sábado, 1 de fevereiro de 2025

Planos de Saúde: Em audiência pública, operadoras se mostram contrárias a todas as propostas da ANS para política de preços e reajustes



Propostas da ANS sobre novo modelo de reajuste de planos coletivos, pool de risco e revisão técnicas de planos individuais dividem opiniões.

As audiências públicas da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) sobre a política de preços e reajuste de planos de saúde ocorreram em 28 e 29 de janeiro e reuniram operadoras, beneficiários, entidades de defesa do consumidor e atuários para discutir as propostas e seus impactos. O debate tratou das minutas apresentadas, que trazem mudanças estruturais e envolvem temas como obrigatoriedade de venda online, alteração no reajuste de planos coletivos, ampliação do pool de risco, regras de coparticipação e franquia e revisão técnica de planos individuais e familiares. De forma geral, as operadoras se mostraram contrárias a todas as propostas.

Dadas as divergências, o pedido para que a ANS estenda o prazo da consulta pública, que se encerra em 3 de fevereiro, foi reforçado por todos os setores, assim como a necessidade de mais diálogo e estudos sobre as propostas. O Ministério Público Federal (MPF) também enviou um ofício solicitando que a agência amplie o prazo para discussões no âmbito da consulta pública. 

“Sabemos todos que os temas são antigos, mas as soluções nem todas são. Tem soluções pensadas agora, estabelecidas com o raciocínio atual do regulador, e precisamos sim de uma discussão mais amadurecida, com mais tempo e dilação, para que possamos construir a solução que melhor adeque, pensando inclusive na tão falada sustentabilidade”, disse o procurador da República Hilton Araújo de Melo.

Por outro lado, o diretor-presidente substituto da ANS, Jorge Aquino, argumentou que a audiência não foi o início do debate. “Nosso debate iniciou em outubro, e tivemos todo este período até janeiro para nos debruçar. Ademais, são temas bastante caros e íntimos ao setor, que já nos envia há muito tempo propostas. Portanto, estamos em uma fase bem madura para enfrentar esses temas.”

Opiniões de operadoras e beneficiários

Mesmo tópicos considerados aprovados pelos planos de saúde tiveram observações sobre a falta de detalhamento nas minutas e brechas no texto que podem provocar confusões ao longo dos anos. Por isso, além das sugestões, foi solicitado mais tempo para maturação das propostas.

As operadoras se mostraram contrárias à proposta de ampliar o agrupamento de planos coletivos, passando de 29 para 1 mil vidas na proposta da ANS, assim como temem o impacto da revisão da coparticipação, que deve estabelecer uma lista de procedimentos isentos de cobrança aos beneficiários. Também demonstram insatisfação com as regras para a revisão técnica de planos individuais e familiares, além de serem contra a proposta de obrigatoriedade de venda online.

Do lado dos beneficiários, entidades de defesa do consumidor explicitaram também insatisfação com a revisão técnica de planos individuais e familiares, que prevê um reajuste maior que o autorizado pela ANS para operadoras que demonstrarem desequilíbrio econômico-financeiro não só nas carteiras deficitárias, mas na operadora em geral. 

Agora, a ANS pretende avaliar as contribuições feitas pela sociedade através da consulta pública e das audiências públicas, para posteriormente publicar resoluções normativas sobre os temas. Alguns tópicos, porém, devem permanecer ao longo de 2025 em discussão, dada a complexidade do tema e a insatisfação geral sobre os prazos.

“Estamos falando de medidas que possam ampliar a concorrência no setor, facilitar o acesso dos consumidores, trazer maior diluição de risco para contratos de pequenos grupos e planos coletivos, trazer maior transparência sobre as metodologias de cálculos e reajustes utilizados pelas operadoras e colaborar para a manutenção da sustentabilidade do setor”, defendeu Alexandre Fioranelli, diretor de Normas e Habilitação dos Produtos da ANS.

Reajuste dos planos coletivos

A proposta da ANS para revisão do reajuste dos planos coletivos é um dos assuntos que tem gerado mais repercussão. Isso porque ele cria novas regras que delimitam as operadoras sobre quais índices podem ser utilizados e a meta mínima de sinistralidade.

“Observamos que os contratos coletivos continuam combinando índices de reajuste financeiro com índice de sinistralidade, em um único reajuste. Percebemos que as cláusulas em contratos não são claras para as pessoas jurídicas contratantes, quem dirá para os beneficiários. Por vezes verificamos cláusulas complexas, de difícil verificação e fiscalização até mesmo pela ANS. Fizemos pesquisas e visitas técnicas, e por vezes as operadoras não conseguem comprovar e justificar o percentual que aplicaram”, argumentou Daniele Rodrigues Campos, gerente econômico-financeira e atuarial de Produtos da ANS.

A meta mínima de sinistralidade foi estabelecida em 75%, não podendo ser acumulada com índices financeiros, como IPCA e IGP-M. Para as operadoras de planos de saúde, existem problemas nas duas propostas, por não considerar a realidade do setor e a forma de atuação das empresas. Atualmente não há meta mínima de sinistralidade, sendo definida pelas operadoras em contrato.

