Alecta, que administra um portfólio com US$ 116 bilhões em ativos, é uma das vítimas mais surpreendentes da crise que começou com colapso do SVB
Um fundo de pensão sueco responsável por gerenciar as aposentadoria de um quarto da população do próspero e rico país europeu é uma das vítimas mais surpreendentes da recente crise bancária nos Estados Unidos.
Por vários anos, a carteira de ativos que somam 1,2 trilhões de coroas suecas (cerca de US$ 116 bilhões) da Alecta incluiu ações do Signature Bank (SBNY), do First Republic Bank (FRC) e do SVB Financial Group, a holding do Silicon Valley Bank (SVB), juntamente com as de grandes empresas suecas.
Mas a perda de quase US$ 2 bilhões da Alecta em suas participações nos EUA, equivalente a cerca de 2% do total de ativos do fundo, pareceu a muitos um erro grave.
O escândalo já provocou a saída do CEO, iniciou uma investigação pelos reguladores e provavelmente forçará o fundo a reduzir seus ativos nos EUA, onde possui participações em empresas como Microsoft (MSFT) e a controladora do Google, a Alphabet (GOOG). Na quinta-feira (20), os executivos do fundo de pensão pediram desculpas pela situação.
“Os investimentos em bancos americanos foram um fracasso”, disse a CEO interina Katarina Thorslund. “Não deveríamos ter acabado naquele lugar.”
Embora a escala limitada da perda a torne mais embaraçosa do que existencial, muitos estão se perguntando como o fundo de pensão acabou nessa posição. A resposta está no início dos anos 2010, quando a liderança da Alecta, incomodada com as taxas ultra baixas após a crise financeira de 2008, decidiu começar a aumentar a alocação em ações dos EUA.
A Alecta sempre contou com o acompanhamento de índices, que garantem retornos estáveis, mas também limitam grandes ganhos. Por volta de 2000, começou a adotar uma abordagem mais ativa, contratando uma equipe interna para selecionar manualmente as ações.
Em 2012, como o ex-chefe de investimentos Per Frennberg relatou em seu livro sobre a Alecta, o fundo havia passado por vários anos tumultuosos durante a crise da dívida europeia e viu seus retornos flutuarem consideravelmente mais do que os de seus concorrentes com investimentos mais amplos em outros mercados.
Naquele mês de novembro, o conselho se reuniu para revisar a estratégia de investimento do fundo de pensão. Uma das conclusões, escreveu Frennberg, foi que, para maximizar os lucros, “o risco deve ser usado”. A Alecta também decidiu reconstruir sua carteira de ações dos EUA. Frennberg se recusou a comentar sobre os investimentos do fundo em bancos dos EUA para esta reportagem.
Muitos ovos na mesma cesta
Dentro de dois anos, um quinto da carteira de ações de US$ 44 bilhões da Alecta estava em empresas americanas, uma grande diferença em relação a zero em 2012. A carteira também continuou a ficar mais reduzida em ativos. Em contraste com os concorrentes AMF e Folksam, que possuem posições em cerca de 500 empresas, a Alecta concentrou suas participações em cerca de 100 empresas. No final de 2022, apenas 30 ações representavam três quartos de sua exposição patrimonial.
Em 2016, a Alecta abriu uma posição no Signature Bank, um banco regional que depois mudou sua atuação para criptomoedas. Em 2019, dois anos depois que Frennberg saiu, o fundo de pensão adicionou ações da SVB, banco amigável a startups, e do First Republic, que se especializa em ser uma banca privada para clientes ricos. No final de 2022, era o quinto maior proprietário do SVB e do First Republic e o sexto maior detentor do Signature, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
Ao continuar apostando em investimentos de alto risco, os líderes da Alecta estavam apostando na força de longo prazo dos bancos, mesmo enquanto taxas de juros mais altas estavam erodindo o valor de seus ativos.
A Alecta aumentou suas posições no SVB e no First Republic no ano passado, à medida que as ações estavam ficando progressivamente mais baratas. O SVB perdeu dois terços de seu valor em 2022, enquanto as ações do First Republic caíram mais de 40%.
Um benefício da concentração, que surgiu de uma abordagem de gestão ativa, foi que o fundo evitou “intermediários caros”, segundo a Alecta. Isso também permitiu que ela excluísse os piores desempenhos, de acordo com Frennberg.
O problema, como reconheceu a presidente do conselho da Alecta, Ingrid Bonde, em entrevista à Bloomberg News neste mês, é que pode haver “grandes consequências se houver uma decisão incorreta - e foi isso o que aconteceu”.
Tudo desmoronou em março passado, quando o SVB sucumbiu a uma corrida bancária, tornando-se o maior banco comercial (exclui, portanto, o Lehman Brothers) dos EUA a quebrar desde 2008.
Realizando as perdas
Em questão de dias, o Signature Bank foi fechado pelos reguladores, e o First Republic parecia estar seguindo o mesmo caminho, com suas ações caindo 75% até 15 de março em relação aos níveis do final do ano. A Alecta perdeu todo o valor de suas participações nas duas primeiras empresas, e posteriormente vendeu com prejuízo suas ações do First Republic, que ainda está em operação.
Na Suécia, a situação parecia ainda pior, já que a Alecta havia recentemente se retirado das participações em dois bancos locais, o Svenska Handelsbanken AB e o Swedbank AB.
