Muito se tem discutido sobre as possibilidades e limites dos tribunais de contas em face de entes reguladoresO interesse no tema tem a ver com o fato de o Tribunal de Contas da União (TCU) estar ampliando sua atuação, procurando participar em discussões sobre variadas questões da administração e influir de modo efetivo na alteração do comportamento de agentes estatais e na adoção de políticas públicas.[1]
Diante do espelho, o TCU tem afirmado que, no campo da regulação, exerceria apenas um controle “de segunda ordem”, fiscalizando entes reguladores e seu funcionamento, jamais adentrando no próprio “jogo regulatório” (acórdão 1.703/2004). Pesquisas revelam que esse discurso nem sempre encontra eco na realidade. Não me recordo, contudo, de outra decisão, para além da proferida no acórdão 2175/2023, em que o TCU tenha dado ordem expressa para impedir regulador de exercer seu mandato legal.
Muito mais do que interferir no “jogo regulatório”, o TCU, no caso, impediu que ele fosse jogado. Por força da decisão cautelar, provocada por representação proposta por equipe de auditores, o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) foram interditados “de editar norma”.
Tais entes, CNPC e Previc, integram a rede de fiscalização instituída pelas leis complementares 108, de 2001, e 109, de 2001, e pela lei federal 12.154, de 2009 — diplomas que, em conjunto, regulamentam o art. 202 da Constituição Federal.[2]
A lei 12.154, de 2009, que organiza essa rede, dispõe de modo claro e inequívoco o seguinte: 1) ao CNPC compete exercer “a função de órgão regulador do regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar” (art. 13); e 2) à Previc compete “expedir instruções e estabelecer procedimentos para a aplicação das normas relativas à sua área de competência, de acordo com as diretrizes do CNPC” (art. 2º. III).
A competência do CNPC e da Previc para editar norma sobre sistema de previdência complementar é expressa.
Mas como a proposta de resolução cogitada pelo CNPC teria “o potencial de agravar a situação financeira das EFPC (os chamados fundos de pensão)”, estaria justificada a atuação cautelar do tribunal.
Nos termos do voto do relator, a competência do TCU para atuar no caso decorreria justamente “dos efeitos resultantes da alteração normativa, que envolveriam recursos federais e potencial risco ao erário, circunstância que estaria perfeitamente contida no que dispõem os artigos 70 e 71 da Constituição”.
Detalhe: fundos de pensão, mesmo os que são patrocinados por entidades estatais, são constituídos a partir de figuras jurídicas do mundo privado, não fazem parte da administração e não gerem recursos públicos (seus recursos só se destinam ao pagamento de benefícios previdenciários a segurados).
O debate sobre a competência do TCU para fiscalizar diretamente fundos de pensão foi abordado por esta coluna aqui e aqui. O tribunal parece determinado a avançar no campo da previdência complementar. Agora, também no plano da regulação setorial.
Fonte: Jornal de Floripa (02/11/2023)
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