quarta-feira, 19 de abril de 2023

TIC: Ainda usa telefone fixo? Problemas estruturais deixam linhas mudas e afligem quem precisa dele

 


Com aumento de roubo de cabos, operadoras tentam substituir tecnologia. Número de usuários cai e desestimula os investimentos na infraestrutura, mas linhas ainda são importantes para negócios.

Telefonia fixa cai em desuso no país e usuários sofrem com precarização dos serviços.

O aposentado carioca Pedro dos Santos, de 60 anos, tem um celular, assim como 96,3% das famílias brasileiras. Na maior parte do tempo, ele usa o aparelho em casa para se relacionar nas redes sociais e trocar mensagens com amigos e parentes, tudo pela banda larga que contratou num pacote de serviços para a casa. Quando precisa fazer ligações, no entanto, ele prefere o aparelho fixo. O problema é que com frequência a linha fica muda:

— Nem sempre tenho crédito no celular, então, como já pago o combo, uso o fixo para ligações. Só que vira e mexe o telefone fica mudo — queixa-se Santos.

O aposentado tem uma das 26,6 milhões de linhas fixas ativas no país, uma tecnologia que, apesar de consolidada, apresenta falhas frequentes no funcionamento. O número de usuários de telefones fixos caiu 38,7% nos últimos dez anos, mas a tendência de queda é verificada apenas entre pessoas físicas. Nas empresas, porém, o número se mantém estável.

Para o pesquisador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Luã Cruz, pode haver um “escanteamento” do serviço por parte das empresas:

— Hoje, a gente sabe que a internet é o grande produto das operadoras. Por isso, parece haver uma certa negligência na rede de telefonia.

O especialista ressalta ainda que a telefonia fixa é o único serviço que funciona em regime público. Ou seja, as operadoras são obrigadas a universalizar o serviço, além de cumprir uma série de exigências legais, o que tem transformado essa operação num fardo para as empresas.

Sete milhões afetados por roubo de cabo

No último ano, a telefonia fixa ficou em segundo lugar na Pesquisa de Satisfação e Qualidade Percebida da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Dos 10 pontos possíveis, o setor ficou com 7,45. O número é levemente superior ao registrado em 2021, quando a nota foi 7,37. Apesar da melhora, a Oi, que detém 28,7% do mercado, piorou: caiu de 7,30 pontos para 7,19.

O resultado não surpreende Carlos Pereira, funcionário de uma assistência técnica no Centro do Rio. Cliente da Oi, ele diz que ficou mais de 20 dias sem o serviço de telefonia. Procurada, a Oi informou que a região foi alvo de sucessivos roubos de cabos, o que dificultou o reparo e impediu a continuidade da prestação do serviço. Apesar de a empresa ter se comprometido a resolver a situação, ele preferiu trocar de prestadora.

— Nosso maior volume de ligações é interno, os clientes chegam mais pela internet. Mas ainda assim, preferimos fazer a portabilidade para resolver o problema — conta Pereira.

O volume de cabos de telecomunicações roubados ou furtados cresceu 14% em 2022 comparado ao ano anterior, afirma a Conexis, associação que reúne as empresas do setor. De acordo com a entidade, foram 4,72 milhões de metros de cabos subtraídos. As ações criminosas, destaca, afetaram sete milhões de clientes.

Para resolver o problema, as operadoras apostam na substituição dos cabos de cobre por outros sistemas, como a tecnologia de fibra óptica ou até a comunicação sem fio. A fibra óptica, aliás, ultrapassou o cabo metálico em 2022 e hoje já representa o maior meio de acesso à rede fixa.

Outro ponto destacado pelo especialista do Idec está no abuso da infraestrutura de telefonia por empresas de telemarketing, que sobrecarregam o sistema. Anatel e Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, têm combatido a prática.

As chamadas indesejadas levaram à família de Caroline Névoa, de 28 anos, a desistir de usar o telefone fixo, apesar de pagar por ele no pacote que tinha da Claro:

— A gente recebia ligações direto falando para dar um upgrade no plano, sendo que nem funcionava direito. Eles começavam a ligar de manhã e só paravam de noite.

Hoje, a família tem a linha fixa ativa por um plano de outra operadora, mas não tem nem aparelho plugado.

Por se tratar de uma ex-cliente, a Claro, que detém a maior fatia da telefonia fixa no país (30,2%), informou que não tem como apurar a situação, mas recomendou a plataforma “Não Me Perturbe”, que cadastra usuários para não receberem ligações de telemarketing indesejadas de empresas de telecom e instituições financeiras.

Importante registrar queixa na Anatel

Após o cadastro na plataforma, em 30 dias as ligações devem cessar. Se isso não acontecer deve-se registrar queixa na Anatel e no Procon. Aliás, em vários estados, há cadastros de bloqueio de telemarketing mantidos pelos Procons locais.

Além de Claro e Oi, a Vivo completa a tríade que controla 84,9% da rede de telefonia fixa do país. Procurada, a operadora disse que se posicionaria pela Conexis.

Em casos de problemas com o telefone fixo, o primeiro passo é registrar queixa na operadora e anotar o protocolo. Caso não seja solucionada a questão, a Anatel orienta que seja feita uma reclamação pelos seus canais de atendimento (telefone 1331 ou pelo portal da agência). Os Procons também podem e devem ser acionados.

Telefonia fixa: de joia a fardos para teles

No anos 1980, ter uma linha do telefone fixo era sinal de status social. Disputada pelos clientes, quem tivesse um número em casa precisava, inclusive, declarar no Imposto de Renda. Mas a velocidade da internet na palma da mão, com a chegada dos celulares, tornou obsoleta toda essa infraestrutura de telefonia fixa já ao longo da década seguinte. E o que era uma fonte de receita se tornou um verdadeiro fardo para as empresas de telecomunicações.

Isso porque os serviços de telefonia fixa são ainda uma concessão do governo. Dessa forma, companhias como Oi (antiga Telemar) e Telefônica, dona da Vivo, precisam fazer investimentos obrigatórios para levar o serviço de telefonia fixa a toda a sua área de atuação, mesmo onde não há demanda. A mesma obrigação vale para a manutenção dos antigos telefones públicos, os orelhõees.

Diante desse cenário, a Oi não resistiu em meio ao volume bilionário de investimentos obrigatórios e multas ao longo das décadas, ajudando a empurrar a companhia para uma recuperação judicial, que se iniciou em 2016. Recentemente a empresa entrou em um segundo processo desse tipo.

Hoje, os ativos de telefonia fixa são alvo ainda de uma arbitragem entre as empresas e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). No centro da disputa estão as discussões de quanto custaria às companhias de telecomunicações migrarem a telefonia fixa do regime de concessão, com tarifas reguladas, para o modelo de autorização, com regras mais flexíveis de investimentos e preços livres.

De um lado, o governo considera que as companhias precisam pagar dezenas de bilhões de reais. Do outro, as teles dizem que deveriam ser ressarcidas pelos investimentos que já fizeram.

Mas a disputa entre o órgão regulador e as operadoras na câmara arbitral internacional (CCI) não deve se resolver antes do próximo ano. Só a Oi argumenta no processo que tem valores superiores a R$ 20 bilhões a receber. O que quer dizer que não haverá perspectivas de novos investimentos e melhora na qualidade do serviço ao consumidor tão cedo.

Fonte: O Globo (16/04/2022)

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