sábado, 3 de agosto de 2019

Idosos: 90% dos investidores idosos ainda preferem a caderneta de poupança. Isso é um problema?



'Onda conservadora' é velha conhecida de investidores acima dos 60 anos; durante a juventude, despreparo financeiro para a velhice reina

Muito se fala da tal “onda conservadora” que cobriu o país desde as últimas eleições. Mas quando olhamos para as finanças pessoais dos brasileiros, esse povo tão apaixonado pela caderneta de poupança, esse traço de personalidade, por assim dizer, não chega a ser uma novidade — o conservadorismo sempre esteve lá. Para quem já passou dos 60 anos, então, é quase a regra.

Levantamento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostra que apenas 58,7% dos brasileiros acima dos 60 têm algum tipo de investimento. E, dessa parcela, nada menos que 90,1% têm suas economias aplicadas na poupança – bem acima dos 75% de quando consideramos investidores brasileiros de todas as idades.

Dos demais idosos (que são apenas 10%), a maior parte se divide entre aplicações em títulos privados, como debêntures, CDBs e letras de crédito (2,9% do total); fundos de investimentos, como multimercados, cambial e de ações (2,8%); e planos de previdência privada (2,8%).

Aqueles que escolhem aplicar em papéis de empresas listadas em bolsa, sem ser via fundos, ou em títulos públicos vendidos pelo Tesouro Direto são muito poucos, 0,8% e 0,7%, respectivamente.

Onde investem os brasileiros que passaram dos 60 anos?

Aplicações de brasileiros com 60 anos ou mais (%)
Caderneta de poupança: 90,1Títulos privados: 2,9Fundos de investimento: 2,9Previdência privada : 2,8Ações na bolsa : 0,8Tesouro Direto: 0,7
Caderneta de poupança
90,1
Fonte: Anbima

Tamanho conservadorismo, no entanto, antes de ser um problema, reflete os vários anos de vida corridos. E pode ser explicado por dois fatores, de acordo com a Associação Brasileira de Planejadores Financeiros (Planejar):

  1. Várias crises econômicas ao longo de décadas. As entradas e saídas de planos econômicos e novas moedas, além de uma inflação de guerra, cristalizaram a cautela como a principal característica desse público;
  2. Horizonte restrito de tempo pela frente. O investidor acima dos 60 anos, em geral, já formou o seu patrimônio. Como o período de vida que ele tem para correr atrás de eventuais prejuízos é mais curto que os dos anos de juventude, acaba passando bem longe das alternativas mais arriscadas.

Quando os sonhos dão lugar à segurança
Se ainda somos jovens, deixar dinheiro parado na caderneta é furada certa. Qualquer outra aplicação oferece maiores retornos. Mas isso deixa de ser óbvio para quem já sabe que a vida não reserva mais tanto tempo pela frente.

Ana Leoni, superintendente de Educação Financeira da Anbima, explica que existem três fases na educação financeira:

  1. Formação – focada nas novas gerações, busca criar uma cultura do cuidado com o dinheiro;
  2. Orientação – focada em quem já tem algum conhecimento sobre investimentos, mas precisa de orientação para não perder o patrimônio;
  3. Proteção – com foco principal na terceira idade, busca proteger investidores de uma série de vulnerabilidades trazidas pelos anos, como a perda de poder cognitivo e a maior propensão a erros e golpes.

Ana explica que os idosos dessa última fase acabam encontrando na tão mal falada caderneta exatamente aquilo que precisam. “Em geral, a pessoa nessa idade está mais preocupada em guardar do que em busca de rentabilidade”, diz.
O que investidores acima dos 60 querem fazer com seus rendimentos?
Em porcentagem
Manter aplicado : 32,7Comprar imóvel: 13,5Aposentadoria: 12Viajar : 8,8Não sabe: 7,1Construir/reformar casa : 4,4Deixar para os filhos: 4,3Outras respostas: 4Comprar/trocar de carro/moto/caminhão: 3,1Pagar contas/dívidas: 2,5Investir em saúde: 2,5Investir em negócio próprio: 1,4Nada: 1,4Garantir o futuro: 1,1Aplicar novamente: 0,6Ter ou aumentar rendimentos: 0,5
Manter aplicado 
32,7
Fonte: Anbima

Enquanto os jovens investidores estão mais focados em obter rentabilidades que façam seu patrimônio crescer ao longo dos anos, o idoso investidor, em geral, já percorreu esse caminho. Por isso, o colchão de segurança é o principal objetivo para 33,7% dos investidores com mais de 60 anos, que precisam desse montante à mão quando necessário.

Por exemplo, quando uma consulta ou tratamento médico particular é necessário, a liquidez oferecida pela caderneta acaba sendo satisfatória.
Mais do que a modalidade de investimento escolhida, preocupa o número considerado alto de idosos, 7%, que não têm ideia do que será feito do dinheiro guardado ao longo da vida.
“O dinheiro é só um meio, não um objetivo em si”, diz Ana. De acordo com ela, quem não sabe porque guarda dinheiro acaba descobrindo o motivo “pela dor”, ou seja, quando surgem emergências, e não sonhos a serem realizados.

