De novo… a Oi.
Poucas empresas nesses quase 25 anos de privatização do Sistema Telebrás tiveram tantas crises e problemas quanto a operadora. A empresa foi criada em 1998, ainda como Telemar, depois que as circunstâncias do leilão de privatização fizeram com que a empresa caísse em um consórcio de empresas consideradas aventureiras pelo próprio ministro das Comunicações da época, Sérgio Motta (que apelidou o grupo de Telegangue). Começava ali uma história de inúmeros episódios de abusos e disputas societárias.
A Oi foi também, na sua origem, uma empresa extremamente dependente da ajuda governamental por meio de investimentos do BNDES e fundos de pensão públicos. O quadro piorou ainda mais quando, em 2008, o então governo Lula alterou o decreto do Plano Geral de Outorgas para permitir a fusão com a Brasil Telecom, dando origem à Oi na dimensão geográfica de hoje. A Brasil Telecom era outra empresa "abusada" pelos acionistas, para dizer o mínimo, também às custas de recursos de fundos de pensão. Separadas, Telemar e Brasil Telecom já tinham toneladas de multas e processos administrativos acumulados na Anatel, obrigações regulatórias pesadíssimas e dívidas financeiras. Somadas na fusão que criou a Oi, esses problemas se intensificaram. E depois da desastrosa fusão com a Portugal Telecom em 2012, estava formada a bola de neve da primeira recuperação judicial da Oi, em 2016.
De lá para cá os acionistas da Oi mudaram completamente. Protagonistas da primeira década de existência da empresa, alguns tiveram, inclusive, executivos presos em escândalos de corrupção, no Brasil e no exterior, como Opportunity, Andrade Gutierrez e Portugal Telecom. Outros, curiosamente, ressurgem em meio a um dos maiores escândalos de fraude contábil do Brasil com as Lojas Americanas: é o caso do trio G3 Capital (Telles, Lemann e Sicupira, sócios da Telemar no passado pela GP).
Fato é que a partir de 2016, como consequência dos anos de abuso, a Oi iniciou uma recuperação judicial de mais de seis anos, a maior do Brasil em valores e tempo e encerrado apenas em dezembro passado. Para sair da recuperação, vendeu praticamente todos os ativos mais relevantes, como a operação móvel e o controle da rede de fibra. Mas esta semana deixou claro que se encontra, de novo, à beira de um novo processo de recuperação judicial.
Passado e presente
Tudo isso para dizer que a única coisa que une a Oi de 25 anos atrás com a Oi de hoje é a sua concessão de telefonia fixa (STFC). E talvez seja esse um dos maiores problemas da empresa (descontado, obviamente, o passado de abusos societários recorrentes e a crise legada). A concessão, que era o grande objeto de cobiça dos investidores na privatização da Telebrás há um quarto de século, e que por muitos anos foi uma rentável vaca leiteira com a receita recorrente de uma assinatura básica garantida por Lei, é hoje um fardo para a sobrevivência da empresa, porque custa muito, traz poucas receitas, tem um enorme peso regulatório e afasta o interesse de novos investidores.
Com poucos ativos disponíveis para se desfazer, porque a maior parte já foi queimada na primeira recuperação judicial, uma provável segunda temporada da recuperação da Oi terá dois focos possíveis: um alongamento de prazos e corte de quantias devidas por parte dos credores, e a busca por uma opção de capitalização. Não é de hoje que a Oi busca um sócio. Mas ninguém quer se tornar concessionário de STFC, com tantas obrigações e com as incertezas regulatórias, como a questão dos bens reversíveis, os saldos devidos, os milhares de processos judiciais, alguns de mais de duas décadas, uma rede obsoleta, um serviço em vias de ser completamente substituído…
Acabar com a concessão é relativamente simples no papel: há quem analise que, por ser vinculada a um serviço prestado em regime público, bastaria um decreto presidencial desclassificando o STFC desta modalidade de serviços. Um decreto só depende da vontade do presidente da República, da mesma forma como foi feito em 2008, com a mudança do PGO para permitir a fusão com a Brasil Telecom. Mas fazer isso, mesmo que juridicamente possível, tem um imenso ônus político que o governo precisaria assumir.
Sobretudo porque se criou a expectativa que haveria ganhos diretos para a sociedade com a migração da concessão para o regime privado, de autorização, quando se discutiu e aprovou a Lei 13.879/2019, com o Novo Modelo de Telecomunicações. Essa migração resultaria em investimentos em banda larga, expansão de infraestrutura… Coisas que, obviamente, não acontecerão com a Oi em Recuperação Judicial. Caberá ao governo decidir qual ônus é maior: o de virar a página com o fim do enquadramento da STFC no regime público ou o ônus de assumir a obrigação de prestar o serviço caso a Oi não consiga mais fazê-lo. Lembrando que o que for feito para a Oi precisaria, em tese, ser feito em benefício da Telefônica, Algar, Sercomtel e Claro, que também são concessionárias com as mesmas responsabilidades.
Além disso, mesmo que se acabe em uma canetada com a prestação de STFC em regime público, existem contratos de concessão vigente, que precisariam de um destino, e eventualmente haveria judicialização por conta de alegadas indenizações pelos bens reversíveis, condições de obrigações não cumpridas etc. Não é simples, mas já aconteceu: a primeira modalidade do serviço móvel no Brasil, o SMC (Serviço Móvel Celular), era prestado como concessão, e foi convertido para autorização com a criação do SMP (Serviço Móvel Pessoal).
Solução traumática
Outro caminho para a Oi, traumático para os credores e fornecedores da empresa, seria uma falência controlada, com a continuidade de suas atividades. Mais ou menos como aconteceu com a Eletronet. É uma solução traumática, mas que evita maiores problemas regulatórios e preserva a operação. O problema é que entre os credores que deixariam de receber estão, justamente, o governo e os bancos públicos.
Mas é inegável que, na situação econômica da Oi hoje, a falência seria inevitável se a operadora não tivesse conseguido levantar a primeira recuperação judicial justamente há 45 dias. Agora, a empresa ainda tem a chance de uma nova recuperação intermediada pela Justiça para tentar ajustar sua vida com os credores.
Ainda existe a possibilidade de um acordo de migração das concessões de telefonia fixa para autorizações, mas de maneira casada com os processos de arbitragem da operadora junto à Anatel, de forma eu o saldo de um lado, se houver, seja abatido do débito de outro, se reconhecido. A Oi, por exemplo, colocou como valor de referência à arbitragem R$ 16 bilhões, e muito provavelmente esse valor, após as perícias e apresentação de documentos, deve ser majorado. De outro lado, a Anatel manifestou o entendimento, ainda pendente de análise do TCU, de que migração da concessão para autorizações pela Oi deveria ser precificada em R$ 12 bilhões. É essa a dimensão de valores na mesa.
Ao sair da concessão para a autorização, a Oi abre caminho para um novo investidor. Mas não é algo imediato e depende de um entendimento entre Anatel, Tribunal de Contas da União, AGU (que defende a Anatel na arbitragem) e os demais atores do mercado, já que uma solução desse tipo também teria que ser isonômica a todos os concessionários.
O fato é que o peso de um passado de 25 anos ainda pesa muito sobre a Oi. A materialização desse passado é a concessão de telefonia fixa. Depois de perder a chance de resolver o problema em seus dois primeiros mandatos como presidente, ironicamente, o desarme da bomba ficou para o terceiro governo Lula.
Fonte: TeleTime (03/02/2023)
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