quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Previdência privada aberta (bancos ou seguradoras) perde fôlego com inflação e juros altos



Com atividade fraca, 2023 tende a ser ano difícil 

O ano de 2022 foi mais de “rouba-monte” na previdência complementar do que de dinheiro novo, e 2023 tem elementos para repetir essa dinâmica. O setor guarda relação estreita com a atividade econômica, e fatores como juros altos e inflação consomem poder de compra e a capacidade de poupança da população. Mas são justamente os momentos de taxas elevadas considerados os melhores para se construir reservas para a aposentadoria, valendo-se da capitalização do dinheiro no tempo. A renda fixa tem liderado a preferência dos investidores.  

Olhando-se a fotografia dos fundos que acolhem os recursos dos planos privados de previdência, a captação líquida totalizou R$ 13,0 bilhões no ano passado, um recuo de 2,5% em relação a 2021, com o patrimônio do segmento chegando a R$ 1,2 trilhão, segundo a Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos. Em termos nominais, é o pior desempenho desde 2008.  

Pelos números parciais de portabilidade da Susep, o regulador do setor de seguros e previdência, mais de R$ 40 bilhões tinham trocado de mãos, conforme as estatísticas disponíveis em novembro.  

Sem bolo crescer, portabilidade domina entre principais grupos, com XP, BTG e Itaú com saldo positivo 

Entre os grandes grupos seguradores, que em seus conglomerados também são os maiores gestores de fundos de previdência, só o Itaú Unibanco tinha um valor líquido positivo entre portabilidades aceitas e cedidas para a concorrência, com R$ 1,6 bilhão. Bradesco Vida e Previdência perdeu R$ 4,3 bilhões; a Brasilprev cedeu liquidamente R$ 6,4 bilhões; a Caixa, R$ 2,1 bilhões; a Zurich Santander Brasil, outro R$ 1,5 bilhão; e o Safra, R$ 198,1 milhões.  

Na ponta positiva ficaram a seguradora do BTG Pactual, que assumiu liquidamente R$ 5,6 bilhões que estavam em outras instituições, e a XP Vida e Previdência, com R$ 9,9 bilhões. São os competidores mais novos, que construíram uma base de distribuição via digital e de assessorias de investimentos, rivalizando com os grupos financeiros estabelecidos com suas redes de agências.   

Para 2023, executivos do setor esperam outro ano complicado para a previdência. “Desde os primeiros meses de 2021, com a inflação alta corroendo a renda e a capacidade das pessoas de poupar, se observa resgates maiores na previdência”, diz Estevão Scripilliti, diretor da Bradesco Vida e Previdência. “Minha impressão é que isso se repete neste ano, mas com o cenário gradualmente se abrandando.”   

No lado da captação propriamente, ele diz que 2022 já foi melhor para a instituição, com ingresso de cerca de R$ 800 milhões depois de quatro, cinco anos sucessivos de resgates. “Foi muito em função de medidas tomadas ao longo do tempo, com maior diversificação da grade de produtos, aprimoramento da jornada digital do cliente, seja de alta renda, seja do varejo, que melhoraram a capacidade de oferta de PGBL e VGBL.”  

Apesar das inovações, o executivo avalia que a guerra da portabilidade segue intensa e que, olhando para o mercado de forma geral, o setor praticamente não cresceu, “chegou num platô de mais estabilidade em relação a 2021, não vejo o volume crescendo”. Ele diz que a briga nos últimos anos tem sido em cima da diversificação, mas que a oferta como um todo agora está mais parecida porque “quem ficou defasado teve que correr atrás”.   

Nessa linha, a Bradesco lançou na semana passada quatro produtos “data alvo”, de 2030, 2040, 2050 e 2060, para a fase de acumulação. Nesses planos, a cadência do risco vai se moldando ao longo do tempo. Começa com um nível maior, incluindo renda fixa, variável, ativos internacionais e de proteção para cenários adversos, com uma taxa de administração de 1%. Depois, a meta de volatilidade e o custo vão decaindo, até chegar numa taxa de administração de 0,30%, conforme se aproxima do prazo de conversão dos recursos em renda.  

No Santander, as movimentações na previdência refletiram muito do que se viu no segmento de fundos líquidos, com o investidor resgatando de multimercados, ações e até da renda fixa tradicional, para incluir carteiras com crédito privado, diz Clayton Calixto, especialista de portfólio da Santander Asset.  

O executivo avalia que, com a desaceleração da atividade econômica e piora do mercado de trabalho, dificilmente a previdência vai ter algum alento no seu fluxo. “O mais provável é ter uma estabilização. Mas o carrego de quase 14% é bastante positivo para a classe crescer”, diz, referindo-se à Selic em 13,75% ao ano, um ponto de partida poderoso de multiplicação de capital.  

