos internos dos colegiados, redobrando de importância o papel do presidente dos órgãos de composição paritária.  Não se trata de observar hierarquia; aqui, sim, é agir com sabedoria e prudência (como Atena e Métis).

Realmente, não há hierarquia nos colégios, todos os seus membros têm o mesmo grau e nível de importância, obrigando-se a usar não só a diligência, como a prudência na sua obrigação de votar para composição da decisão do órgão (relembrando: quem decide é o conselho e não o conselheiro). Mas… e o presidente? O papel do presidente desses órgãos é de ordenação e coordenação, para que a decisão seja construída por todos como vontade do órgão com o objetivo de alcançar os resultados por ele propostos pelo mesmo orgão (sim, não há decisão sem um objetivo a ser alcançado com ela). De ordenação, porque a ele compete preparar a agenda anual de reuniões; atuar com a secretaria (o ideal é uma secretaria de governança) para recepcionar assuntos e documentos; acompanhar com alguma periodicidade as deliberações e a sua execução pelos demais órgãos (lembrando a regra de Velo de Ouro: nose in, hands out) e levar aos demais membros, em reunião, sua avaliação e propostas para alterações das decisões do colégio (se for o caso); divulgar as decisões de interesse de participantes/assistidos, enfim, colaborar para que o antes, o durante e o depois das reuniões sigam uma determinada ordem (normalmente reguladas em regimento interno), sempre reforçando que o conselho deliberativo da EFPC também é órgão de administração.

Apenas como lembrete: todos os membros do colegiado devem agir com o mesmo intuito e o mesmo interesse sendo importante que, sempre que necessário, busquem informações, dados e documentos para instruir melhor os seus votos e colaborar nas discussões e decisões.

O papel de coordenação nos colegiados pelos presidentes se dá durante as reuniões, iniciando pela verificação do quórum de instalação: incentivar o debate pedindo a manifestação de cada um dos membros sobre as matérias de pauta; entender cada um dos membros nas suas posições considerando que são pessoas diferentes, com formação diferente, experiências profissionais diferentes, grau de compreensão diferente, idades diferentes e, por isso mesmo, poderão dar contribuições diferentes (o  colegiado ideal deverá reunir a diversidade, inclusive nas especialidades técnicas previstas na Lei como pré-requisitos); avaliar vieses cognitivos (individuais ou coletivos) que prejudicam as decisões (individuais ou coletivas); avaliar eventuais conflitos de interesses e submetê-los ao colegiado (na hipótese de o conflitado não se declarar); e outras tarefas inerentes ao papel de coordenador do órgão (por isso, dispor de tempo é fundamental).

Não está aí colocado, como função do presidente do colegiado (conselhos deliberativo e fiscal), proferir voto de desempate porque essa deve ser a “última fronteira”. Realmente, sendo a condução do colégio feita de forma profissional, qualificada, de boa fé e ética, visando sempre os interesses dos planos de benefícios, da própria EFPC, dos participantes/assistidos e de patrocinadores/instituidores de forma equânime e equilibrada, o voto de Minerva (ou de desempate, ou de qualidade ou de decisão) deverá ser exceção e não regra. Afinal, ainda que divergências sejam bem vindas no processo decisório saudável, conflitos não são construtivos e podem desviar a real função dos colegiados criando oportunidade para riscos jurídico, de credibilidade e de imagem. A adoção de comitês de assessoramento dos conselhos (formado por membros titulares com especialidade nas matérias que lhe são submetidas) certamente contribuirá para dirimir divergências e conflitos durante as reuniões.

Pois bem. De qualquer forma, a Lei Complementar nº108/2001, ao estabelecer a composição paritária com número par de conselheiros (até porque se o número fosse impar não haveria paridade), parece atribuir aos presidentes dos conselhos deliberativo e fiscal o poder de votar duas vezes, ou seja, proferir seu voto em razão da condição de conselheiro e proferir, “além do seu, o voto de qualidade” como se lê nos arts. 11 e 15. Ressaltando que sendo o voto de qualidade previsto na lei, ele não será episódico, isto é, será permanente, para toda e qualquer matéria objeto de deliberação.

Essa prática de votar duas vezes se dá com frequência em autarquias e outros órgãos que exercem funções públicas, sendo o voto então considerado como ato administrativo. Ali tem o conselheiro ou dirigente o direito de proferir o voto ordinário e o voto de desempate, conforme dispuser a legislação aplicável. Ainda que se possa afirmar que nessa hipótese os conselheiros se pautem pelo princípio da legalidade estrita porque lá o voto do conselheiro é uma função pública,  o ambiente é da administração pública. Não é o caso das entidades fechadas de previdência privada (o que, só por isso, alimentaria uma boa discussão, inclusive se o voto de qualidade pode ser computado para compor a maioria de quorum).

Recorrendo à doutrina do direito privado, o Prof. Modesto Carvalhosa nos seus Comentários à Lei de Sociedades Anônimas (3º vol., 2003, págs. 75 e segs.) indica: o voto de desempate prevalece, na hipótese de impasse decorrente da igualdade numérica de votos em sentidos opostos; o presidente não vota duas vezes, mas o desempate se dá em razão do seu voto já proferido (aqui fica mais forte a figura de Minerva); assim, não há voto duplo ou plural, mas um único voto que decidirá o impasse; não é, portanto, um segundo voto proferido pelo presidente, mas somente a qualidade de desempate que a Lei atribui ao voto por ele já proferido para pôr fim ao empate; o presidente do colegiado vota sempre como conselheiro; não significa dizer, também,  que o presidente vota somente para desempatar, uma vez que não se poderia tirar dele, como conselheiro,  o  direito de proferir o voto ordinário sobre a matéria pautada (como o voto de Minerva desempataria se o presidente não houvesse anteriormente proferido seu voto, especialmente na composição paritária do colégio?).

Na defesa do voto de Minerva, Nelson Eizirik no vol. II da sua Lei das S/A Comentada (2º vol., 2011, pág. 272) diz que não chegar a uma decisão pelo empate é a pior solução, uma vez que inviabiliza a tomada de decisão. Realmente, não decidir sobre as matérias de importância que são submetidas aos conselhos pode levar, inclusive, a uma responsabilização se desse ambiente de conflito resultar dano ou prejuízo para a EFPC ou para os planos que ela opera. Lembrando outro ponto: a decisão sempre será do órgão e não de conselheiros.

Fonte:  Pagliarini e Morales (31/05/2022)

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