Preparados para a velhice?
Definitivamente, não. Apenas 58,7% da população acima dos 60 anos têm algum tipo de aplicação. E o que já é ruim fica ainda pior se considerarmos que só 24,2% dos brasileiros com 60 anos ou mais contam com a renda de um emprego com carteira assinada.

Mas não é só esse o problema. Além desses números concretos, a expectativa do brasileiro em relação ao futuro, comparada à realidade, deixa bastante a desejar. O Raio-X do Investidor Brasileiro, produzido pela Anbima, dá uma boa mostra da enorme distância que existe entre a imaginação e a prática. A pesquisa, baseada em entrevistas, perguntou para jovens como eles imaginam que serão suas despesas na aposentadoria.
Expectativa: para 46% dos jovens, as despesas serão maiores na velhice; para 14%, iguais; e para 41%, menores.
Realidade: 61% dos atuais idosos dizem que seus gastos ficaram maiores; 13%, iguais; e 26%, menores.
Ou seja, sonho e vida real não casam. A vida real é diferente - e diferente para pior.

Esse desconhecimento pode trazer problemas financeiros justamente quando a nossa dinâmica de gastos muda totalmente. Daí vem a importância de, ao longo da juventude, garantir uma reserva de emergência capaz de amortecer os novos gastos da segunda metade da vida.

O que muda após os 60?
Fica mais fácil visualizar como as coisas se transformam nas suas contas pessoais num gráfico como este, logo abaixo. Você vê aí, comparadas entre 2012 e 2018, a variação média dos preços para toda a população (IPC) e apenas para os idosos (IPC-3i):

Inflação geral X Inflação dos idosos

Comparação entre o IPC e o IPC-3i acumulado em 12 meses
%IPCIPC-3iDEZ/12DEZ/13DEZ/14DEZ/15DEZ/16DEZ/17DEZ/1824681012
DEZ/13
 IPC: 5,64
Fonte: FGV

Como se vê, embora caminhem juntos e em nível semelhante, os dois índices de inflação têm resultados diferentes – entenda clicando aqui como a inflação é calculada e quais os principais índices.

Ou seja, o sobe e desce de preços mexe de maneiras distintas com o seu bolso, dependendo da sua idade.

Quando se chega à velhice, os gastos relacionados à saúde são os primeiros a incomodar mais. Os convênios ficam mais caros, atendimentos hospitalares e tratamentos terapêuticos são mais frequentes, e aumenta o consumo de remédios de uso contínuo. Logo, qualquer alta de preços desse ramo bate forte no orçamento dos mais velhos.

No entanto, como explica André Braz, um dos responsáveis por calcular os índices de preços ao consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a pancada maior no orçamento familiar dos idosos não se limita aos novos cuidados com doenças trazidas pelos anos, como cardiopatias, dores nas articulações e diabetes.
“Idosos, em geral, começam a passar mais tempo em casa”, diz Braz. “Reajustes em tarifas públicas de energia, água e telefone fixo batem mais forte no bolso dessa parte da população”.
Merecem a atenção também de quem entra para a velhice possíveis novos gastos com empregados domésticos. Tarefas antes triviais, como cuidar da casa sozinho e da própria higiene, já não são tão simples. Passa-se a depender da ajuda de alguém mais jovem, e nem sempre há uma pessoa da família à disposição.

O lado cheio do copo para os idosos vem, principalmente, do acesso a algumas gratuidades, como no transporte público e no acesso a salas de cinemas e espetáculos. E como boa parte dos investimentos em educação, em média, é feito na juventude, esses são outros gastos que normalmente vão desaparecendo. A não ser em casos de avós responsáveis por custear os estudos de filhos e netos.

E como se preparar, na juventude, para não passar aperto financeiro na velhice? 
Braz dá a receita: “Quanto mais novo você for, mais você deve assumir posições de risco”. Conforme Braz explica, a hora certa de juntar dinheiro e diversificar suas aplicações, com maior peso para renda variável, é aos 20 e poucos anos.

Já com a chegada dos 40 anos, é chegada a hora de mudar o perfil de seus investimentos para uma carteira menos arriscada. Ou seja, essa tal onda conservadora dos mais velhos não está de toda errada. O movimento da vida é esse mesmo: mais riscos na juventude e maré mansa quando os cabelos brancos aparecem.

“Se você já é mais sênior, a recomendação é ser conservador mesmo”. Conforme Braz lembra, ser conservador não significa escolher a caderneta de poupança. Opções como o Tesouro Direto tem rentabilidade acima da poupança, baixo risco e liquidez garantida.

Portanto, acerte o caminho das suas finanças na juventude para não passar por percalços na velhice, quando o mais importante será ter sombra, água fresca e sossego.

Fonte: Valor Investe (02/08/2019)

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