Na captação da previdência, o Itaú Unibanco ficou no zero a zero, apesar de ter capturando cerca de R$ 2 bilhões da concorrência via portabilidade, diz Claudio Sanches, diretor de produtos de investimentos e previdência do banco.  

Segundo o executivo, houve bastante pedido de resgate de clientes, mas feito da maneira correta, em produtos cuja tributação já estava em 10% - com mais de dez anos. O executivo atribui a maior resiliência à consolidação da estratégia digital, com a plataforma íon, e à distribuição de investimentos por meio do canal de especialistas, com cerca de 2 mil profissionais, dado que a previdência costuma ser uma venda mais consultiva e é preciso olhar a carteira como um todo.   

Sanches afirma que, nessa interação, se percebe que o cliente tem de fato olhado a previdência como poupança de longo prazo. Uma fatia de 30% dos recursos foi para multimercados, ante 50% em 2021. Os planos ligados a fundos com crédito privado tiveram a preferência, representando 37% do bolo. Outro efeito da assessoria, diz, é que já tem mais cliente chegando à aposentadoria buscando conversão em renda por tempo determinado, quebrando um pedaço dos recursos para garantir as despesas mais constantes. O mais comum, historicamente, era o investidor resgatar tudo.  

O executivo também considera que 2023 será um ano particularmente difícil para a previdência, que mais do que qualquer outro produto está relacionado ao crescimento econômico. “Faz sentido para o investidor que está realmente empregado, contribui para o INSS e faz a declaração completa [no caso do PGBL]. Caso não faça, não é o melhor produto de investimento”, diz. “Pode ser até que melhore se houver algum efeito contracíclico em relação à economia. Pessoas mais conservadoras no consumo guardam mais.”  

Quanto maior o nível de conhecimento, mais resiliente é o investimento em previdência, diz Clara Sodré, analista de alocações e fundos da XP Investimentos. A conquista de novos mandatos, com mais opções na grade, tem auxiliado na construção de um mix de carteiras de longo prazo. “A gente tem levado para a rede, para o cliente final, um olhar diferente para a previdência, não só para a aposentadoria, mas como estratégia para buscar eficiência tributária daquele dinheiro de longo prazo, porque é o único veículo com alíquota de 10% de imposto de renda [após dez anos].”  

A abordagem em cima de recursos que estão na concorrência segue na linha de que há diferenciação de retorno mesmo em produtos ligados ao CDI, e “mais que isso, com o investidor preso em produtos ruins com taxas altas”, diz Sodré. Com a flexibilização das regras da previdência para os gestores e mais versões surgindo de fundos que já apresentam um histórico na estratégia original, ela diz que ficou mais fácil a conversa com o cliente.   

Para o BTG Pactual, a previdência se tornou estratégica para trazer novos clientes para a base, diz José Lucio Nascimento, sócio e head de produtos da instituição. “Quando você traz o cara com previdência, ele tende a ser poupador, é mais assertivo o ‘lead’ [a captura digital] do que de alguém que não tenha.”  

Gabriel Escabin, head de previdência do banco, afirma que a radiografia global da carteira do cliente tem ajudado a instituição a se defender no ranking de portabilidade. “A gente busca, no processo de investimento, entender qual o produto mais adequado para o momento de vida, e a previdência não fica longe disso.”  

Com a previdência se aproximando cada vez mais do mercado de investimentos, o executivo cita que é mais fácil encaixar o leque de produtos ao perfil do cliente. “Hoje, no autosserviço [da plataforma digital] há uma oferta que atende tanto os mais conservadores quanto os mais sofisticados.”  

Em 2021, ele conta que o BTG chegou a ter 50% dos recursos da previdência em multimercados, fatia que caiu a 34% em 2022. “Com a alta abrupta de juros em função do cenário macro, houve um impacto maior na renda variável”, diz. A parcela em ações, que beirou os 20%, foi reduzida a 6% no ano passado. Já a renda fixa passou a representar 60% do estoque, partido de 40% no exercício anterior.  

A captação nessa classe foi direcionada principalmente para fundos de crédito e renda fixa ativos. Nascimento diz que, para uma carteira de volatilidade maior chamar a atenção, o retorno tem que ser muito superior aos 13,75% da Selic, é difícil competir.  

Escabin considera que 2023 deve ser um ano de fluxo negativo na previdência. É um movimento que tem relação não só com o momento econômico, como também com a maturidade de planos contratados dez anos atrás e que já estão na alíquota de tributação menor.

Fonte: Valor (16/01/2023)

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