segunda-feira, 10 de abril de 2023

TIC: Regulação de big techs na Austrália foi exemplo que garantiu remuneração a produtores de conteúdo



Dois anos após entrada em vigor de código para plataformas, acordos geraram US$ 200 milhões por ano a grandes e pequenos veículos

Dois anos depois da entrada em vigor do Código de Negociação da Mídia na Austrália — o primeiro no mundo —, que prevê que big techs como Google e Facebook remunerem os produtores dos conteúdos distribuídos em suas plataformas, especialistas afirmam que a diretriz australiana teve impacto positivo para grandes e pequenos veículos do país.

Segundo Rod Sims, ex-presidente da Comissão de Consumo e Concorrência da Austrália, o Google fez acordos com 100% dos veículos de comunicação do país, e a Meta (dona do Facebook e do Google), com 90%. No total, os entendimentos geraram em torno de US$ 200 milhões por ano.

O modelo australiano inspirou uma lei no Canadá, que já foi apresentada pelo governo ao Parlamento e deve ser votada este ano. Outros países, como Índia e Indonésia, estudam normativas parecidas.

Projeto de lei das fake news

No Brasil, as discussões sobre remuneração da mídia foram incorporadas no Projeto de Lei das Fake News, que busca regular a atuação das plataformas para evitar a veiculação de notícias falsas, e que ganhou ímpeto depois dos atos golpistas do dia 8 de janeiro.

Na semana passada, o governo pediu ao deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto na Câmara, um limite na extensão da imunidade parlamentar nas redes e a criação de um código de conduta contra a desinformação.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenta fazer o texto ser aprovado, mas ainda não conseguiu um consenso entre os partidos para pautar o projeto.

Na Austrália, a aprovação do projeto não foi sem polêmica. Como pontuou Anya Schiffrin, diretora de Tecnologia, Mídia e Comunicações da Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Columbia, em artigo recente, “o código foi controverso, pois as plataformas e alguns outros afirmaram que a imprensa de propriedade de Murdoch (Rupert Murdoch, presidente da Fox News) seria a mais beneficiada”.

Mas, segundo Anya, “todos os outros grandes e pequenos veículos obtiveram financiamento”.

Associações locais, como a Country Press Australia, atuaram com veículos menores para que, em negociação conjunta, obtivessem acordos de remuneração significativos.

— Se fizermos um cálculo de quanto cada empresa de mídia ganhou por jornalista, os pequenos ganharam mais. Ainda faltam muitas coisas, a Meta deve fechar mais acordos, mas 90% é melhor do que nada, não? — afirma Sims.

Ele foi um dos participantes do evento “Regulando as Big Techs: lições do mundo afora”, na semana passada na Universidade de Columbia, em Nova York, organizado, entre outros, por Anya.

O código australiano prevê negociações entre empresas de comunicação e plataformas e, em caso de impasse, o governo atuaria como mediador. Mas, até agora, diz Sims, não foi necessário recorrer a uma arbitragem estatal.

Pressão das plataformas

Hoje professor de Políticas Públicas na Universidade Nacional da Austrália, Sims foi um dos nomes mais atuantes na implantação da lei australiana e lembra como foi grande a pressão das plataformas: o Google ameaçou deixar de fornecer buscas na Austrália, e o Facebook não apenas parou de veicular notícias como tirou de suas plataformas todos os conteúdos sobre queimadas justamente na temporada de incêndios florestais no país, além de suspender informações sobre a pandemia.

— Essas são jogadas de alto risco, esperávamos essa forma de ação e ameaças, mas eles foram condenados por grande parte do público australiano e, portanto, não significou muito — aponta o especialista, que já recebeu consultas de países como Reino Unido, Canadá, Indonésia e Índia sobre como adequar as regulações nacionais diante do avanço das grandes plataformas.

Segundo Sims, após um início de reação dura das plataformas, a negociação avançou:

— Seis meses após a criação do código, a maioria dos acordos tinha sido fechada, com duração entre três e cinco anos. Conseguimos tudo o que queríamos.

Mas não foi fácil, como lembra o especialista e como escreveu Anya em seu último artigo sobre o assunto.

O modelo australiano também é visto como eficiente por Richard Dennis, ex-professor de Políticas Públicas da Universidade Nacional da Austrália e diretor executivo do Instituto Austrália.

— Muito dinheiro entrou para o jornalismo, novos empregos foram criados e todos os veículos conseguiram bons acordos. A mídia cresceu e as plataformas deixaram de se queixar — comenta Dennis, que também destaca melhoras para o sistema democrático em seu país: — Uma mídia mais robusta tem mais capacidade de monitorar a política. Uma boa democracia precisa de bons jornalistas, e hoje temos melhores profissionais — enfatiza o especialista.

Modelo de negociação

Na opinião de Marcelo Rech, diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), “o mundo está adotando o modelo da negociação, e o objetivo é estabelecer um equilíbrio de forças entre empresas gigantescas com poder econômico e grupos de comunicação”.

— Na Austrália, todo o ecossistema do jornalismo está sendo beneficiado. O Canadá deve votar uma lei muito parecida. Na Europa existe uma legislação que orienta os 27 países da comunidade e 23 já têm uma legislação sobre direito autoral — explica Rech.

Sims, que ajudou a implantar a lei australiana, concorda:

— Nosso modelo pode ser aplicado em outros países, a Indonésia está caminhando nesse sentido e o Brasil poderia fazer o mesmo. O importante é incluir todos os veículos e garantir que a mídia esteja unida, que todos tenham a mesma posição — afirma o ex-presidente da Comissão de Consumo e Concorrência, que vê com ressalvas, por outro lado, a maneira como o tema é tratado no mercado americano:

— A proteção que as plataformas têm hoje em países como os EUA não é mais apropriada. Todos os países devem fazer algo a respeito, porque a atuação das big techs sem limites permite a disseminação de fake news e, portanto, afeta a democracia — conclui Sims.

Fonte: O Globo (05/04/2023)

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