terça-feira, 14 de novembro de 2023

Idosos: No Rio população de idosos acima de 65 anos cresce 47% e se torna desafio para os governos



Aumento se deu nos últimos 12 anos

Na capital, para cada 100 crianças de até 14 anos, há 86,44 pessoas com 65 anos ou mais; em Niterói, a taxa chega a 118,15.

A cearense Maria do Socorro de Souza tem 80 anos e dois filhos. Ela conta que não vê o mais novo há meses, e, a essa altura da vida, ainda ajuda o mais velho. A aposentadoria por idade que recebe do INSS não dá para fazer frente a tantas despesas. Só de aluguel pelo quarto com banheiro coletivo que ocupa na Cidade Nova, são R$ 600. É preciso ir à luta. Todas as manhãs, de segunda a sexta-feira, a “vó da cocada” se acomoda no mesmo local, na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana, para vender os doces que faz na noite anterior.

Enquanto o Censo do IBGE mostra que, em 12 anos, houve um crescimento de 47% da população de 65 anos ou mais no estado, a realidade de dona Socorro revela o tamanho do desafio que é dar qualidade de vida à terceira idade sob variados pontos de vista: financeiro, familiar, de saúde, de mobilidade e urbanístico. Prefeituras e outras instituições desenvolvem diferentes projetos voltados para essa faixa etária. Contudo, segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, que estuda o tema, falta uma estratégia que reúna os programas e amplie as boas iniciativas, além de ações voltadas para o entorno do idoso:

— É preciso que haja uma política que não seja focada só em sua saúde, lazer, educação. Ela tem que ser abrangente, e o idoso precisa ter informações. Um exemplo positivo é o da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnAti/Uerj), que oferece cursos para idosos e forma profissionais e familiares.

Para Mirian, tratar melhor os mais velhos não é uma questão de lei:

— O Estatuto do Idoso é maravilhoso. Todos têm direito a lazer, saúde, a serem bem tratados. Em muitas famílias, a casa não é lugar de cuidado, mas de violência, física, verbal, psicológica, de abuso financeiro, de negligência.

A "vó da cocada” saiu do Cariré em 1972, com os dois filhos. O marido ficou pelo Ceará. E foi fazendo artesanato que criou os meninos. Ela optou por vender cocada quando o preço do material de costura ficou caro e encarecia as almofadas feitas à mão que produzia. Há quem a ajude tanto comprando doces, como oferecendo um pacote de biscoitos e dinheiro, para que possa fazer consultas e exames na Santa Casa e até pegar um carro de aplicativo.

— Não ando de metrô, porque tenho medo. O ônibus balança muito e é difícil subir, porque os degraus são altos. Não tenho família, mas há muita gente que me ajuda. Vou vivendo até quando Deus quiser — diz ela, mostrando a marmita que trazia, só com arroz com feijão.

Calçadas esburacadas

O último Censo revela que o índice de envelhecimento do Estado do Rio é o segundo maior do país. Para cada 100 crianças de até 14 anos, há 73,64 pessoas acima de 65 anos. Entre as capitais, o Rio tem a terceira taxa do país: 86,44. No estado, Niterói tem o maior índice: 118,15, ou seja, mais idosos do que crianças. São, hoje, 1,4 milhão de pessoas com 65 anos ou mais no estado, 892 mil deles na capital e 83 mil em Niterói.

Diferentemente de dona Socorro, a pedagoga aposentada Célia Sanches, de 71 anos, tem casa própria, é casada, e ótima convivência com as duas filhas e os quatro netos. No entanto, moradora de Copacabana, se depara com outro tipo de problema: as calçadas irregulares e com muitos buracos. Mesmo fazendo ginástica, dança e caminhada, sofreu as consequências de uma queda há cerca de um mês:

— Machuquei o joelho e quebrei os óculos. Imagina o que não acontece com um idoso sem preparo físico? Não uso salto alto para andar em Copacabana, e meu marido manda eu ficar olhando para o chão.

A Secretaria de Conservação da capital contabiliza 3.130 buracos tapados em calcadas da cidade, em 2022, e 5.900 este ano, até sexta-feira, só daqueles de sua competência: em praças, parques, orla e em frente a prédios públicos. Para particulares e concessionárias, foram emitidas 464 notificações para reparos, ano passado, e cerca de 200, em 2023.

Já números do Datasus, dão conta de que, só de quedas da própria altura, de pessoas com 65 anos ou mais, que necessitaram internação, foram 4.386 no ano passado no estado (12 por dia, em média), 1.438 a mais do que em 2015.


Célia Sanches alerta para outra questão decorrente do envelhecimento de população: a dificuldade para achar um geriatra, mesmo tendo plano de saúde. Dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) mostram que o obstáculo para marcar com um desses profissionais é bem maior na área pública: no Sistema Único de Saúde (SUS) do estado, há 225 geriatras (81 na capital) e 7.708 pediatras. Na rede do SUS, o número de pediatras cresceu (eles eram 7.212, em 2013), enquanto o de geriatras diminuiu (eram 233, em 2013).

A desproporção entre pediatras e geriatras é resultado de um Brasil que "sempre pensou mais na juventude", analisa o médico Renato Veras, fundador e coordenador da UnAti, que funciona há 30 anos na Uerj, é credenciada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e tem 578 idosos matriculados em seus cursos.

— É necessário atentar para a progressão dos idosos a cada ano que passa. O tempo de vida a mais tem que ser qualificado. Deve haver uma preocupação com o Alzheimer. Sabemos pouco dessa doença. O espaço urbano também é precário para o idoso. Algo fundamental ainda é o treinamento para motoristas de ônibus e para as famílias de idosos. Sem falar na fila do SUS. Velhinho não pode ficar esperando — pontua Veras.

