Total em renda variável soma apenas 9%, o menor da série histórica; associação do setor alerta para ‘exposição excessiva
Os fundos de pensão atingiram no primeiro trimestre deste ano uma alocação de R$ 820 bilhões em títulos públicos, de um total de R$ 1,22 trilhão de ativos do setor. O patamar é recorde da série histórica disponibilizada pelo Ministério da Previdência, que começa em 2010, tanto em números absolutos quanto em percentual, de 67,2% do total.
Devanir Silva, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), diz que a concentração é momentânea, em reação ao alto nível dos juros, mas “acende alertas sobre riscos de exposição excessiva e perda de oportunidades” de geração de retorno acima do esperado. “Ao longo do tempo, a necessidade de retorno real acima da meta atuarial exigirá uma volta gradual à diversificação dos portfólios”, diz Silva.
No entanto, dados fornecidos pela Itajubá Investimentos, referência no país em distribuição de ativos para o segmento, com base em estudo da consultoria Aditus, mostram que, nos últimos 36 meses, 75% das carteiras das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) não superaram suas metas atuariais. Nem se levarmos em conta apenas 2025, com o atual patamar de juros, isso aconteceu: 59% não atingiram o resultado que precisavam.
Até 2019, a fatia dos títulos federais girava em torno de 50% do total. Em 2020, ficou em 53%, enquanto a de renda variável - hoje em 9%, menor nível da série histórica - correspondia a 21%. De 2021 a 2023, foi a 61% e, agora, chega ao recorde de 67,2%.
Numa comparação com 38 países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem a quinta menor alocação em ações, ganhando apenas de Coreia do Sul, República Eslovaca, República Tcheca e Eslovênia.
Para Carlos Garcia, sócio fundador da Itajubá, além do juro alto e dos desafios macroeconômicos, o ambiente regulatório incentiva a migração para os títulos públicos. “Já estamos começando a ver mais otimismo no mercado acionário, mas leva tempo para a alocação voltar, diante da alta concentração em papéis federais.”
Segundo ele, a parcela em caixa das fundações, como em Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) e Certificados de Depósito Bancário (CDBs), facilita a mudança nas alocações quando o cenário virar. “Temos visto apetite pelos produtos que temos levado a mercado, só que ele poderia ser muito maior”, avalia.
Uma das mudanças regulatórias recentes foi anunciada em dezembro e vinha sendo alvo de uma intensa campanha do setor: o fim da marcação a mercado, que determina que os preços dos títulos em carteira sejam atualizados diariamente. A obrigatoriedade valia desde 2021 para os planos de contribuição definida e variável, seja na fase de acumulação ou de concessão de benefícios. Os de benefício definido já podiam usar a chamada marcação na curva, que considera o valor de resgate no vencimento.
Os fundos argumentavam que a atualização diária dos preços levava instabilidade aos planos e, consequentemente, insegurança aos participantes, sendo que a maior parte das fundações carrega o título até o vencimento. Com o fim da obrigatoriedade, gestores avaliam que as estratégias ativas perderam ainda mais atratividade, já que a NTN-B oferecendo retorno de IPCA mais 7% ajuda no cumprimento das metas de longo prazo.
A necessidade de retorno real acima da meta atuarial exigirá uma volta à diversificação”— Devanir Silva
A Petros, dos funcionários da Petrobras, foi uma das fundações que lideraram a luta pela mudança. Lá, os títulos públicos correspondem a 52% dos ativos do fundo de pensão, ou R$ 66,9 bilhões (dados de abril de 2025) de um total de R$ 129 bilhões. Dessa fatia, somente R$ 5,4 bilhões estão marcados a mercado e R$ 61,6 bilhões, aplicados em NTN-Bs, na curva. Em renda fixa, estão R$ 106 bilhões, o equivalente a 82,16% do patrimônio.
Até a Previ, do Banco do Brasil, historicamente forte em participações acionárias, vem ampliando a fatia em renda fixa, hoje em cerca de 66% (R$ 176,63 bilhões) do total de R$ 267,33 bilhões de investimentos dos dois principais planos da fundação, o Plano 1 e o Previ Futuro. Em 2020, o total era de R$ 232,55 bilhões e a alocação em renda fixa era de R$ 108,7 bilhões (46%).
O Plano 1, o maior, de benefício definido, está passando por um processo de “imunização”. Nos anos 2000, chegou a ter 70% em renda variável, mas hoje, com quase todos os associados em aposentadoria ou pensão, foi realizada a migração para a renda fixa. Em 2020, a alocação em renda fixa e variável era de cerca de 45% cada. Em 2024, a renda fixa subiu 66% (26% em variável), números que se mantêm nesse patamar, segundo a Previ.
