Quem afirma é o presidente da entidade que reúne importadores de materiais usados em cirurgias, como próteses, stents e válvulas cardíacas
Os desentendimentos entre as empresas da área privada de saúde multiplicam-se na mesma proporção em que avança a crise do setor. A Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde (Abraidi), por exemplo, acabou de concluir um levantamento no qual aponta que, em um ano, as companhias do segmento amargaram rombo estimado em R$ 2,1 bilhões, provocado por hospitais e planos de saúde.
A Abraidi representa 304 fornecedores de itens importados, usados nos mais variados tipos de cirurgias. Trata-se, no jargão, de OPMEs, sigla para órteses, próteses e materiais especiais, como válvulas e stents cardíacos. Há mais, porém. A entidade afirma que os hospitais e os planos estão recorrendo a artifícios para diminuir as dívidas em seus balanços contábeis. Por isso, informa, levará o caso à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). E como tudo isso está acontecendo? É o que expõe, a seguir, Sérgio Rocha, o presidente da Abraidi, em entrevista ao Metrópoles.
A Abraidi tem um levantamento que mostra que hospitais e planos de saúde são responsáveis por um prejuízo de RS 2,1 bilhões entre as empresas do setor.
Como esse rombo se formou?
Existem três tipos de, como dizemos, distorções praticadas que provocaram esse buraco. A maior delas é a retenção do faturamento.
Como ela funciona?
Um paciente faz uma cirurgia e utiliza materiais importados, fornecidos pelas empresas que fazem parte do nosso setor. Os planos e hospitais autorizam o procedimento. Agora, para faturar o que foi usado na operação, é preciso de um documento, uma ordem de compra dos produtos. Aí, começa a retenção. Os hospitais e planos ficam se encolhendo. Podem passar de um a seis meses sem que eu consiga faturar. E existe uma lei que diz que todo material fornecido em um mês tem de ser faturado no mesmo mês. Caso contrário, o Fisco considera sonegação. E mesmo depois de feita a fatura, ainda tenho que esperar até 120 dias para receber.
Essa retenção, como o senhor diz, representa quanto dos R$ 2,1 bilhões?
Ela atingiu a marca de pouco mais de R$ 1 bilhão, com aumento de quase 50% em relação ao ano anterior. É uma quantia insustentável. Enquanto eu não faturo, não posso cobrar. Se o hospital ou plano quebrar, morro na praia. Além do mais, essa retenção é antiética.
Em que aspecto é antiética?
À medida que eu não digo para os meus acionistas que minhas contas a pagar somam mais de R$ 1 bilhão, considerando o valor de todo o nosso setor, estou omitindo esses dados dos balanços das empresas. E nós representamos 20% de todo o fornecimento de OPMEs. Ou seja, esse valor pode ser maior. E é como se essa dívida não existisse. Por isso, vamos denunciar hospitais e planos de saúde que têm ações em bolsa à CVM.
Como isso vai acontecer?
No começo da pandemia, fizemos uma denúncia. A CVM a acatou e pediu provas. Fomos aos associados buscar informações, mas o pessoal ficou com medo de sofrer algum tipo de retaliação. Agora, a água bateu no nariz. Não adianta vender se eu não posso cobrar e receber pelo que eu vendi. Já temos documentos e estamos anexando milhares de páginas ao caso.
A intenção é abrir um processo alegando exatamente o quê?
Que os balanços estão maquiados. Essas empresas não dizem aos acionistas quanto têm exatamente em dívidas.
O senhor falou em três tipos de distorções. Quais são os outros dois?
Outra que tem um grande peso no nosso setor são as glosas (anulações) injustificadas do uso de materiais em cirurgias. Embora a frequência desses casos tenha permanecido a mesma, em um ano, volume de recursos glosados representou aumento de 24,3% e atingiu o valor nominal de R$ 145 milhões.
O que acontece com essas glosas?
Uma cirurgia é realizada e uma determinada quantidade de materiais é utilizada. Aí, depois que eu faturo a venda do material, na hora que vou receber falta uma parte da quantia. Isso acontece quando o emprego de algum material não é autorizado pelo hospital ou pelo plano de saúde. Se isso acontece numa emergência, pode-se discutir o caso. Mas as glosas em cirurgias pré-programadas representam de 15% a 20% do total dos cancelamentos. Para nós, as empresas estão fazendo isso para manter o fluxo de caixa.
E qual é a terceira distorção?
É a inadimplência. Ela atingiu R$ 864 milhões em um ano, o maior índice da série histórica e cerca de 40% superior ao valor do ano anterior, que ficou em R$ 610 milhões.
Mas como resolver esses problemas em um setor que passa por uma crise severa?
No terceiro trimestre de 2022, a estimativa oficial é de que os planos médico-hospitalares tiveram um prejuízo operacional de R$ 5,5 bilhões.
Precisamos fazer uma série de ajustes, e o governo tem de participar dessa discussão. No Brasil, tanto a saúde pública quanto a privada estão doentes. O bolo não aumenta, e cada um quer um pedaço maior. Quem perde com isso é o paciente.
Fonte: Metrópoles (24/04/2023)
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