quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Revisão Aposentadoria INSS: Impactos econômicos e suas evidências na Revisão da vida toda



Apesar da opacidade dos cálculos do INSS, identificamos erros que superestimaram o impacto orçamentário da tese

Talvez a primeira lição do método da Análise Econômica do Direito (AED) seja que a análise das evidências precisa anteceder a preferência por uma decisão em discussões jurídicas.

A razão é intuitiva. Sem o conhecimento de onde estamos, quais alternativas são reais e possíveis, e a quais caminhos mais prováveis se seguem de cada uma delas, qualquer decisão é no mínimo irresponsável. Caso se mostre acertada, terá sido por sorte. Ou, o mais provável, caso se mostre equivocada, poderá ser por larga margem. A força desta sabedoria primária tem se mostrado na consolidação mundo afora de institutos que preveem análises de impacto rigorosas antes de decisões de grande escala, sejam elas de natureza regulatória, legislativa ou até judicial.

Olhar para o caso da revisão da vida toda pela ótica da AED não é diferente. A discussão da revisão da vida toda decorre de equívocos no procedimento de apuração do cálculo do benefício ao segurado. Busca-se o reconhecimento do direito ao benefício mais favorável ao segurado, em decorrência de alterações legislativas que mudaram o Período Básico de Cálculo (PBC).

Antes de um veredito jurídico, cabe verificarmos se a análise fática disponível atende a critérios mínimos de qualidade que permitam uma decisão bem fundamentada. Debruçamo-nos sobre os detalhes do caso e, infelizmente, não é o caso.

O impacto econômico da revisão da vida toda sobre as contas públicas teve seus valores estimados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nas Notas Técnicas SEI 4921/2020/ME e 12/2022/DIRBEN-INSS. A primeira nota estima o impacto da revisão da vida toda em R$ 46 bilhões em dez anos, ou R$ 4,6 bilhões por ano.

Já a segunda nota, divulgada no último dia da votação da tese pelo STF, surpreende alterando a estimativa para R$ 360 bilhões em 15 anos, ou R$ 24 bilhões por ano. É evidente que, mesmo com o maior benefício da dúvida que possamos dar aos métodos de cálculo empregados, é impossível que as duas notas sejam simultaneamente verdadeiras. Impressiona também que cálculos tão divergentes sejam apresentados menos de três anos um do outro.

Ao olharmos com mais atenção para as notas técnicas, deixa de ser tão surpreendente haver tamanha disparidade entre elas. Ambas as notas evidenciam cálculos com pressupostos falhos, metodologia obscura, com dados indisponíveis à conferência e auditagem. Apesar da opacidade dos cálculos apresentados que impossibilitam uma auditoria rigorosa, conseguimos identificar erros em pressupostos que superestimaram o impacto orçamentário da tese da revisão da vida toda.

Em verdade, todos os pressupostos adotados possuem viés sistemático de majoração do valor final, de forma que poderá ser identificada, de forma deliberada, o objetivo de enviesamento do debate público em face da tese previdenciária em questão. Atualmente, o tema está em julgamento perante o Supremo Tribunal Federal para a definição da viabilidade, ou não, da tese quanto à possibilidade de revisão mais benéfica ao segurado.

À título de exemplificação, ambas as notas cometem erro crasso ao desconsiderarem os prazos de decaimento para avaliar quem teria o direito de solicitar a revisão de benefício previdenciário.


A redução em 30% do intervalo de tempo hábil para o requerimento de revisão do benefício previdenciário corresponde a uma redução de 44,6% no total de segurados hábeis à discussão da revisão da vida toda. Apenas com este dado já é possível afirmar que mesmo a nota técnica do INSS que estimou R$ 46 bilhões em dez anos pode estar superestimando em quase duas vezes o valor real do impacto da revisão da vida toda.