“A meta de sinistralidade desconsidera os brasis que temos e a saúde suplementar que construímos, onde temos operadoras de rede própria, com centro de custo dentro da operadora, e tem uma administração gigantesca para garantir isso e entregar eficiência na ponta, diferente de uma operadora que trabalha só com rede credenciada. A meta de sinistralidade nos Estados Unidos só levou ao aumento de custos, porque o operador não tem estímulo algum para gerir a sinistralidade”, argumenta Marcos Novais, diretor executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

As operadoras também pedem que sejam utilizados ambos fatores para reajuste, meta mínima de sinistralidade e índice financeiro. O argumento apresentado aponta que o reajuste por meta de sinistralidade recompõe os impactos ocorridos no ano anterior à renovação do contrato, enquanto o índice financeiro recompõe a inflação. Os planos de saúde temem que não haja nenhum reajuste, caso empresas contratadas consigam controlar a sinistralidade abaixo da meta.

Para a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), a agência não deve estabelecer limite mínimo de sinistralidade, assim como é contra a proposta de não acumular ao índice financeiro. O argumento da entidade é que não deve interferir na relação contratual, assim como as empresas contratantes concordam, segundo a entidade, com o acúmulo de índices.

“Ao fazer isso, a minuta desconsidera o perfil dos contratantes, do tamanho dos contratos, regras de comissionamentos, porte e características das operadoras, mensalidade média, entre outros pontos”, argumenta Cesar Sergio Cardim Junior, superintendente de Regulação da FenaSaúde.

 Cancelamento e agrupamento (pool de risco)

A minuta da ANS também propõe que o cancelamento de planos coletivos só possa ocorrer no aniversário do contrato. Em um cenário onde podem ocorrer rescisões unilaterais desse tipo de contrato, a ideia é trazer mais transparência e evitar que usuários sejam surpreendidos por cancelamentos. No entanto, as operadoras também se mostraram contra a proposta.

Em especial, planos de saúde de autogestão se mostram preocupados com essa e outras propostas da ANS, por não terem fins lucrativos e estarem sob regras diferentes. Por isso, pedem que haja uma atenção da agência para deixar claro a diferenciação nas minutas, que deverão se tornar resoluções normativas.

“Temos de deixar muito claro o tratamento diferenciado que deve ser dado às autogestões, com referência à cancelamento, reajuste e até a própria questão do agrupamento. Perseguimos o mutualismo, queremos oxigenação das nossas carteiras, mas sabemos que essas questões têm algumas especificidades quando, na verdade, temos grupos e riscos heterogêneos”, defende o advogado José Luiz Toro da Silva, que representou a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS) na audiência pública.

A proposta de ampliar o agrupamento do chamado pool de risco, de 29 para 1 mil vidas, também gerou insatisfação no setor. Hoje, os contratos com até 29 vidas são reunidos em um grupo único e tira-se a média de sinistralidade desse pool para o cálculo de reajuste. Pela proposta, as operadoras alegam que isso reduziria a liberdade das operadoras, uma vez que esse grupo tem um reajuste único e não haveria negociação direto com as empresas.

“É muito diferente uma empresa com 25 vidas de uma empresa de 800 vidas. É bastante heterogêneo para agrupar esses grupos tão diferentes. Teria uma grande dificuldade operacional, teríamos a impossibilidade de aplicar reajustes diferenciados, porque teremos percentuais de sinistralidade diferentes”, explica Cesar Sergio Cardim Junior, superintendente de Regulação da FenaSaúde.

Em contrapartida, entidades de defesa do consumidor consideram a proposta de agrupamento um passo importante da ANS em tentar controlar mais o reajuste, alegando que pessoas jurídicas em contratos com poucas vidas têm menor poder de barganha frente às operadoras. Também apontam que haverá maior diluição do risco e reajustes mais equilibrados. Contudo, avaliam que a proposta sobre cancelamentos de planos coletivos ainda não protege os contratos.

“Em relação à rescisão unilateral, as regras propostas ainda são insuficientes, o ideal seria que respeitassem as mesmas regras estabelecidas aos contratos individuais e familiares, de acordo com as premissas do código de defesa do consumidor”, defende Maria Stella Gregori, ex-diretora da ANS e diretora do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

Revisão técnica de planos individuais e familiares

Sendo um dos poucos temas considerados positivos pelas operadoras, a revisão técnica de planos individuais e familiares era uma das propostas mais aguardadas. A proposta inclui a possibilidade de um reajuste excepcional. Dentre as regras para poder aplicar, a operadora deve estar comercializando planos individuais, em desequilíbrio econômico-financeiro da carteira individual e familiar, assim como na operadora como um todo. O reajuste excepcional deve ter um limite anual estabelecido pela ANS e irá ocorrer junto ao reajuste anual. Posteriormente a autorização do reajuste, a operadora deverá seguir vendendo planos individuais, inclusive por meio virtual.

