terça-feira, 26 de setembro de 2023

Previdencia Privada aberta: Explode o número de fundos de previdência, mas investidores e ganhos não acompanham

 


41% dessas carteiras surgiram nos últimos três anos

A chegada de novas gestoras independentes, uma atualização dos próprios produtos após flexibilizações nas regras e até mesmo o uso deles como uma 'estratégia tributária' por parte dos ricos são algumas das razões para esse aumento

O universo dos fundos de previdência no Brasil conta com 3.853 produtos. Destes, 2.496 (ou seja, 64%) surgiram nos últimos cinco anos, segundo um levantamento feito pelo Valor Investe com dados da plataforma Morningstar. Levando em conta os últimos dois anos e meio, foram criados 1.588 fundos de previdência, ou seja, 41% dos fundos dessa classe surgiram de 2021 pra cá. Ao mesmo tempo, o número de investidores em produtos previdenciários caiu. E a rentabilidade não tem sido grandes coisas. Portanto, por que há tantos fundos de previdência novos?

Segundo especialistas, há diferentes explicações para esse movimento de aumento no número dos produtos. A chegada de novas gestoras independentes, uma reformulação dos próprios produtos, após mudanças nas regras e até mesmo o uso deles como uma estratégia tributária por parte dos super ricos são algumas dessas razões.

Dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) mostram que atualmente existem 10,8 milhões de pessoas com aplicações em planos de previdência no Brasil. Isso representa cerca de 5,3% da população brasileira. No começo de 2020, esse número era maior: 13,2 milhões, cerca de 6,27% da população, segundo a FenaPrevi.

Para Claudio Sanches, diretor de produtos de investimento e previdência do Itaú Unibanco, essa queda é natural, uma vez que o movimento dos fundos tende a acompanhar a economia. Portanto, em um cenário de recessão trazido pela pandemia, é normal que esses produtos percam parte de seus investidores.

"A previdência é o investimento com maior correlação com a economia. Se você tem um arrefecimento da atividade e menos geração de emprego, você tem menos pessoas elegíveis a investir na previdência. E quando você está com dinheiro faltando, a última coisa que você pensa é lá na frente. Você precisa daquele dinheiro agora, no curtíssimo prazo. E o que aconteceu nesse período mais recente foi justamente isso, a pandemia trouxe um cenário desafiador, que ainda tem um pouco de reflexo no contexto atual", explica.

Por que, então, surgiram tantos novos produtos, mesmo em meio a um cenário complicado? Segundo os especialistas, diferentes fatores justificam esse movimento. A começar por uma evolução do próprio setor e, consequentemente, dos produtos.

Mudança nas regras

Segundo Estevão Scripilliti, diretor da Bradesco Vida e Previdência, recentes mudanças regulatórias foram o principal impulsionador para a criação de novos fundos de previdência. Isso porque essas alterações flexibilizaram as regras dos tipos de ativos que podem entrar nessas carteiras e, consequentemente, deram mais liberdade de escolha aos gestores.

"Os fundos de previdência tinham muitas restrições e ficaram mais flexíveis. Houve um aumento da possibilidade de exposição em ações, uma maior capacidade de exposição ao mercado internacional e o uso de derivativos nessas cestas também ficou menos restrito. Tudo isso permitiu que os fundos ficassem mais similares aos fundos não previdenciários [demais fundos de investimentos]", afirma.

Uma dessas mudanças foi a Resolução n° 4.444/15, de 2015, que ampliou os ativos possíveis em cada classe dos fundos, além de mudar os limites de alocação em relação ao valor total da carteira. Até então, o investimento máximo em renda variável dos planos abertos de previdência era de 49% e, após as mudanças, passou a ser de 70% para investidores em gerais e de 100% no caso dos planos exclusivos para investidores qualificados (aqueles que possuem ao menos R$ 1 milhão em aplicações financeira).

Quatro anos depois, bem no fim de 2019, a Resolução n° 4.769/19 mudou novamente os limites de alocação e deu a possibilidade de esses fundos ficarem ainda mais arrojados. Foi por meio dela, por exemplo, que o limite máximo de aplicação em ativos sujeitos à variação cambial saiu de 10% para 20% (ou 40%, no caso de investidores qualificados).

"O pacote de avanços regulatórios fez com que os fundos previdenciários se aproximassem dos demais. Como consequência disso, gestores que antes não operavam previdência porque era algo muito 'amarrado', com muitas regras e limitações, passaram a gerir esses produtos também. O que aumentou a oferta", afirma Scripilliti, do Bradesco.

