segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Comportamento: Quando a pandemia de covid-19 vai acabar?



Nova onda de casos faz com que muitos tirem as máscaras das gavetas e suscita questão sobre quando, afinal, normalidade de fato voltará 

A mais recente onda da covid-19 que corre o Brasil e o mundo, quando muitos já pensavam caminhar em direção a uma vida normal, sem os temores e as restrições impostas pelo contágio com o vírus, trouxe uma questão que ainda não tem resposta e não se sabe quando terá: quando a pandemia vai acabar?  

“A pandemia não acaba por decreto, e a verdade é que nós nunca conseguimos controlá-la completamente”, responde Ralcyon Teixeira, diretor da Divisão Médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. O hospital é referência para doenças infectocontagiosas na América Latina.   

Quase três anos depois do aparecimento dos primeiros casos de contaminação com covid-19 identificados na cidade chinesa de Wuhan, o mundo continua se vergando à pandemia. Segundo dados oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS), o vírus já infectou mais de 600 milhões de pessoas e causou mais de 6,4 milhões de mortes. Os EUA têm o maior número acumulado de mortes, mais de 1 milhão. O Brasil, que se aproxima dos 700 mil óbitos, mantém-se na segunda posição, e os casos notificados ultrapassaram os 35 milhões.  

A contaminação, que se mantinha estável nos últimos meses, voltou a crescer, e a média móvel de casos estava no começo desta semana em 15.500, uma variação de 300% em relação a duas semanas antes. Isso sem considerar o fato de que muitos casos não são notificados, já que o autoteste tornou-se bastante acessível.

Na semana passada, Teixeira e outros especialistas envolvidos com as medidas de contingenciamento da covid fizeram uma reunião extraordinária e recomendaram que algumas medidas de prevenção, abandonadas com a queda de casos, voltem à rotina da população. Entre elas o uso de máscaras em locais fechados, no transporte público, nos aviões e, principalmente, que as pessoas tomem a terceira e a quarta dose da vacina. O uso de máscaras voltou a ser obrigatório em aeroportos em aviões a partir da sexta 25 e no transporte público em São Paulo no sábado 26. “Entendo que as pessoas cansaram das restrições, mas algumas, neste momento, são importantes, principalmente para o público de maior risco”, observa o infectologista.  

Em outras palavras, o recado quer dizer que, se muitos já haviam jogado as máscaras e as garrafinhas de álcool em gel para o fundo da gaveta, acreditando que essa fase já tinha sido superada, e que agora era vida normal, eles podem voltar a abrir espaço para carregar os mais básicos e fundamentais itens de prevenção do Sars-CoV-2, o novo coronavírus. “É uma nova onda no mundo inteiro, que está fazendo uma curva ascendente muito inclinada”, explica a infectologista Rosana Richtmann, doutora em medicina pela Universidade de Freiburg.   

Passados os piores momentos da pandemia, quando milhões de pessoas perderam a vida, e a comunidade científica e os grandes laboratórios se desdobraram para a produção de vacinas, avançando na descoberta de tratamentos mais eficazes que evitassem as formas mais graves da doença, especialistas constatam que isso não é suficiente para erradicar o vírus. Teorias de que a contaminação maciça daria imunidade às pessoas e conseguiria acabar com a covid-19 já tinham sido cientificamente descartadas. Mas a vacinação em massa também não tem sido capaz de fazer com que o vírus deixe de circular.  

Acontece que o objetivo de um vírus - uma estrutura muito simples - é crescer e se multiplicar, e ele faz isso por meio de um infindável número de mutações. Tão logo o organismo consegue combater um tipo, surgem novas variantes - no caso do Sars-CoV-2, versões chamadas de alfa, beta, gama, delta e ômicron. Elas deixaram muito claro que a imunidade adquirida por vacinas, além de não durar para sempre, varia muito de pessoa para pessoa.  

Desde o ano passado que a variante da covid em circulação é a ômicron. Essa cepa causa sintomas distintos das outras variantes. Normalmente, não provoca perda de olfato ou paladar, e a maioria dos quadros detectados em pessoas, especialmente naquelas que têm o esquema vacinal completo (as quatro doses), foi leve. Em janeiro deste ano, ela era a cepa mais prevalente em São Paulo. Correspondia a quase 100% dos casos de infecção identificados. Mesmo quem teve covid ou está vacinado pode ser infectado pela variante, que é o que vem acontecendo em grande número nas cidades brasileiras. A boa notícia é que dificilmente quem está sendo contaminado agora e foi vacinado desenvolverá uma forma grave da doença. Terá apenas que obedecer a um pequeno resguardo e seguir as medidas recomendadas para uma gripe: beber bastante líquido, descansar e controlar a febre com analgésicos.   

