Volta a se fortalecer no mercado a pressão para revisão do sistema previdenciário, um em que o indivíduo se responsabilizaria por uma carteira privada de investimentos para compor sua renda como aposentado
A população brasileira envelheceu em ritmo recorde, segundo os dados do Censo Demográfico 2022 divulgado pelo IBGE. O país está cada ano mais próximo de uma realidade em que a população idosa ultrapassará a de jovens, o que põe em xeque seu modelo de financiamento da Previdência.
Por isso, volta a se fortalecer no mercado a pressão para revisão do sistema previdenciário público, um em que o indivíduo teria uma carteira privada de investimentos, que corresponderia a uma fatia de sua renda como aposentado.
“Há uma tendência de desequilíbrio no sistema de previdência pública, assim, qualquer mudança proposta necessitaria de uma menor dependência dos beneficiários [aposentados] em relação aos contribuintes [trabalhadores ativos]”, disse João Morais, diretor de previdência e investimentos da Mercer Brasil.
Especialistas como Morais entendem que a tendência no Estado brasileiro é que a previdência complementar ganhe relevância para a garantia dessa renda. Quer dizer, o acúmulo de patrimônio individual arcaria com uma fatia dos proventos para a aposentadoria do cidadão, enquanto a outra parte seguiria a cargo do sistema público, como benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O diretor dos cursos de graduação e pós-graduação de direito previdenciário na PUC-SP, Wagner Balera, reconhece que essa já a realidade para muitos. “A previdência pública é, cada vez mais, uma provedora de necessidades básicas, quer dizer, pagadora de um benefício mínimo para o aposentado.”
Esse é o papel do benefício, segundo Balera, para os mais de 68% dos beneficiários do INSS que recebem até um salário mínimo de aposentadoria.
Mas ainda representaria uma guinada para um país que tem, atualmente, apenas 5% da sua população investida em planos de previdência privada aberta, de acordo com a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi).
Há propostas nesse sentido, como a contemplada no modelo que a entidade que representa agentes do mercado de previdência privada sugere para reforma do sistema de pensão no Brasil. A Fenaprevi defende que essa pauta precisa ser discutida novamente em no máximo dez anos, para endereçar questões ignoradas nas últimas mudanças na Previdência.
“Ganhamos tempo com essa reforma [de 2019], mas acreditamos ter sido insuficiente”, defendeu Edson Franco, presidente da entidade.
Investir em previdência privada
Para a especialista em fundos de investimentos e fundadora da casa de análises Indê, Luciana Seabra, mais importante do que começar a acumular o dinheiro para a aposentadoria antes dos 20 anos é aplicar em juros compostos, que trazem mais eficiência aos rendimentos.
Resumidamente, os juros compostos são aqueles cujas taxas incidem sobre o patrimônio acumulado, em vez de recair sobre o montante inicial de investimento. E há uma série de produtos atrelados à renda fixa com juros compostos, caso, por exemplo, dos certificados de depósito bancário (CDB).
“Mas qualquer aplicação de mais de dez anos pode ser usada como fonte previdenciária”, afirmou Luciana. “Os produtos de previdência privada nada mais são que fundos que protegem o investidor de uma ‘mordida maior do leão’ [imposto de renda].”
Considerada a tabela regressiva de tributação do investimento, após dez anos da aplicação em um fundo de previdência privada, a alíquota que incide sobre os ganhos é de 10%. No universo dos investimentos tributáveis, nenhum outro ativo tem um imposto tão baixo.
“Mesmo assim, não acredito em ter um só fundo de previdência”, disse a especialista. Para Luciana, uma “carteira ideal” de previdência privada deriva de uma seleção de, no mínimo: um fundo de renda fixa de crédito privado; um fundo multimercados e um fundo previdenciário de ações.
“Já existem vários produtos previdenciários com investimento mínimo de apenas R$ 500, sem obrigação de aportar todo mês. É possível montar uma carteira maior ou menor, dependendo do tamanho do patrimônio”, afirmou a fundadora da Indê.
O investidor deve estar alerta a grandes fundos de previdência privada, que estão aplicados em renda fixa e têm taxas de administração altas. É um custo alto para um produto sem sofisticação, explicam especialistas.
“Quem paga 2% ao ano ao longo de 20 anos deixará 40% do seu patrimônio para o administrador”, disse a planejadora financeira Marcia Dessen, certificada pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar). “Talvez até mais do que pagaria de imposto de renda em outro produto.”
Definindo um plano
Antes de olhar para o produto que atende um planejamento de longo prazo, é preciso definir o plano da previdência privada.
Os planos são os produtos que os investidores adquirem de fato quando contratam a previdência privada aberta (a que pode ser contratada por qualquer um e é ofertada em bancos e corretoras). Os fundos de previdência são os veículos de investimento dentro dos planos.
