Mais do que publicar selfies superproduzidas, usuário busca ambiente autêntico nas plataformas
A nova cara de uma rede social começa por não usar o nome “rede social”. Mais do que publicar selfies superproduzidas, usuários de aplicativos como o francês BeReal e a plataforma de vídeos chinesa TikTok buscam um ambiente autêntico - mais próximo do mundo real, mas com espaço para brincar com avatares - e que ofereça serviços.
No TikTok, por exemplo, o internauta pode pesquisar receitas culinárias ou dicas de reparos domésticos, em vez de ir ao Google.
A plataforma sul-coreana Zepeto aposta na tecnologia do metaverso - o usuário pode entrar na brincadeira de vestir seu avatar com peças de alta costura vendidas em seu aplicativo.
O microblog indiano Koo oferece tradução simultânea de posts para expandir a rede além do inglês e conquistar usuários descontentes com a gestão de Elon Musk no Twitter.
Para as marcas de produtos e serviços que usam a internet, este novo cenário de interações digitais pede mais do que um perfil arrumadinho. O caminho é entrar no ritmo de cada plataforma e ter um perfil mais humano.
Até 2024, vídeos curtos representarão mais de 12% do tempo gasto na internet, ante 5,4% em 2021, prevê o BofA
“Há uma tendência, não só entre os jovens, de buscar um contato mais conectado com a realidade das pessoas”, afirma Geana Barbosa, diretora para a América Latina da empresa canadense de gerenciamento e análises de mídias sociais Hootsuite.
Barbosa cita o exemplo do BeReal, que estimula o usuário a fazer uma foto em dois minutos, sem tempo para filtros, e teve 400 mil downloads na loja de aplicativos do Google em setembro, com um aumento de 300% na base de usuários ativos desde janeiro. “Marcas que buscam se aproximar de seus consumidores têm de se preocupar com a humanidade”, afirma. “Ninguém quer se conectar com uma empresa, mas com uma pessoa”.
Para Kim Farrel, diretora-geral do TikTok na América Latina, a busca por comunidades e não só pelo networking social é a atração da plataforma. “O foco é muito mais em achar sua comunidade, que pode ser específica ou um grupo enorme, e se conectar com pessoas que você nem conhece”, afirma Farrel, ao Valor.
A ampliação de conteúdos além do entretenimento também transformou a plataforma lançada em setembro de 2016 pela chinesa ByteDance em buscador. Assim como fazem no YouTube, plataforma de vídeos do Google, detentor de 90% das buscas on-line globais, pessoas buscam dicas de maquiagem, receitas ou reformas no TikTok.
“Era uma evolução natural a gente sair um pouco de ser só entretenimento e entrar nessa área de utilidade”, diz Farrel.
A diretora da Hootsuite nota que o fenômeno reflete a busca por informação criada por usuários e não por empresas. “Hoje, 60% dos brasileiros usam a internet para encontrar informação, principalmente conteúdos criados por pessoas, não um conteúdo formal de marca.”
O formato de vídeos curtos também mantém mais de 1 bilhão de usuários mensais mais tempo no TikTok. Atualmente, são dedicados 92 minutos por dia navegando, segundo a Hootsuite, e a tendência é que esse tempo aumente.
Até 2024, vídeos curtos representarão mais de 12% do tempo gasto na internet, ante 5,4% no ano passado, prevê o BofA Securities em um relatório recente. Até 2028, o formato renderá US$ 108 bilhões em publicidade. Não é à toa que a concorrência aumentou. Este ano, os vídeos curtos no Instagram e no YouTube ganharam participação do TikTok, cuja presença no segmento deve fechar em 50%, ante 67% em 2021.
Ampliar a base de usuários além da geração Z, sem perder o interesse dos jovens, é um ponto importante. Na visão de Farrel, da TikTok, isso não significa que a plataforma ficará ultrapassada. “Fico muito feliz de ver uma comunidade de moda para a faixa etária de mais de 50 anos e também sigo um perfil que adoro, de uma avó que ensina como colocar as coisas corretamente na lava-louças e ser uma boa anfitriã, por exemplo”.
Entrada de novas redes nos hábitos de navegação não significa o fim das plataformas veteranas, há espaço para todos
O sucesso da senhora Babs, citada por Farrel, que tem 3 milhões de seguidores no perfil @brunchwithbabs, mostra que as métricas de atração de usuários e anunciantes mudaram.
“Não se trata mais de geografia, idade ou gênero”, diz a diretora da Hootsuite. “Todo conteúdo tem que ser autêntico, criativo e atrelado a grupos”, aconselha.
Autenticidade também é a proposta da Zepeto, plataforma que nasceu em 2018 como um aplicativo de bate-papo da empresa de tecnologia sul-coreana Naver. Entretanto, ao contrário dos posts sem filtro do BeReal, o aplicativo criado para transformar fotos em avatares tornou-se uma rede social com mais de 40 mil universos virtuais criados por usuários.
“A Zepeto tornou-se uma espécie de grande ecossistema que construímos junto com nossa comunidade”, diz Ricky Kang, líder de negócios da Naver, ao Valor. Com foco no público feminino de 13 a 21 anos, que representa 70% da comunidade, o aplicativo conquistou mais de 340 milhões de usuários fãs de moda e do estilo musical K-pop com a proposta de que cada um monte seu avatar 3D com 8 milhões de itens.
Do estilo dos avatares vem a principal fonte de receita da Naver: parcerias de licenciamento de itens com marcas como Gucci, Ralph Lauren, Bulgari, Adidas e Nike, bem como as conterrâneas Samsung e Hyundai.