Nesta mais recente onda, os casos voltaram a crescer numa proporção que está levando os hospitais da rede pública e privada em São Paulo a novamente preparar alas específicas para receber doentes. E os consultórios médicos estão abarrotados de pacientes com sintomas que, embora sejam leves na maioria, precisam de cuidados, especialmente em pessoas com comorbidades e idosos. Nesse grupo, a doença segue longe de ser a “gripezinha” a que o presidente Jair Bolsonaro famosamente se referiu.  

O surgimento de tantos novos casos está relacionado à circulação de mais uma subvariante do coronavírus. Desde 2021, quando apareceu a ômicron, o vírus passou por diversas mutações. A mais recente e que vem sendo detectada nos infectados é a BQ1, uma sublinhagem da BA.5. De acordo com a OMS - que continuamente monitora as diferentes linhagens -, a cepa foi detectada em 65 países e apresenta uma prevalência de 9% dos diagnósticos. “A virulência dessa nova cepa é menor do que a das anteriores da ômicron, e as características clínicas também são um pouco diferentes. Os pacientes se queixam de dores no corpo, têm febre e dor de garganta. Mas não podem se descuidar”, recomenda Richtmann.  

Para quem pensava que a covid estava virando coisa do passado, os cientistas não têm boas notícias. As variantes da ômicron em circulação, embora possam até estar atenuadas, estão muito longe de serem “amigáveis”, e ninguém sabe quando e como o vírus se transformará novamente e qual será o poder de destruição do sistema imunológico que poderá ter.  

Portanto, como assinalam os especialistas, a pandemia está longe de dar sinais de que pode acabar. Há um consenso de que gradativamente a covid-19 se transformará em uma endemia que atingirá com mais força regiões específicas, como acontece hoje com a malária e a febre amarela, por exemplo. Mas, por enquanto, segundo a OMS, não há nenhuma previsão de quando isso acontecerá e de que os casos se tornarão tão raros a ponto de decretar um fim para a pandemia.   

No Brasil, os serviços de saúde convivem também com dificuldades para as ações que ajudariam a amenizar as novas ondas que certamente virão. O principal deles continua sendo a pouca adesão da população às doses de reforço da vacina. Se mais de 80% da população brasileira tomou as duas primeiras doses, apenas 52% tomou a terceira e 17,7%, a quarta, segundo os dados obtidos pelo consórcio de veículos de imprensa. A isso somam-se as dificuldades que surgem com a demora do governo federal em comprar as doses e fazê-las chegar a todo o país.  

Infectologistas queixam-se do atraso do governo federal em comprar e distribuir as vacinas de segunda geração que usam a tecnologia do RNA mensageiro, tida como a mais eficaz. As vacinas atualizadas (também chamadas de bivalentes) são adaptadas para instruir o organismo a se proteger também contra a forma da variante ômicron.  

Os laboratórios Pfizer e Moderna produzem vacinas já com esta composição nova. E a Pfizer já deu entrada com o pedido emergencial na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que, em nota, anunciou a liberação dos novos imunizantes. A compra também já estava prevista em um aditivo do contrato inicial entre a Pfizer - que tem estoque suficiente para mandar ao país - e o governo brasileiro. “Mas não sei se o governo encomendou doses suficientes para uma vacinação em massa. Tem que haver é a vontade política para a compra”, diz a pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e membro da Academia Nacional de Medicina.  

Hoje, segundo Dalcolmo, é possível afirmar que ainda faltam imunizantes nas unidades de saúde e que as crianças que já deveriam ter recebido uma ou duas doses não foram vacinadas. “Vacinar as crianças no Brasil é de extrema importância, e nossa cobertura está muito aquém do desejável”, afirma.   

Ela observa que, pelos números divulgados, o governo federal teria comprado 1 milhão de doses, o suficiente para aplicar as doses necessárias em aproximadamente 300 mil crianças. “Elas estão frequentando a escola, o que é muito positivo, mas nós precisamos protegê-las e, principalmente, combater com toda nossa força as informações que amedrontam as famílias dizendo que as vacinas não são seguras, quando todos nós sabemos que foram testadas e são completamente seguras”, diz Dalcolmo.  

Em resposta ao Valor sobre a compra de vacinas, o Ministério da Saúde informou que “monitora permanentemente o cenário epidemiológico da covid-19 e suas variantes no país, assim como a evolução da cobertura vacinal e as inovações tecnológicas de prevenção e tratamento contra a doença. Mais de 500 milhões de doses de vacinas já foram distribuídas para a imunização da população”. Segundo o ministério, as vacinas fornecidas são as últimas versões aprovadas pela Anvisa.  