Secretário de Saúde da capital, Daniel Soranz não vê como um problema o baixo quantitativo de geriatras. No município do Rio, diz, a opção foi “olhar para o idoso de maneira mais integral”:

— Tratamos do idoso dentro do Programa de Saúde da Família, porque o contexto familiar é tão importante quanto o especialista. Seguimos sistemas de saúde universais da Europa e do Canadá. Em quase todas as clínicas de família, temos núcleos de convivência de idosos. E em quase todas as nossas unidades básicas, programas de ressocialização, integração e de práticas de exercício físico para o idoso.

Conforme a pasta, de janeiro a setembro, 60% dos 3.047 usuários atendidos pelo Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso (Padi) têm mais de 60 anos (o programa é também para não idosos), e 29,4% das consultas em unidades em atenção primária foram de pessoas da terceira idade.

Em praças do Rio, usuários de equipamentos da academia da terceira idade lamentam a falta de um professor para ajudá-los nos exercícios e de conservação. Na Sarah Kubitschek, em Copacabana, Ana Lúcia Silva, de 72 anos, Conceição Fonseca, de 80, e Roberto Coutinho, de 71, também ficam temerosos com a presença de moradores de rua e usuários de drogas, apesar de o local ser fechado à noite.

— Antigamente, tinha professor — conta Ana Lúcia.

A Secretaria especial do Envelhecimento Saudável anuncia que, até 2024, 45 novas academias se somarão às 483 existentes, mas não há previsão de dotá-las de professor. Os “agentes experientes” — idosos que ajudam em BRT, unidades municipais e até outros velhinhos — também passarão de 351 para 420 em 2024, e terão o auxílio elevado, de R$ 350 para R$ 600 mensais, por 12 horas de atividade por semana.

São cinco as “agentes experientes”. Uma delas, Edilsa Paulino de Miranda, de 73 anos, tem “três meninas" para visitar, de 75, 70 e 95 anos. Todas moram próximas, na Lapa. De Hermínia de Mello Noce, de 95, Edilsa é vizinha de prédio.

— A gente ri demais, conta histórias da adolescência, mostra fotografias. Li um diário que ela fez numa viagem à Europa — conta Edilsa.

Hermínia, que perdeu o marido há sete anos e não tem filhos, mora sozinha:

— Amo minha solidão. Cozinho, arrumo a casa, faço palavras cruzadas, ouço música. Não penso no futuro. Vivo o dia de hoje, e deixo o amanhã para depois.

Levantamento do Instituto da Longevidade nos 5.570 municípios brasileiras, levantando 23 indicadores oficiais de cada uma de três variáveis: economia, saúde e socioambiental. No ranking do país, nenhum município fluminense ficou nas 20 primeiras posições no Índice de Desenvolvimento Urbano para a Longevidade (mede condições tendo em vista a capacidade de a cidade atender às necessidades básicas de vida e oferecer bem estar aos idosos). Entre as 326 grandes cidades, Niterói é a primeira (34º lugar), e a capital ficou em 112º. Os últimos são Belford Roxo (319º) e Japeri (324º).

— A capital fluminense teve um desempenho ruim em atendimento ambulatorial de unidades públicas e privadas, e também uma baixa cobertura vacinal. Isso puxou o seu índice para baixo. Niterói teve uma cobertura vacinal menor que o Rio, mas esteve melhor em outros indicadores — diz Gleisson Rubin, diretor do Instituto da Longevidade.

Entre os 674 municípios médios do país, Búzios é o primeiro do Estado do Rio (22º lugar no ranking nacional). Mangaratiba é o pior (488º). Dos 4.570 municípios pequenos, Miguel Pereira (211º) é o melhor colocado do Rio, e Carapebus (3331º), o pior.

Poucos abrigos públicos

Mais uma questão, dessa vez levantada pelo presidente da Comissão da Criança, do Adolescente e do Idoso, da Assembleia Legislativa, deputado Munir Neto (PSD) é a pouca quantidade de instituições públicas para abrigar idosos. Dados do Ministério Público estadual repassados à comissão informam que das 534 existentes no estado, 324 têm fins lucrativos e 26 não possuem CNPJ identificado. Das 184 sem fins lucrativos, 19 são públicas (16 municipais, duas estaduais e uma federal). Só 11 dos 92 município fluminenses possuem uma instituição pública para abrigar idosos.

— Nosso estado precisa urgentemente aumentar o número de vagas públicas ou com alguma parceria com o ente público para atender essa camada mais carente da população, em extrema vulnerabilidade — destaca Munir.

Na capital, a prefeitura informa que conta com 13 abrigos para idosos, entre públicos e conveniados, com 366 vagas. Entre os filantrópicos, o da União Espírita Suburbana, no Méier, acolhe oito idosas e tem 16 funcionários, parte deles voluntários. As despesas oscilam entre R$ 65 mil e R$ 70 mil mensais. O sustento vem de doações e parte da aposentadoria das próprias idosas, segundo a diretora Márcias Frias.

Do grupo, se destaca Élia Maria Santos de Jesus, de 88 anos, que gosta de conversar e contar sua história. Ela tinha pouco mais de 50 quando a mãe morreu num acidente: foi atropelada na calçada. Passou a cuidar da casa, do pai e de quatro irmãos. Foi internada em 2017 e, desde então, só esteve duas vezes na sua casa, na Pavuna, porque depende que uma sobrinha a leve.

— Gosto daqui, mas o meu maior sonho é ir na minha casa. Sinto saudade. Não consegui trazer minhas coisas — diz.

Fonte: O Globo (12/11/2023)

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