Entre os fundos menores, a Quanta Previdência, terceira maior EFPC em número de participantes, com 214 mil ativos e patrimônio de R$ 7,12 bilhões em 2024, nos planos com perfil mais conservador a exposição a títulos públicos foi mantida, de acordo com Helenize da Silva, responsável por investimentos, finanças e controladoria. Já nos com maior tolerância ao risco, a alocação cresceu de 10% para 20%.
“Observamos um movimento relevante de migração de participantes dos perfis com maior exposição a risco para opções mais conservadoras, comportamento típico em períodos prolongados de juros elevados”, comenta ela. Os planos com perfil moderado multiestratégia e arrojado, prossegue a executiva, estão no limite máximo de 15%. Para ela, os desafios macroeconômicos demandam “parcimônia no aumento de risco”.
“Ainda temos um fiscal desajustado em uma dinâmica insustentável, com dificuldade para cortar gastos e esgotamento da capacidade de aumentar receitas recorrentes, tudo isso às vésperas de um ciclo eleitoral”, analisa Silva. Na Quanta, a gestão dos recursos é terceirizada, monitorada por uma equipe interna. No total geral, 20%, ou R$ 1,4 bilhão, estão em títulos federais (NTN-Bs e LFTs).
Além do cenário macroeconômico, Marco Túlio Coutinho, ex-Funcef, hoje responsável pelo relacionamento com clientes institucionais na Brunel Partners, diz que há “desalinhamento de interesses” entre gestoras e fundações. “Na Faria Lima, quanto maior o rendimento, maior o bônus e a premiação do gestor. O incentivo é sempre buscar retorno adicional. Já no caso das fundações, correr risco além do necessário para atingir a meta atuarial pode ser interpretado como má gestão e motivar investigações”, explica.
Ele diz que o objetivo é garantir os benefícios futuros correndo o menor risco possível. Coutinho aponta, porém, que o aumento da fatia em títulos públicos permitiu que a parcela reduzida em renda variável no setor ganhasse um perfil ainda mais arrojado nos últimos meses, incluindo ilíquidos e alternativos, como fundos de direitos creditórios e de investimentos em participações. “Quando a Selic começar a cair, todo o apetite volta. É o pêndulo do ciclo económico.”
Observamos um movimento de migração para opções mais conservadoras”— Helenize da Silva
A guinada conservadora teve o efeito de reduzir o volume de fundos de pensão em gestoras independentes. Em 2023, muitas investiram em parcerias com consultorias especializadas ou criaram internamente setores para se dedicar ao relacionamento com esses investidores e tiveram que recuar.
Em junho, a SPX Capital desativou a sua área de soluções de investimentos, criada para captar recursos do público institucional, demitiu a equipe e devolveu R$ 350 milhões aos clientes, com a avaliação interna de que a gestão de portfólios de fundos de pensão demoraria a pegar tração. A asset, segundo fontes, ainda tem sob gestão cerca de R$ 4 bilhões de investidores institucionais e segue com uma equipe comercial com dedicação exclusiva ao segmento.
A Rio Bravo, por sua vez, está tirando o foco de institucionais, diante da retração desse público, e lançou em maio, depois de 15 anos “longe” do varejo, dois fundos de crédito abertos. Também prepara um de ações para lançamento nas plataformas.
Outra que investiu em fundos de pensão e Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS, fundos de Estados e prefeituras) no início do ano passado foi a MAG Investimentos, com a criação de uma área voltada a essas entidades. A profissionalização maior dos gestores de RPPS, impulsionada por um programa desenvolvido pelo Ministério da Previdência, diz o sócio-diretor Fernando Gabriades, fez os frutos nessa área serem colhidos como esperado.
A asset do grupo Mongeral Aegon, que tem R$ 17 bilhões sob gestão, sendo 65% de institucionais, avançou de R$ 350 milhões em janeiro de 2024 a R$ 1 bilhão agora no segmento de RPPS. Por outro lado, a velocidade de crescimento dos fundos de pensão caiu, comenta ele. “É um momento complexo de juros altos.”
Silva, da Abrapp, diz que as gestoras estão aproveitando o momento para manter relações próximas com as fundações e “se preparando para apoiar a retomada da diversificação, que será inevitável”. As gestoras têm atuado não apenas como prestadoras de serviço, mas como parceiras estratégicas, afirma.
Segundo o Ministério da Previdência, hoje são 266 entidades fechadas e 43 fundos abertos, os planos de previdência, com 4 milhões de participantes e 11 milhões, respectivamente. As abertas têm R$ 1,6 trilhão em ativos e as fechadas, R$ 1,3 trilhão.
Nas entidades abertas (os planos de previdência de bancos, seguradoras etc), há ainda maior participação de títulos federais: 68,3%, ou R$ 1,120 trilhão do total de R$ 1,6 trilhão em investimentos, mas este patamar chegou a passar de 80% há dez anos.
Fonte: Valor (09/07/2025)

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