“A pasta reforça interesse em adquirir novas versões dos imunizantes e ressalta que o atual contrato com os fornecedores contempla a entrega de vacinas com cepas atualizadas, desde que aprovadas pela Anvisa, e reforça a importância de completar o esquema vacinal com as doses de reforço indicadas para cada público, garantindo assim a máxima proteção contra o vírus e suas variantes, e recomenda que estados e municípios realizem a busca ativa da população que ainda possui doses em atraso.”  

Mas enquanto o governo continua se debatendo sobre a compra de imunizantes, outras preocupações, além das novas ondas da covid, mobilizam cientistas do mundo inteiro: a covid longa. Os avanços nas pesquisas que vêm permitindo o enfrentamento do vírus e suas variantes por meio de diagnósticos mais aprimorados, novos medicamentos, novas terapias e vacinas, têm sido postos à prova com problemas que não arrefecem com o passar dos meses: muitas pessoas curadas da infecção não conseguiram recuperar a saúde totalmente.   

“A covid longa é uma epidemia mundial”, define o neurologista Augusto Penalva, doutor em neurociências e coordenador do Grupo de Pesquisa em Neurociência do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e do Núcleo de Apoio a Pesquisa Retrovírus em conjunto com o Instituto de Medicina Tropical da USP.  

Penalva é um dos coordenadores de um estudo que vem sendo feito com profissionais de todo o Brasil em 300 pacientes com o objetivo de identificar as características e consequências no sistema nervoso central dos pacientes acometidos pelo Sars-Cov-2. Os trabalhos e pesquisas do grupo podem ser vistos no site “neurocovbr.com”, que detalha os efeitos já conhecidos do vírus no cérebro e que não cessam quando o paciente está recuperado da infecção. “Alguns deles são alterações cognitivas que não aparecem em ressonâncias ou outros exames semelhantes”, diz Penalva.  

O fato de não aparecerem nas imagens não diminui os relatos feitos pelos pacientes, que reclamam de problemas de memória, atenção, linguagem, diminuição do rendimento e quadros de fadiga. “Há relatos de pacientes que citam uma espécie de nevoeiro mental que interfere na capacidade de interpretar, por exemplo, o senso de tempo e espaço”, diz o neurologista.  

Cientistas em diferentes países têm relatado aproximadamente 200 tipos diferentes de sintomas clínicos que são associados à pós-infecção. Dores musculares, cansaço, problemas respiratórios, ansiedade, depressão e alterações cardiácas são alguns deles. As estimativas desses pesquisadores são de que um em cada oito infectados desenvolva algum tipo de doença ou manifeste eventos que possam estar relacionados à covid. Um número que pode ser superior nas pessoas acima de 65 anos. São tantos sintomas crônicos que impedem as pessoas de terem uma vida normal que já se refletem nas economias dos países.  

Um informe recente da Brookings Institution - grupo de pesquisa americano fundado em 1916 em Washington - aponta que aproximadamente 16 milhões de pessoas nos Estados Unidos apresentam sintomas crônicos causados pela covid. Desse total, entre 2 milhões e 4 milhões teriam deixado de trabalhar por causa das doenças relacionadas à infecção, e a inatividade laboral já teria causado perdas da ordem de bilhões de dólares.   

A jornalista Adriana Matiuzo, assessora de imprensa do Emílio Ribas, escreveu um livro lançado recentemente, “A pandemia no Emílio Ribas” (editora Contexto), em que faz um relato comovente sobre os dias em que a covid-19 deixou um rastro de morte e dor no hospital. Em um dos trechos, citando os comentários de um dos profissionais, conta que sempre havia música tocando em volume bem baixo na UTI.  

Em um desses dias eram os solos de Led Zeppelin, executando “Stairway to Heaven” (escada para o paraíso, em tradução livre), que amenizavam “suavemente os ruídos histéricos dos alarmes”. O autor das observações, ouvido por Matiuzo, explica que não deixava de ser estranho escutar a letra que fala da mulher que compra uma escada para o céu, “como um caminho para a luz”. Ou, talvez, um caminho entre a vida e a morte que, como diz Ralcyon Teixeira, nunca será apagado da memória de quem passou por ele. “Imaginamos que não passaremos por um momento igual. Mas não podemos deixar de nos cuidar, vacinar e estarmos atentos”, diz Teixeira.

Fonte: Valor (25/11/2022)

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