A Unimed Nacional, operadora de planos de saúde com 2 milhões de clientes, fechou acordo para receber uma injeção de capital de R$ 1 bilhão das outras 300 cooperativas médicas do país a fim de reequilibrar as contas e evitar uma “intervenção” da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
As Unimeds regionais vão desembolsar o equivalente a 10% de suas reservas técnicas, ao longo deste ano. É a primeira vez que as cooperativas médicas locais são obrigadas a usar recursos próprios para salvar a Unimed Nacional, que é a maior deste setor e acumula prejuízo líquido de quase R$ 1 bilhão entre 2023 e os nove primeiros meses do ano passado, segundo o Valor apurou.
Pelas regras desse mercado, as cooperativas locais têm participação na Unimed Nacional e os médicos cooperados, por sua vez, têm fatias nas Unimeds regionais. Com isso, quando se apura lucro, os cooperados recebem os ganhos, e quando há prejuízo eles são obrigados a fazer aportes. E, apesar de usarem a mesma marca no país todo, cada Unimed tem uma gestão independente.
A capitalização foi condicionada à troca da diretoria. Haverá uma nova eleição e a expectativa é de que ainda neste trimestre as novas lideranças da Unimed Nacional sejam definidas. “Acredito que com essa capitalização e uma nova gestão a questão na Unimed Nacional está solucionada. Este ano a situação normaliza”, disse uma fonte.
Procurada, a Unimed do Brasil, entidade responsável pelas cooperativas médicas, não se pronunciou sobre o caso da Unimed Nacional.
A maior cooperativa médica do país, cuja receita até setembro foi de R$ 6,5 bilhões, conseguiu esse aporte, mas sua situação levanta uma bandeira vermelha para o sistema Unimed — que conta com cerca de 300 cooperativas, 20 milhões de clientes de planos de saúde, o equivalente a quase 40% de todo o mercado.
Especialistas do setor ouvidos pela reportagem são unânimes em afirmar que a maior parte das cooperativas médicas carece de uma gestão profissionalizada, com troca de diretorias a cada três ou quatro anos e médicos que mantêm suas próprias agendas.
“Após eleitos, eles seguem tocando as duas atividades, de médico e gestor ao mesmo tempo, não têm uma dedicação exclusiva”, disse o médico José Carlos Abrahão, ex-presidente da ANS e da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde).
Entre as poucas cooperativas com uma liderança profissionalizada há bastante tempo estão, por exemplo, as Unimeds de BH, Curitiba, Porto Alegre e a Seguros Unimed que apresentam indicadores financeiros positivos, distribuição de dividendos e menores índices de reclamações.
Segundo dados da ANS, 109 Unimeds de planos de saúde e dental amargaram prejuízo operacional, no acumulado de janeiro a setembro de 2024 — juntas elas têm 7 milhões de clientes. Considerando o prejuízo líquido (que inclui a receita financeira), 69 fecharam no vermelho. No setor de saúde, as operadoras são obrigadas a ter reservas para caso de falência e muitas delas só conseguem ter lucro na última linha do balanço com ajuda da receita financeira.
Hoje, o caso mais emblemático é o da Unimed Ferj, que assumiu a carteira da Unimed-Rio no ano passado. Seu balanço contábil não apresenta prejuízo, porém, às custas de atrasos de pagamentos a médicos, hospitais e outros estabelecimentos de saúde, cujas dívidas geradas somente em 2024 já chegam a R$ 400 milhões (considerando o passivo da Unimed-Rio, o débito está na casa dos R$ 2 bilhões). No acumulado dos nove meses, a Ferj apurou receita, proveniente de mensalidades de convênio médico, de R$ 2,9 bilhões, mas as despesas para pagamento aos estabelecimentos de saúde somaram R$ 1,9 bilhão — ou seja, uma diferença de R$ 1 bilhão. Nesse setor, a margem é muito menor. Para efeitos de comparação, a Unimed Porto Alegre também teve faturamento de R$ 2,9 bilhões, mas as despesas médicas foram de quase R$ 2,5 bilhões.
“Não é porque mudou de dono que tudo vai melhorar. Além disso, a Ferj não tem expertise para gerir uma carteira daquele tamanho. E também acho que o regulador [ANS] precisaria ter sido mais rigoroso, já faz muitos anos que o problema se estende”, disse outra fonte. A crise na Unimed-Rio persiste há mais de uma década, com denúncias públicas de fraudes em gestões anteriores.
Em dezembro, a ANS e a Unimed Ferj fecharam um novo Termo de Compromisso (TC) concedendo à federação um prazo até março de 2026 para que sejam solucionados os problemas de pagamento a fornecedores, regularização das provisões e reclamações. A Ferj lidera, entre as grandes operadoras, o índice de queixas da agência reguladora, com um indicador de 448,7 contra 143 do segundo colocado, que é a Unimed São Gonçalo-Niterói. Esse novo acordo não teve apoio do Ministério Público, Defensoria Pública e outras Unimeds, como ocorreu no TC de 2016 que, por sua vez, não foi cumprido.
A Ferj informou que o TC “não dá prazos maiores para ajustes. Trata-se de um documento que oficializa os acompanhamentos operacionais e os compromissos então assumidos previstos na lei e que atribui multa em caso de descumprimento.” A Ferj também disse que 65% da dívida de R$ 1,6 bilhão “já foi repactuada, com os pagamentos em dia” e sobre o atraso no pagamento a médicos informa que, em dezembro, teve problema pontual no fluxo de caixa.
Há ainda outros casos emblemáticos envolvendo má gestão, problema relatado há muitos anos. Um deles é da Unimed Paulistana, que atendia 740 mil clientes da capital paulista e fechou as portas em 2015. Essa cooperativa foi criada para substituir a Unimed São Paulo, que também quebrou anos antes. Os clientes da Paulistana migraram para a seguradora, Fesp e Unimed Nacional, atualmente com problemas. Hoje, a cidade de São Paulo, maior praça do país, não tem uma Unimed própria.
Em 2023, a Unimed Vitória perdeu R$ 145 milhões ao investir parte relevante de suas reservas no fundo Infinity, que quebrou. A aplicação foi mantida mesmo após a Associação Brasileira das Entidades de Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) ter descredenciado a gestora do fundo, em dezembro de 2022. A nova diretoria que assumiu a cooperativa médica depois desse episódio informou que “tem atuado com austeridade e agilidade em todas as suas ações, em especial na esfera financeira” e que a perda foi reconhecida no balanço do terceiro trimestre de 2024.
No ano passado, o Ministério Público Federal do Mato Grosso iniciou investigações sobre possíveis irregularidades na Unimed Cuiabá, durante a gestão de 2019-2023. Segundo o MP, foram identificados “indícios de práticas ilícitas relacionadas à gestão financeira e administrativa da entidade, incluindo a apresentação de documentos com graves irregularidades contábeis à ANS, que ocultaram um déficit de cerca de R$ 400 milhões no seu balanço patrimonial de 2022.”
A Unimed do Brasil informou ainda que o “Sistema Unimed apresenta desempenho operacional acima do mercado, 63% das cooperativas médicas têm resultado positivo, em comparação a 51% das operadoras nas demais modalidades.”
Fonte: Valor (19/01/2025)
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