“Nossa base é formada por usuários muito conscientes de moda e estilo. Portanto, estão interessados em estilizar seus avatares à sua maneira, o que atrai muitas marcas de moda e beleza em todo o mundo”, afirma Kang.
Avaliada em mais de US$ 1 bilhão, a plataforma atraiu investimentos das companhias sul-coreanas de entretenimento JYP Entertainment, YG Entertainment e Hybe, além do grupo japonês SoftBank.
O Brasil é o sétimo país com maior volume de usuários da rede social no mundo - as maiores bases estão na China, Indonésia e Tailândia, seguidas por Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul.
Marcas brasileiras também estão no radar da Zepeto, de acordo com o diretor de negócios. “Temos um time brasileiro em nosso escritório nos Estados Unidos olhando esse mercado de perto”, afirma.
Para Barbosa, da Hootsuite, tanto a interação sem filtros do BeReal quanto o mergulho em mundos virtuais proposto pela Zepeto são formas criativas de gerar conexões entre as pessoas. “Embora uma rede esteja quase com um pé no metaverso e outra mostrando o momento mais real possível, ambas mostram a necessidade do consumidor de se conectar de uma maneira mais profunda e diferente”, observa a diretora.
O modelo de licenciamento da Zepeto também é uma saída para a geração de receita das redes sociais além dos números de curtidas, seguidores e visualizações em um momento de crise para a publicidade digital.
O impacto da desaceleração da economia dos Estados Unidos na receita com anúncios foi evidente nos resultados da Meta, controladora do Facebook, e da Alphabet, que controla do Google, no terceiro trimestre.
Este ano, Meta e Alphabet devem perder o domínio sobre o mercado de anúncios digitais americano, passando a deter 48,4% de sua receita, por conta da concorrência crescente de gigantes como Amazon, Apple, Microsoft e do TikTok, informou o “Financial Times” com dados da consultoria Insider Intelligence.
O comércio eletrônico é um caminho vislumbrado pela ByteDance, que reduziu a projeção de receita com publicidade de US$ 12 bilhões para US$ 10 bilhões este ano. Vendas on-line na plataforma podem ser um caminho para elevar a receita fora dos EUA, onde está sua maior base de usuários - 136,4 milhões, segundo dados da Statista - e onde o Senado tenta banir downloads do app. Lançar um e-commerce no Brasil, terceira maior base do TikTok no mundo, com mais de 73,6 milhões de usuários, depois da Indonésia, é um dos planos, informou a agência de notícias “Dow Jones”, em novembro.
Farrel não comenta sobre o lançamento de um e-commerce local, mas ressalta que o Brasil é um mercado prioritário. “O crescimento digital do Brasil, na última década, é impressionante”, observa. “E é um povo muito social, que gosta de se expressar, criar tendências, memes e viralizar.”
Os brasileiros também surpreenderam os criadores do microblog Koo, com uma onda de mais de 2 milhões de novas contas criadas na rede social, em novembro. Deixando de lado as brincadeiras de duplo sentido sobre o nome da plataforma, encaradas com bom humor pelos criadores, o Koo também atrai usuários descontentes com a nova gestão do bilionário Elon Musk à frente do Twitter, incluindo demissões em massa, cobrança por perfis auditados e bloqueio de contas de jornalistas.
“Mais de 85% das pessoas do mundo não falam inglês, os brasileiros são um exemplo e percebemos que o Twitter é muito direcionado ao inglês”, afirma Mayank Bidawatka, cofundador do microblog controlado pela empresa indiana Bombinate Technologies Pvt Ltd., ao Valor. “Nossa abordagem é permitir que as pessoas se encontrem independentemente do idioma.”
Com mais de 60 milhões de downloads desde sua criação em 2020, a rede viu o Brasil ter o segundo maior volume de usuários depois da Índia, este ano. Após lançar a versão em português da plataforma, em meados de novembro, a empresa iniciou a seleção de profissionais por aqui na área de gestão de comunidades.
“Estamos comprometidos com esse mercado e a resposta tem sido estupenda”, diz o cofundador do Koo. “E nosso perfil verificado é gratuito”, frisa.
O foco, por enquanto, é ampliar a base de usuários do microblog, mas a empresa estuda a geração de receita tanto por publicidade quanto pela interação de criadores de conteúdo e usuários com marcas.
Avaliada em US$ 275 milhões, a empresa conta com o suporte de grandes fundos de investimentos como Tiger Global e Accel Partners, que lideraram uma rodada de US$ 6,3 milhões de investimentos série C, em novembro. No início do ano, a companhia já havia captado US$ 10 milhões em duas outras rodadas.
A entrada de novas redes nos hábitos de navegação dos brasileiros não significa, necessariamente, o fim de plataformas consolidadas, pondera Barbosa. “Acreditamos que ainda há espaço para todo mundo”, afirma.
Em abril, o relatório “Digital Brazil 2022”, feito pela Hootsuite e pela agência We Are Social, mostrou que WhatsApp, Instagram e Facebook são as três redes mais acessadas pelos brasileiros entre 16 e 64 anos.
“Observamos uma atividade grande de marcas no Facebook, por exemplo, mas vemos mudanças nas formas de interagir dentro das redes, de forma menos produzida”, avalia a diretora da Hootsuite. “Por isso, apostamos em uma transformação constante e não necessariamente em redes desaparecendo”.
Fonte: Valor (29/12/2022)
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