Qual é o seu plano ideal de previdência privada?
Plano | Para quem? | Vantagem |
Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) | Indicado para quem tem renda tributável, investe até 12% da renda anual na previdência privada e faz a declaração completa de Imposto de Renda. | Permite diferir (adiar) o pagamento do imposto de renda sobre essa renda até a data do resgate ou conversão do plano em renda. A ideia é pagar menos imposto agora e deixar esse dinheiro aplicado para pagar o tributo mais tarde, retendo os juros. |
Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL) | Indicado para qualquer pessoa, com qualquer tipo de rendimento e que faz a declaração simplificada de Imposto de Renda. | Há apenas a vantagem da classe, de queda da alíquota de IR para 10% após 10 anos da aplicação. |
Fonte: Entrevistas com especialistas
Concorrentes da previdência privada
Pode parecer um jogo ganho para os fundos de previdência. Mas não é. A começar que, como fundos de investimentos, os de previdência "competem" com outras classes do mercado.
Fundos de renda fixa, multimercados e cambiais entregaram rentabilidade maior a seus cotistas que os de previdência entre janeiro de 2020 e setembro deste ano, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Dependendo da diferença, o retorno do investimento em um fundo de mais risco pode compensar a assimetria na tributação, já que os fundos que não são de previdência pagam um imposto de renda que pode chegar ao mínimo de 15% (em aplicações acima de dois anos), contra o mínimo de 10% dos de previdência.
Rentabilidade média no acumulado de jan/20 até set/23* (em %) 20,45
*média aritmética considerados todos os tipos de fundos em cada classe
As classes de fundos cambiais e multimercados, no pódio do ranking de rentabilidade média, abriram margem em relação às outras com seus ganhos em 2020 e 2021. O apetite por renda variável era alto, e a taxa básica de juro girava em 2% ao ano, o que comprimiu retornos na renda fixa, mercado em que os fundos de previdência estão mais concentrados.
Quando o cenário virou, em 2022, com a taxa básica em 13,75% ao ano, as rentabilidades em fundos de previdência e de renda fixa foram impulsionadas.
Classes de fundos de investimentos 8,56
*média aritmética considerados todos os tipos de fundos em cada classe
Mas classes de fundos comportam tipos variados, conforme as regras que seguem para alocação das carteiras. Só na classe de previdência existem 23 tipos de fundos. Por isso, há também uma amplitude considerável de rentabilidade nesses produtos.
Os fundos do tipo previdência renda fixa duração alta crédito livre, que pode ter mais de 20% do patrimônio líquido em títulos de dívida de médio e alto risco nos mercados doméstico ou externo, entregaram, no geral, 14,24% a seus cotistas entre janeiro e setembro deste ano. É a melhor rentabilidade da classe em 2023.
Além de um ambiente favorável à renda fixa, os títulos de dívida privada, que carregam mais risco de calote, estão nas carteiras desse segmento. São papéis que possuem taxas elevadas na comparação com títulos públicos, e cujo patamar subiu com a quebra de companhias importantes, como Americanas e Light neste ano.
Já os fundos de previdência balanceados acima de 49, que investem em diversas classes de ativos mas devem ter acima de 49% da carteira em renda variável, tiveram a pior entrega média do ano na classe. A rentabilidade nesses produtos está 3,2% no acumulado até setembro, refletindo a deterioração do cenário econômico global, que dizimou o apetite a risco.
Fora da indústria de fundos, a concorrência também tem ficado mais acirrada para os produtos de previdência privada. Em fevereiro deste ano, o Tesouro lançou o título RendA+, que, embora não tenha as mesmas vantagens tributárias, possui proposta similar aos planos de previdência privada.
“Assim como nos planos de previdência, o Tesouro RendA+ tem dois períodos: o de acumulação e o de conversão”, explicou Marcia.
Na fase de acumulação, o investidor compra títulos que vencem no ano a partir do qual deseja receber a renda mensal contratada. Na data definida, inicia-se um período de conversão de 20 anos, “em que todo o capital investido nesse período é transformado em 240 parcelas corrigidas pela inflação”, disse a planejadora financeira.
O título, se mantido até o vencimento, é isento de taxa de custódia. Mas, para isso, o valor da renda mensal deve ser de até seis salários mínimos, conforme o valor vigente no momento de recebimento dessa renda.
E à medida que o cenário evolui, mais produtos segmentados para a aposentadoria devem surgir. Mas a questão fundamental, sobre como será a vida das próximas gerações de idosos no país, segue aberta. As únicas certezas são que, até lá, outras reformas as aguardam e que ficará cada vez mais difícil ter uma velhice tranquila sem um pé de meio próprio.
Fonte: Valor Investe (06/11/2023)
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