Este percentual elevado de aposentados que perderam o direito à revisão da vida toda devido ao decaimento é também o grupo que teria maiores ganhos no valor de suas aposentadorias caso a tese fosse vitoriosa. Devido às curvas de rendimento médio dos trabalhadores brasileiros conforme envelhecem, os maiores beneficiados são os atualmente mais idosos e cada ano adicional reduz o ganho médio da revisão para a coorte beneficiada. O gráfico a seguir construído a partir dos dados do próprio INSS mostra claramente essa relação.

Variação no valor médio de aposentadorias, por ano de concessão

Fonte: INSS. Elaboração: AED Consulting

Isto é, não apenas as notas técnicas do INSS superestimam o número de pessoas que seria potencialmente beneficiada, como ainda superestimam o ganho médio na aposentadoria que estas pessoas ganhariam. O INSS fala em +4,14% de ganho médio, mas o cálculo considerando decadência seria de +3,1%. Pode parecer pouco em pontos percentuais, mas é uma redução relativa de 25% no ganho médio por aposentado elegível.

Ao incluir na amostra pessoas que não têm mais direito à revisão da vida toda e pessoas que teriam os maiores ganhos, há uma dupla superestimação. Uma atualização destas estimativas corrigindo pelos erros supracitados chega no valor de R$ 18,1 bilhões em dez anos, ou R$ 1,8 bilhão por ano. Muito aquém dos R$ 4,6 bilhões por ano e um universo de distância dos inexplicáveis R$ 24 bilhões por ano da segunda nota técnica.

Há mais afirmações exageradas que decorem destes erros. Por exemplo, afirmaram que potencialmente metade dos trabalhadores brasileiros teria direito à revisão da vida toda. Na verdade, para a maioria dos aposentados a revisão não valerá a pena porque suas contribuições eram menores antes de junho de 1994 do que foram depois.

Estimamos a curva de rendimento-idade da população brasileira com trabalhos formais e identificamos que o pico do rendimento do trabalhador brasileiro se dá por volta dos 50 anos e não no início de sua vida laboral.

Estimativa dos rendimentos do trabalho por hora de acordo com a idade (1993)

Fonte: PNAD. Elaboração: AED Consulting

Por essa razão – e considerando as questões legais referentes à decadência e revogação (art. 26 da EC 103/19), podemos afirmar que a revisão da vida é um direito excepcional. Com base nas informações fornecidas pelo INSS na Nota Técnica SEI 4921/2020/ME e nas informações que dispomos do contexto socioeconômico e demográfico brasileiro, é possível estimar que por volta de 10,7% dos aposentados por tempo de contribuição entre 2012 e 2019 teriam algum ganho em suas aposentadorias com a revisão da vida toda.

Focamos aqui a discussão dos pressupostos da Nota Técnica que estimou o valor de R$ 46 bilhões, pois não vemos razoabilidade mínima nos critérios empregados para chegar ao valor irreal de R$ 360 bilhões da Nota Técnica 12/2022/DIRBEN-INSS.

De toda forma, evidencia-se que a cautela com estes números deverá ser a maior possível. Nas duas notas do INSS, os responsáveis pelo cálculo não se deram ao trabalho de disponibilizar uma base de dados anônima que permitisse a auditoria independente do método utilizado para se chegar a estes números. Tentativas de acesso aos dados via LAI também fracassaram.

Só podemos lamentar que uma decisão judicial que possa afetar a materialidade do direito previdenciário, afetar a vida de tantos milhares de aposentados e suas famílias, afetar as contas públicas e sua previsibilidade, chegue até aonde chegou sem que as instituições tenham construído e disponibilizado evidências à altura para ajudar a dar racionalidade à decisão judicial. A transparência e qualidade das evidências apresentadas em temas de importância não tão grande provavelmente são ainda piores. Que a cultura da boa análise de evidências e da análise de impacto chegue logo aos tomadores de decisões e às instituições brasileiras.

Nota do Autor: Thomas Conti informa ter prestado serviço remunerado como consultor para atuar na análise econômica das notas técnicas do INSS. As posições aqui expostas decorrem do estudo realizado e o autor subscreve suas conclusões.

Fonte: Jota, Thomas V. Conti e Patrícia A.Medeiros (23/11/2022)

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