O surgimento de inovações disruptivas costuma trazer à tona questões relacionadas à moral e à ética, como tem acontecido em nossa época, caracterizada por incríveis avanços proporcionados pela inteligência artificial (IA) e pela tecnologia da informação (TI).
É o que acontece com o ChatGPT, assunto que tem dominado os meios de comunicação, principalmente nos veículos e colunas que tratam de tecnologia. O ChatGPT é uma ferramenta de inteligência artificial especializada em diálogos que vai muito além de uma espécie de Google que, em vez de oferecer links nos quais se pode encontrar a resposta buscada, concebe um texto com a solução pronta. Trata-se, portanto, da primeira inteligência artificial adaptativa e evolutiva que pode ser instruída e tem capacidade de aprender.
Como qualquer inovação dessa natureza, o ChatGPT pode ser utilizado de diversas maneiras, algumas boas, outras nem tanto... Minha preocupação, como professor aposentado que dedicou mais de 35 anos à docência, diz respeito a possíveis conflitos entre a tecnologia e a ética em razão do uso que os estudantes poderão fazer da referida ferramenta e da maior ou menor conivência dos professores.
Nesses anos em que atuei como professor universitário, sempre me preocupei com questões relacionadas à ética e à moralidade e, nesse aspecto, lugar especial cabia à lisura na realização de provas e trabalhos por parte dos estudantes. Meu raciocínio seguia uma lógica: colar ou plagiar é uma forma de corrupção que está ao alcance do estudante; se não for coibida, poderá passar a ser considerada uma prática normal a ser adotada em outras situações.
Recordo-me de uma vez em que um aluno, que foi punido por esse motivo, me disse: "Professor, não sei porque tanta preocupação. Afinal, ao colar eu só estou enganando a mim mesmo e - acrescentou com um sorrisinho maroto - ao senhor".
Argumentei com ele que meu sonho era ver um Brasil cada vez melhor, no qual a meritocracia seria a regra e, nessa linha, o bom desempenho acadêmico seria fator decisivo para o passo seguinte na carreira de qualquer pessoa, com as notas sendo adotadas como fator de entrada nos cursos superiores ou para contratação pelas empresas. Se isso vier a ocorrer - e já ocorre de certa forma com o aproveitamento das notas do Enem para ingresso nas faculdades -, o aparentemente pequeno ato de corrupção não enganaria só ao aluno e seu professor, mas a toda a sociedade, uma vez que o recurso ilícito seria a porta de entrada para a universidade ou para a carreira profissional.
Quando me aposentei, em 2017, o controle de eventuais fraudes já era bem mais complicado, dadas as facilidades oferecidas pelos sites de busca que permitiam que os alunos recorressem ao "copiar e colar" para a elaboração de seus trabalhos.
É claro que bons professores estão aptos a evitar fraudes, propondo trabalhos que exijam criatividade dos estudantes e não a mera reprodução de conceitos ou fórmulas prontas ou mesmo fazendo questionamentos adicionais para aferir o real conhecimento dos estudantes quando houver dúvidas a respeito da autoria da tarefa. Tal atitude será ainda mais necessária de agora em diante, pois o uso do ChatGPT estará à disposição de estudantes ou profissionais dispostos a não pensar duas vezes diante da possibilidade de fazer uso da fraude e de outros métodos ilícitos como atalho para a obtenção de seus anseios acadêmicos ou profissionais.
Todas essas reflexões me levaram a resgatar um artigo escrito em 1985 para a Agência Planalto, publicado em diversos jornais da pequena e média imprensa, entre os quais o Jornal de Jundiaí (18 de junho de 1985, p. 4). Intitulado "quem não cola, não sai da escola", começava da seguinte forma:
Poucas vezes se consegue, acidentalmente, demonstrar um fenômeno de forma tão significativa como consegue um anúncio que tem sido veiculado por nossas redes de televisão nos dias atuais: trata-se do problema da "cola", presente no filme publicitário de uma determinada marca de bolsas, sandálias e sapatos de plástico. Na referida peça publicitária, uma bonita menina de não mais de dez anos é surpreendida pela professora por duas vezes quando, durante uma prova escolar, tenta se utilizar de "cola", ora colocada na bolsa, ora na sola do sapato.
Nada contra o anúncio, que, aliás, foi muito bem produzido e fez enorme sucesso. Apenas gostaria de chamar atenção para o fato de que, tanto naquela época como nos dias de hoje, muita gente acredita que coisas desse tipo não têm maior importância, dada a existência de casos de corrupção muito mais graves.
Discordo plenamente dessa forma de pensar, por ver nela um estímulo à impunidade. E torço para que professores e profissionais continuem se empenhando pela preservação de boas condutas, a fim de que o mérito e não a fraude torne-se a regra no País.
Fonte: Blog do Fausto Macedo e Estadão (19/04/2023)
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