Aliado a isso, surgiram também novas gestoras independentes, que vêm ganhando uma participação cada vez maior neste mercado. Segundo o levantamento do Valor Investe com a base de dados da Morningstar, existem hoje 243 casas oferecendo fundos de previdência.

"Parte desse aumento no número de fundos está associado a chegada de múltiplas casas, com múltiplos gestores e que, a partir daí, propõem várias estratégias diferentes. E no fim das contas, isso é bom porque dá mais flexibilidade para o cliente escolher o que mais se encaixa para ele", afirma Carlos Eduardo Gondim, diretor executivo de Vida e Previdência da Porto.

Ele explica que dentro da própria Porto de 70% a 75% dos fundos oferecidos aos clientes são de terceiros. O executivo afirma que, nos últimos anos, todas as seguradoras passaram a ampliar seus portfólios e oferecer a gama mais diferenciada de produtos possível, incluindo fundos de outras gestoras.

E esse movimento também elevou o número de produtos, segundo Sandro Bonfim, Superintendente de Produtos da Brasilprev. Isso porque, a cada fundo de uma gestora parceira colocado na prateleira das seguradoras, um novo fundo "espelho" daquele é aberto. Esse movimento também acontece em outras seguradoras.

Portanto, se uma gestora independente cria um produto com uma determinada estratégia, é possível que vários produtos daquela mesma estratégia sejam criados para serem oferecidos nas prateleiras de cada seguradora parceira.

"Nos últimos anos, o desenho da nossa prateleira ficou muito diferente. Temos um foco grande nos produtos da BB Asset (ex-BB DTVM, gestora do Banco do Brasil), mas agora temos muitos fundos parceiros", diz.

Uma consequência desse cenário de maior oferta de produtos foi um aumento significativo na portabilidade, que é a transferência de um plano de previdência para outro. Segundo Bruno Gomes, sócio da Jive Investments e especialista em tributação, o fato de esses produtos permitirem essa migração sem que o cotista seja tributado, incentiva que os investidores estejam sempre em busca de algo melhor.

"Na previdência, você consegue mudar de fundo sem precisar fazer um resgate da cota e ser tributado por isso. Então, se o investidor olha seu produto e vê que ele não está indo bem, ele muda para outra gestora, ou para outro fundo da mesma gestora. E ele faz isso sem perder rentabilidade, porque não tem um efeito fiscal", afirma.

Esse comportamento, portanto, entra como mais um "ingrediente" nessa receita do surgimento de mais fundos. Afinal, a demanda por eles é forte, ainda que ela venha dos mesmos investidores que já têm planos de previdência na carteira. Até por isso o salto no número de carteiras de previdência, sem o número de investidores acompanhar.

Reflexo na rentabilidade é pequeno

Toda essa flexibilização e a chegada de novas gestoras, no entanto, não se reflete na melhora da rentabilidade desses produtos. Segundo o levantamento do Valor Investe, dos novos fundos de previdência condominiais (ou seja, que qualquer investidor pode acessar) criados nos últimos três anos, a grande maioria perde do CDI.

Dos 821 fundos criados de um ano pra cá, apenas 120 (ou seja, 15%) superam o CDI (taxa que acompanha bem de perto o rendimento da Selic) em rentabilidade. Dos 514 criados há dois anos, 105 conseguem superar o CDI (cerca de 20%). Já dos 260 criados há três anos, apenas 58 (22%) batem a taxa.

Para os especialistas, no entanto, isso não é uma novidade. Sanches, do Itaú, afirma que a maioria dos novos produtos têm estratégias multimercado ou de renda variável. Porém, com o aumento da taxa de juros, iniciado em março de 2021, essas classes passaram a sofrer mais. Já as estratégias de renda fixa ganharam atratividade.

Composição dos fundos de previdência mudou após flexibilização de regras

De três anos pra cá, produtos multimercado ganharam espaço

Criados antes de 2021

Criados a partir de 2021

41,0%41,0%9,7%9,7%49,3%49,3%21,0%21,0%1,2%1,2%77,8%77,8%
Fonte: Morningstar. Elaboração: Valor Data, Valor Investe

"Esses novos produtos que apareceram não eram de renda fixa. Então, quando a taxa de juros voltou a subir, os produtos com maior risco sofreram mais. Não à toa, os multimercados normais, sem ser de previdência, também não estão com rentabilidade muito boa", afirma.

Para João Morais, diretor do segmento de alta renda da consultoria Mercer, a rentabilidade abaixo do CDI em um período mais recente não é algo preocupante, especialmente porque os produtos de previdência devem ser voltados para o longo prazo.

