Discussão sobre a necessidade de maior regulamentação das plataformas já tem mais de uma década
O uso das redes sociais na mobilização dos atos antidemocráticos de invasão e depredação dos edifícios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF, em Brasília, no domingo (8), evidencia uma discussão de mais de uma década sobre a necessidade de maior regulamentação das plataformas no combate à disseminação de discursos de ódio, notícias falsas e atividades que ferem a democracia.
Rafael Evangelista, pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que acompanha grupos bolsonaristas nas redes, diz que as movimentações ficaram claras nos grupos de WhatsApp e Telegram no dia 2, logo após a posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
“A narrativa começa a se organizar com a ideia de que a posse de Lula foi falsa, de que o poder estava nas mãos do general Augusto Heleno [exonerado no dia 1º ] e, então, são incentivadas as idas aos quartéis e marcadas as datas dos atos nos dias e 7 e 8”, detalha Evangelista.
Para o pesquisador, as redes sociais poderiam ter sido mais ativas na dispersão das movimentações dos golpistas, não apenas retirando posts ou canais do ar, mas eliminando a geração de receita e o alcance de perfis radicais. "Ainda temos risco de continuidade dessas mobilizações", alerta.
Na madrugada de segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou uma série de medidas para rastrear e identificar a participação de golpistas nos ataques. Entre elas está a determinação de que plataformas como Facebook, Instagram, Tik Tok e Twitter removam conteúdos que promovam atos antidemocráticos e a suspensão imediata da monetização de 17 contas nestas redes.
A determinação inclui a guarda pelas plataformas de mídias e de redes sociais de todos os registros capazes de identificar materialidade e autoria dos ilícitos praticados, por 180 dias, e especifica que as empresas de telecomunicações guardem por 90 dias os registros de conexão suficientes para a definição ou identificação de geolocalização dos usuários que estavam nas imediações nas datas dos eventos.
“Os registros de atividades nas plataformas podem ser cruzados com dados das operadores de telecomunicações, incluindo informações de quem contratou o serviço de acesso à internet e a localização dos aparelhos nos momentos das postagens, mediante ordem judicial”, explica o advogado Rony Vainzof, sócio do escritório Opice Blum Advogados.
O Marco Civil da Internet já determina a guarda de registros de acesso a aplicações - endereços de protocolo de internet (IP), datas e horários de atividades nas redes - por seis meses pelas empresas. “Tudo o que está na internet gera evidências”, afirma.
A Meta, dona das redes Facebook, Instagram e WhatsApp, informou que já vem retirando do ar conteúdos de estímulo a atos antidemocráticos antes das eleições 2022.
“Passamos a remover conteúdos que incentivam as pessoas a pegar em armas ou a invadir o Congresso, o Palácio do Planalto e outros prédios públicos”, disse a empresa. “No domingo, também designamos este ato como um evento violador, o que significa que removeremos conteúdos que apoiam ou exaltam essas ações.”
Em comunicado, o TikTok declarou que leva “extremamente a sério a responsabilidade de proteger a integridade da plataforma".
As plataformas YouTube, do Google, Kwai e o microblog Koo se manifestaram sobre a remoção de conteúdos atrelados às invasões, embora não tenham sido notificadas, até segunda-feira, pelo STF ou por outras autoridades pedindo a remoção de conteúdos ou perfis.
Para Vainzof, os atos levantam a discussão sobre os critérios de monitoramento e remoção de conteúdos pelas plataformas digitais.
“Temos visto cada vez mais relatórios de transparência sobre remoções de conteúdos, recursos financeiros ou redução de alcance de perfis, mas a grande questão é tornar esses critérios mais transparentes para que a sociedade avalie se essas medidas são as mais efetivas, ou não”, conclui.
O Twitter informou que continua monitorando cuidadosamente a situação no Brasil. "Nossa equipe se mobilizou rapidamente em resposta aos eventos de domingo e removemos conteúdos que violam nossas políticas, incluindo qualquer conteúdo que tente incitar a violência", informou a área de comunicação global da empresa ao Valor, por e-mail, na madrugada desta terça-feira (10).
"Embora não possamos divulgar detalhes sobre as ações que tomamos durante uma crise ou detalhes sobre quaisquer pedidos de aplicação da lei ou investigação criminal, podemos confirmar que nossa principal prioridade é garantir que nossos usuários se mantenham informados sobre eventos em desenvolvimento e que evitemos danos aos usuários", comentou a companhia.
O Twitter acrescentou que continua "mantendo um canal de comunicação aberto com o governo brasileiro e priorizando o processamento de quaisquer solicitações legais de informações relacionadas a investigações criminais".
Fonte: Valor (10/01/2023)
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