Três dias após as notícias sobre os investimentos perdidos da Alecta, o fundo de pensão foi convocado pela autoridade reguladora financeira da Suécia para um interrogatório.
Dentro da empresa, as consequências foram rápidas. Foi iniciada uma investigação interna e a chefe de ações, Liselott Ledin, foi colocada em licença. Em 11 de abril, o CEO, Magnus Billing, foi demitido.
Billing havia liderado o fundo por quase sete anos, e Ledin era uma veterana de 28 anos na Alecta. Ledin e Billing não estavam disponíveis para comentar sobre o caso por meio do escritório de imprensa da Alecta, e a Bloomberg News não conseguiu contatá-los diretamente.
De acordo com o Dagens Industri, o maior jornal diário de negócios do país, Bonde, presidente do fundo desde 2019, procurou responsabilizar Billing e Ledin pelas perdas nos bancos dos EUA - apesar de ter supervisionado o aumento das posições do fundo como chefe do comitê financeiro do conselho. Em entrevista ao jornal em 5 de abril, Bonde caracterizou os investimentos nos EUA como “extraordinariamente ineptos”.
Falando à Bloomberg News, Ingrid Bonde disse que havia oferecido sua renúncia, mas que foi rejeitada tanto pelo conselho de administração quanto pelo de supervisão. “Então eu senti que era um voto de confiança e uma responsabilidade que eu tinha que assumir, e por isso aceitei”, disse ela.
O conselho de supervisão da Alecta se reuniu em Estocolmo na quinta-feira para sua reunião anual regular, em que elegeu Bonde para um novo mandato como presidente do conselho até a próxima reunião de supervisão em 2024. Também substituiu dois membros do conselho atual e manteve outros oito em suas posições atuais, essencialmente mantendo o status quo.
Fundo tem gerado retorno
Talvez o aspecto mais contraditório do papel da Alecta na crise bancária dos Estados Unidos seja que, embora algumas de suas apostas tenham falhado, a estratégia geral teve sucesso.
Desde 2007, o retorno anualizado de 6,9% da Alecta significou que o fundo consistentemente superou seus pares, de acordo com uma comparação feita pela Collectum, que decidiu estender o contrato da Alecta como provedor de pensões padrão para 2,2 milhões de pessoas depois que o escândalo estourou.
Os retornos de capital no primeiro trimestre de 2023 foram de US$ 2,8 bilhões, ou 5,6%, e não há sinais de que o fundo esteja perdendo clientes, apesar das perdas nos bancos dos EUA.
“A Alecta teve um modelo de sucesso por muito tempo, que se baseia em participações concentradas”, disse Bonde. “Até 2022, tivemos os melhores retornos em toda a indústria nos últimos cinco a dez anos.”
Hans Sterte, ex-diretor de investimentos da Alecta que deixou a empresa no ano passado, reiterou esse ponto em entrevista em seu novo escritório na consultoria de pequeno porte House of Reach, com sede em Estocolmo. O fundo “fez bons investimentos”, afirmou, caracterizando a estratégia como tendo “risco muito menor no mesmo retorno esperado de antes”.
Em uma declaração feita na reunião do conselho de supervisão, o advogado-geral da Alecta, William McKechnie, disse que uma investigação interna concluiu que a decisão de investir nos bancos dos EUA estava “dentro dos limites e mandatos delegados fornecidos pelo conselho”.
Revisão estratégica da gestão
Em resposta às consequências, a Alecta anunciou uma revisão estratégica de sua gestão de carteira de ações, que será concluída até este verão no Hemisfério Norte. O fundo provavelmente terá que escolher entre manter sua estratégia de apostar forte em uma pequena seleção de ações lucrativas dos EUA ou recuar para uma abordagem mais conservadora que carrega menos risco de má publicidade.
Já existem indicações de que direção o fundo pode tomar. No início de abril, o fundo sugeriu planos para reduzir sua presença nos EUA, dizendo que diminuirá o risco relacionado a grandes participações em empresas distantes de seu mercado doméstico, incluindo suas ações na economia americana. Esse trabalho agora está em andamento, disse o porta-voz Jacob Lapidus por telefone.
Mais investimentos alternativos
Ao mesmo tempo, a Alecta expandiu seus investimentos alternativos em áreas como imóveis, infraestrutura e private equity para impulsionar retornos. No meio de 2021, o fundo tinha 12% de seus ativos em categorias alternativas. No final do ano passado, essa participação subiu para quase 22%.
A maior participação em ativos alternativos da Alecta é em imóveis: está entre os maiores acionistas do grupo residencial Heimstaden Bostad AB - uma posição sobre a qual o regulador financeiro da Suécia já fez perguntas. Embora os oficiais não tenham divulgado o foco de sua investigação, os valores imobiliários na maior economia nórdica estão atualmente experimentando uma queda acentuada.
Os 2,6 milhões de clientes cujas economias de aposentadoria estão vinculadas à Alecta estarão atentos para ver se esse impulso renovado para diversificar desencadeia mais perdas nos próximos anos.
“O dinheiro que a Alecta administra é dinheiro de pensão”, disse Joel Stade, um consultor para o grupo de defesa Organização Nacional de Pensionistas da Suécia, em entrevista. “São os salários das pessoas.”
Fonte: Bloomberg (22/04/2023)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".