As cinco maiores recuperações judiciais do país, nos últimos seis anos, somaram mais de R$ 256 bilhões em dívidas. À beira de uma segunda recuperação judicial, a Oi corre o risco de ingressar uma segunda vez no ranking onde já ocupa a segunda posição: em 2016, a operadora informou à Justiça dívidas da ordem de R$ 65 bilhões. Desta vez, a Oi busca reestruturar R$ 29,8 bilhões em débitos com credores financeiros de um total bruto aproximado de R$ 35 bilhões em dívidas.
No topo da lista das maiores recuperações judiciais do Brasil está a Odebrecht, que tinha cerca de R$ 80 bilhões em dívidas em junho de 2019, quando ajuizou seu pedido. Também compõem o ranking Samarco (R$ 50 bilhões), Americanas (R$ 43 bilhões) e Sete Brasil (R$ 19,3 bilhões).
Nesse grupo há casos de corrupção, má gestão e até um rombo contábil bilionário sob suspeita de fraude. Mas o professor István Kasznar, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE), diz que há também fatores macroeconômicos que ajudam a empurrar parte das empresas brasileiras para recuperações judiciais.
Altas taxas de juros estão relacionadas ao número de falências e recuperações judiciais, diz o acadêmico, que cita também a carga tributária elevada e o fraco desempenho da economia brasileira em anos recentes. Os efeitos da disrupção na cadeia produtiva de vários setores, provocada pela pandemia da covid-19 e pela invasão da Ucrânia pela Rússia (que completa um ano nesta sexta-feira), ainda se fazem sentir em 2023. “As empresas não quebram no ano do choque. Há um efeito hiato. Demora de dois a três anos para que empresas comecem a quebrar”, diz Kasznar.
Para além das questões macroeconômicas, há naturalmente especificidades que explicam a derrocada de grandes corporações brasileiras. A Odebrecht, por exemplo, foi duramente atingida pelo esquema de corrupção em sua estrutura, objeto de investigação da Operação Lava-Jato, assim como a Sete Brasil.
Procurada, a Licks Associados, administradora judicial do processo de recuperação da Sete Brasil, não comentou o tema. Já a Novonor (antiga Odebrecht) se limitou a destacar que, da dívida original de R$ 80 bilhões, R$ 30 bilhões se referiam a créditos entre as empresas do grupo.
A Samarco foi engolfada pela crise que se seguiu ao rompimento da barragem da empresa em Mariana (MG), em 2015. A mineradora preferiu não se manifestar sobre o assunto.
A Oi, entre outros problemas, viu sua situação financeira se deteriorar a partir da desastrosa aquisição da Brasil Telecom, concluída em 2010.
Em recuperação judicial por quase seis anos e meio, entre junho de 2016 e dezembro de 2022, a Oi prepara um segundo pedido de recuperação protegida das cobranças por uma tutela de urgência cautelar concedida pela Justiça em 2 de fevereiro. Em nota, a operadora reiterou que cumpriu todas as obrigações decorrentes da recuperação judicial e que seu pedido de tutela antecipada “é parte das ações em busca de sustentabilidade de longo prazo.”
“Lá fora, é comum empresas entrarem mais de uma vez em recuperação judicial”, ressalta Eduardo Seixas, sócio-diretor da consultoria Álvarez & Marsal. A aérea americana Continental Airlines recorreu por duas vezes - em 1983 e 1990 - à proteção contra credores nos termos do Chapter 11, equivalente nos Estados Unidos à recuperação judicial no Brasil.
Mesmo se a Oi tiver um segundo pedido de recuperação deferido pela Justiça, este não seria um caso inédito no país. Seixas cita como exemplo a empreiteira OAS. Nove empresas do grupo passaram por um processo de recuperação judicial entre 2015 e 2020. Ainda em 2021, a Coesa - grupo formado a partir da aquisição de ativos da empreiteira - teve seu pedido de recuperação aceito pela Justiça.
Mais recente entre os grandes processos de recuperação judicial no país, o caso da Americanas chamou a atenção de especialistas do meio jurídico pelo pedido de tutela de urgência cautelar - concedido pelo juiz Paulo Assed Estefan, da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, em 13 de janeiro. A decisão deu à varejista proteção contra credores até a apresentação do pedido de recuperação judicial, protocolado e deferido no mês passado. Na mesma linha, a Justiça concedeu à Oi em 2 de fevereiro esse mesmo tipo de salvaguarda.
“Principalmente no caso da Americanas, o que ocorreu de diferente foi que normalmente os sinais [de que a empresa vai entrar em recuperação judicial] são mais difusos. Não há um sinal catastrófico, como foi o caso da Americanas”, compara Leonardo Schenk, sócio do escritório Terra Tavares Ferrari Schenk Elias Rosa Advogados. A Americanas divulgou um fato relevante em 11 de janeiro à noite, no qual informou um rombo contábil de R$ 20 bilhões. O caso, que está sendo investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), fez com que o setor bancário ficasse mais rigoroso na concessão de crédito e na renegociação de dívidas de companhias, em especial de varejistas.
Na visão de Schenk, o fato de Americanas e Oi terem buscado na Justiça a antecipação dos efeitos da recuperação não significa necessariamente que esta seja uma tendência em processos similares. “Não dita tendência de que em toda recuperação judicial haverá medida cautelar. Mas indica que, em hipóteses específicas, cumpridos os requisitos, que o Judiciário está atento à proteção do direito [das devedoras]”, acrescenta.
Em vigor desde 2005, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência (nº 11.101/05) pôs fim ao processo de concordata. “A lei [atual] é em geral muito melhor do que a concordata”, diz Antônio Tavares Paes, sócio do escritório Costa Tavares Paes Advogados, destacando a relativa facilidade com que empresas conseguem entrar em recuperação judicial. “Mas a recuperação judicial é como uma Comissão Parlamentar de Inquérito, você sabe como começa e não sabe como termina”, disse Paes.
Procurada, a Americanas informou que “segue operando normalmente, dentro das regras do processo de recuperação judicial, que tem como objetivos principais a manutenção de empregos, pagamento de impostos e a boa relação com seus fornecedores, credores e investidores de forma geral”. A companhia reforça que “mantém a oferta de produtos e serviços a seus mais de 53 milhões de clientes”.
Banco chinês e a Oi
O China Development Bank acionou a Justiça do Rio de Janeiro para contestar a medida cautelar que protegeu a Oi contra credores, informou a Folhapress. Em sua petição, o banco chinês entende que a primeira recuperação judicial ainda não foi concluída, já que a sentença de encerramento ainda não transitou em julgado. Na visão dos advogados do banco, o pedido de proteção é “ilegal”. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Bradesco também já contestaram na Justiça a medida cautelar favorável à operadora. A Oi também conseguiu proteção contra credores em Nova York. Na semana passada, a Oi saiu em defesa de seu processo de reestruturação. Em nota, a empresa apontou que a tutela antecipada foi legítima. Disse também que cumpriu todas as obrigações da primeira recuperação judicial. A Oi tem uma lista de 14 credores com os quais a dívida chega a R$ 29,75 bilhões. Da quantia total, R$ 3,8 bilhões são associados ao China Development Bank.
Fonte: Valor (24/02/2023)
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