Daniele Rodrigues Campos, da ANS, explicou que a ideia da agência é que a revisão tenha caráter de fato excepcional e o tema deve seguir em debate ao longo de 2025: “Não é uma revisão que será concedida todo ano ou a qualquer momento. Tem caráter de excepcionalidade e é destinada a determinada operadora de planos de saúde que esteja em desequilíbrio econômico-financeiro, em uma situação que ameace a continuidade dos serviços aos beneficiários.”

No entanto, as regras estabelecidas e a falta de informações complementares desagradaram o setor, que cobra mudanças. “Uma operadora ter que solicitar uma revisão técnica quando está ameaçada de ser insolvente não é razoável. Deveria se concentrar estritamente a carteira individual e familiar, e não que esse desequilíbrio chegasse à operadora. Como esses produtos sabidamente deficitários, inclusive de conhecimento da própria ANS, são sustentados pelas operadoras? É o que chamamos de subsídio cruzado. O que de alguma forma sustenta é a existência dos contratos coletivos, é irregular”, afirma Cesar Sergio Cardim Junior, superintendente de Regulação da FenaSaúde.

As operadoras também mostraram insatisfação com a vigência prevista da norma, que deverá valer apenas a partir de 2026, assim como o tamanho da minuta, que conta com apenas oito artigos. O representante da FenaSaúde também apontou que se vender planos individuais for um dos critérios, nenhuma associada da entidade preenche o requisito para solicitar a revisão técnica.

Para entidades de defesa do consumidor, a proposta de revisão técnica irá aumentar a judicialização contra os planos de saúde, por prever um novo reajuste, acima do autorizado pela ANS, aos planos individuais e familiares. 

tamos falando de um setor regulado que é amplamente reconhecido por reajustes  excessivos, abusivos e mal justificados, geradores de um enorme volume de judicialização. E quando isso chega na justiça geralmente é revertido por uma fundamentação jurídica que compreende todos esses elementos”, argumenta o coordenador do Programa de Saúde do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Lucas Andrietta.

Coparticipação e venda online

A coparticipação e franquia é outro dos temas que a ANS mais tem interesse em ter uma normativa. Isto porque o texto que regulou o tema, em 2018, foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, voltou a vigorar uma resolução de 1998, elaborada no âmbito do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), antes da criação da agência.

“O número de planos com coparticipação ou franquia já superou, desde 2019, o número de planos sem nenhum tipo de fator moderador. Mais de 60% dos beneficiários de assistência médica-hospitalar se encontram em planos com coparticipação ou franquia, o que trás para o órgão regulador a responsabilidade de diminuir lacunas regulatórias e enfrentar o tema, explicou Daniele Rodrigues Campos, gerente econômico-financeira e atuarial de Produtos da ANS.

O texto estabelece um limite de 30% de coparticipação no custeio de procedimentos e 30% da mensalidade, assim como limita os gastos à 3,6 vezes o valor da mensalidade. Atualmente não há um índice estabelecido. No entanto, o novo texto prevê uma lista de procedimentos que serão isentos, considerados não eletivos e de necessidade do paciente.

“Embora a ANS esteja trazendo realmente uma discussão sobre limites de exposição financeira com a intenção de proteger o consumidor, isso pode gerar, no momento que fecha valores e define uma lista de isenção específica, um resultado inverso do pretendido pela ANS, diminuindo ou retirando do mercado essa alternativa de produto”, defende Cesar Sergio Cardim Junior, superintendente de Regulação da FenaSaúde.

Na avaliação da entidade, o preço de venda dos planos com coparticipação será maior para compensar as novas regras. Com isso, o valor pode se equiparar ao dos planos médico-hospitalares sem mecanismos financeiros de regulação, tornando o produto não atrativo ao mercado.

Do lado dos consumidores, o tema também divide opiniões. Enquanto o Brasilcon é favorável às regras de mecanismos financeiros de regulação, o Idec se mostra contrário à proposta, alegando que pode significar uma barreira de acesso a procedimentos necessários à saúde dos beneficiários.

“Avaliamos que existem contradições entre as análises do corpo técnico e a proposta normativa submetida à contribuição. Não há demonstração expressa na avaliação do Instituto de que a regulamentação gere efeito de moderação de uso dos serviços de saúde, como é o objetivo da norma. Ao contrário”, defende Marina Paulelli, advogada do programa de Saúde do Idec.

A ANS argumenta que a obrigatoriedade de venda online pode coibir a seleção de risco no setor. Contudo, operadoras defendem que existem planos de saúde sem capacidade financeira e operacional para construir tais ferramentas. Ainda, apontam que pode aumentar o risco de fraudes.  

“Não vou entrar na questão legal, mas é uma boa prática obrigarmos a venda por um meio, seja online ou qualquer outro? Será que tem um benchmarking de outra agência regulatória que obrigue a venda por um meio? O caminho é esse? Discordamos da proposta de venda online obrigatória, claro, mas precisamos discutir mais [o tema] em alguns grupos”, afirma Marco Novais, da Abramge.

Fonte: Rafael Machado e Futuro da Saúde (29/01/2025)


Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".