sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Fundos de Pensão ampliam oferta de empréstimos aos participantes



Portabilidade de crédito para os fundos de pensão poderia alavancar carteira desses fundos

Enquanto o teto de juros muito apertado no consignado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem levado diversos bancos a interromper a concessão para aposentados e pensionistas, uma forma alternativa de crédito, com potencial de atender 4,8 milhões de pessoas, vem ganhando mais atenção. São os empréstimos feitos por fundos de pensão aos seus integrantes, chamados no setor de operações com participantes.

Integrantes da indústria e especialistas dizem que, com o avanço da tecnologia, uma gradual mudança de cultura nos fundos de pensão e alguns ajustes regulatórios, essa carteira poderia dobrar no curto prazo.

A linha de empréstimo das entidades soma atualmente em torno de R$ 27 bilhões, segundo dados da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). O crescimento neste ano é de 11%; em três anos, atinge 24%; e, em cinco anos, expansão de 27%. Quase 94% desse portfólio está em empréstimo pessoal - como é des contado em folha, funciona como um consignado. Inclusive, é preciso seguir o teto do consignado de, no máximo, 35% da renda do tomador. O restante da carteira está em imobiliário.

Das 273 entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) do Brasil, cerca de metade oferece os empréstimos, especialmente as de maior porte. Do ponto de vista do fundo, essas operações são tratadas como um investimento tradicional, e assim precisam dar retorno, ou seja, o juro cobrado tem de ser acima da meta atuarial da entidade. Apesar disso, como as fundações não têm objetivo de lucro, não cobram o mesmo nível de “spread” dos bancos e, dessa forma, a taxa final para o tomador é muito menor do que no mercado tradicional.

Luiz Nuss, especialista no tema e que já coordenou o grupo de trabalho sobre o assunto da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), diz que muitos fundos são conservadores e tratam esses empréstimos mais como um “benefício” disponibilizado aos participantes, por isso nem oferecem ativamente a linha. Pela lei, esses empréstimos poderiam chegar a até 15% dos ativos dos fundos, mas atualmente estão em 2,1% do patrimônio total de R$ 1,190 trilhão do setor.

“Muitos fundos vivem uma crise ética, acham que se concederem esses empréstimos vão estar estimulando um superendividamento, indo contra a essência da previdência. Mas se o participante precisa desse dinheiro, ele vai tomar no mercado, pagando mais caro, sendo que poderia pegar na própria fundação, com condições bem melhores”, diz.

Maior fundo de pensão do país, a Previ tem R$ 265 bilhões em ativos, sendo R$ 10,2 bilhões em empréstimos aos participantes. Por causa do seu porte e da capilaridade, além da ligação com o patrocinador Banco do Brasil, essa é uma das poucas entidades que tem uma operação significativa de imobiliário, embora a fatia dessa linha na carteira total de empréstimos seja pequena. Como o juro cobrado tem de seguir a meta atuarial, que por sua vez depende da inflação, em momentos de inflação elevada como o atual o imobiliário acaba perdendo atratividade.

Wagner Nascimento, diretor de seguridade da Previ, conta que o fundo limita os empréstimos a R$ 250 mil - ainda que o participante tenha reservas superiores a isso - e também reduz os prazos para beneficiários de mais idade. Em casos de morte, existe um fundo de compensação criado pelas entidades que cobre a operação, servindo como uma espécie de seguro prestamista. Assim, a reserva pessoal não é afetada, não prejudicando a pensão dos eventuais dependentes. “Temos uma preocupação muito grande com a educação financeira e previdenciária. Quando liberamos os empréstimos, não queremos estimular o endividamento.”

Quando a Selic bateu a mínima de 2%, em 2020, mais fundações começaram a olhar para a concessão de empréstimos para os participantes, em busca de retornos mais atrativos. Algumas implementaram sistemas e, nos últimos anos, começaram a dar escala, de fato, à operação. “Muitos fundos têm softwares gerais que possuem um módulo meio genérico que eles usam para controlar essa operação de empréstimos. Nos últimos anos começamos a ser procurados por grandes instituições para ter sistemas mais robustos, de banco mesmo, para ter uma gestão mais eficiente e barata”, conta Amilcar Chaves, diretor de crédito da Matera, que fornece softwares de “core” (núcleo) bancário.

Na Valia, fundo de pensão dos funcionários da Vale, Mauricio Wanderley, diretor de investimentos, diz que está estudando a oferta de financiamento imobiliário. Por enquanto, a carteira de R$ 1 bilhão do fundo é concentrada em crédito pessoal. “Uma vez que o participante precisa tomar esse empréstimo, é interessante que ele faça aqui. Nós temos taxas menores, prazos maiores, e assim, um menor comprometimento de renda”, diz. Com sistemas novos, a entidade busca fortalecer os canais digitais e melhorar a experiência do usuário. “Hoje temos 140 mil participantes [ativos e assistidos] e 80 mil contratos ativos de empréstimos. A Valia como um todo está passando por uma transformação digital e, até pela demanda, começamos pela carteira de empréstimos.”

Na Petros, dos funcionários da Petrobras, do patrimônio total de R$ 134 bilhões, cerca de R$ 3,1 bilhões estão em empréstimos com participantes. Marco Aurelio Viana, diretor de seguridade da Petros, diz que o fundo não fomenta essas operações, por entender que a primeira preocupação deve ser com a saúde financeira dos participantes. “Oferecemos porque é um benefício ao participante, mas entendemos que existem outras modalidades de investimento que dão retorno acima da meta sem endividar o participante. Então, é uma oferta um pouco mais passiva.”

Um dos pontos que começam a estimular essa linha foi um esclarecimento trazido pela Previc. Parte da indústria já entendia que é possível fazer empréstimos sem que a reserva do participante cubra todo o volume tomado. Ou seja, pode-se emprestar para o tomador R$ 10 mil, por exemplo, mesmo ele tendo somente R$ 5 mil de reservas no seu fundo. Ainda assim, muitos fundos, por conservadorismo, tinham receio de fazer esse tipo de operação. Em dezembro de 2022, a Previc emitiu um “ementário de consultas”, em resposta a questionamentos, afirmando que cabe ao fundo, “a seu critério, definir sobre a possibilidade de ofertar crédito em valor superior ao da cláusula de consignação da reserva”.

Isso se aplica especialmente aos fundos de grandes estatais. Neles, a rotatividade dos participantes é muito baixa, em razão de serem concursados. Mas, com a adesão à previdência logo após o ingresso no serviço público, muitas vezes eles não têm reservas suficientes para tomar esse crédito.

Uma mudança defendida por parte da indústria é a questão da portabilidade. Esse mecanismo já existe no consignado tradicional, mas, como os fundos de pensão não estão sob fiscalização do Banco Central, não participam desse sistema. Para Nuss, isso poderia alavancar fortemente a concessão. “Levantamentos mostram que participantes de fundos de pensão têm R$ 1 bilhão em consignado nos bancos tradicionais, um volume que poderia migrar automaticamente para as fundações se houvesse a portabilidade”, afirma.

Segundo Alcinei Rodrigues, diretor de normas da Previc, há limitações para a portabilidade justamente pelo fato de os fundos de pensão não fazerem parte do sistema financeiro. “Fundo de pensão não é instituição financeira, não visa lucro, tem isenções que os bancos não têm. Até gostaríamos de ter alguns acessos, como a questão da portabilidade, mas o próprio Conselho Monetário Nacional (CMN) já indicou que há limites para isso. Não dá para os fundos quererem ter o melhor dos dois mundos”, diz.

Fonte: Valor (26/12/2024)


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