Ele explica que os novos produtos tendem a ter estratégias mais arrojadas e uma parcela mais significativa alocada em ativos de risco. Ainda que eles tenham sofrido no curto prazo, o especialista afirma que a tendência é que no longo prazo eles não só se recuperem, mas superem os ativos menos arriscados.

"Em um horizonte de tempo maior, como deve ser a previdência, você busca retornos maiores. E você tem tempo de se recuperar de períodos difíceis", afirma. "Tomar risco em um período de um ano pode ser ruim porque não tem tempo para recuperar. Com produtos mais flexíveis, ao longo do tempo o potencial é de trazer retornos adicionais. A lógica é essa: colocar o tempo e o risco para trabalhar a seu favor", afirma.

Composição dos fundos de previdência mudou após flexibilização de regras

De três anos pra cá, produtos multimercado ganharam espaço

Não batem o CDI

Batem o CDI

7017014094092022021201201051055858

Previdência como "estratégia tributária"

O levantamento do Valor Investe mostrou que o patrimônio líquido médio de cada um desses 1.588 novos fundos criados nos últimos três anos era de R$ 17,68 milhões. Destes, 485 (ou seja, 31%) tinham um patrimônio líquido de até R$ 20 milhões, o que pode sugerir que parte desses produtos foram fundos criados "sob encomenda" para um único cotista ou uma única família. Isso porque um fundo de varejo, que é distribuído entre as pessoas físicas costuma ter um tamanho muito maior, com um patrimônio na casa dos bilhões de reais.

Segundo Morais, da Mercer, o uso da previdência como uma estratégia de investimento dos "super ricos" não é exatamente uma novidade, embora ele afirme que seja difícil precisar quantos produtos existam para esses fins. Ele destaca, no entanto, que esses fundos têm "características interessantes que vêm contribuindo para que essas pessoas olhem para eles como uma boa alternativa".

Recentemente, com as discussões sobre a tributação, via "come-cotas", dos fundos exclusivos e offshores, (que estão sediados fora do país) há quem acredite que a previdência será uma alternativa para investidores que serão afetados pela mudança.

Um estudo recente feito pela empresa de análises Empiricus com 42 gestoras de recursos mostrou que 82% dos gestores de fundos multimercados acreditam que a taxação de fundos exclusivos ampliará o fluxo para fundos de previdência privada.

Gomes, da Jive, acredita que a previdência será um "destino relevante" para os investidores de fundos exclusivos e offshores. "Toda alteração de regra tributária tem a tendência de induzir um comportamento. O contribuinte busca oportunidades para manter a tributação e a rentabilidade que estava acostumado", afirma.

Segundo o especialista, a previdência tem duas características fundamentais, especialmente para o público de alta renda: a facilidade no planejamento sucessório e a tributação diferenciada.

"A previdência tem um elemento interessante de planejamento sucessório, porque esses produtos não entram em inventário. Você indica os beneficiários e, em caso de falecimento, 30 dias depois eles já recebem. Já o inventário é moroso e complexo. Então, um dos benefícios do fundo exclusivo, que é o planejamento sucessório, se mantém com fundo de previdência", afirma.

Outro ponto trazido pelo especialista são as vantagens tributárias, como a alíquota de apenas 10% caso o investidor deixe seu dinheiro no produto por mais de 10 anos.

"Para a pessoa que apura e paga imposto de renda, quando investe em um plano PGBL, ela deduz até 12% do imposto de renda, que é uma vantagem interessante. Além disso, durante o período de acumulação, ele não tem come-cotas. Então, há um rendimento sobre o que não foi recolhido de imposto de renda ao longo dos anos. E, por fim, tem a possibilidade de eleger o regime de tributação que pode ser regressivo, começando em 35% e regridindo até 10% depois de 10 anos, que é a menor alíquota existente no mercado, fora as isenções. A conclusão é que os fundos de previdência são muito interessantes, tributariamente, para os 'longo prazistas'", afirma.

Ainda que os especialistas não "cravem" que haverá essas migrações, todos concordam que é possível que ela aconteça, especialmente após serem divulgadas as condições de tributação dos fundos offshores e exclusivos.

"Ainda é cedo e o mercado se ajusta. Mas acho que veremos não só isso, mas outras coisas evoluírem. Os mercados vão reagir e os fundos de previdência podem ser uma alternativa, entre outras, que os investidores vão buscar", conclui Morais, da Mercer.

Fonte: Valor Investe (25/09/2023)

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