O Tribunal de Contas da União (TCU) prepara-se para votar uma proposta de Instrução Normativa que lhe confere poderes para fiscalizar diretamente as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), sem ter que transitar, necessariamente, pelos canais da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). A proposta da IN, elaborada por um grupo de trabalho formado pelos ministros do TCU Antonio Anastasia, Vital do Rêgo e Jorge de Oliveira, encerrou na semana passada um período de 15 dias durante o qual esteve aberta a contribuições de outras instâncias do Ministério Público e entra agora na fase de votação.
A data da votação será determinada pelo presidente do TCU, Bruno Dantas. Ainda não há uma definição sobre isso, mas há rumores de que Dantas poderá pautá-la já para a próxima reunião do tribunal, que acontece nesta quarta-feira (4/11), a última sessão do tribunal neste ano. Caso não seja votada nessa sessão, ficará para o ano que vem.
A proposta de IN elaborada pelo trio de ministros é bastante clara em relação aos objetivos de fiscalização do TCU. “O Tribunal detém objetivos institucionais que diferem substancialmente daqueles conferido aos órgãos supervisores e, algumas vezes, com eles se antagonizam”, diz o documento. “Imagina-se a hipótese da aprovação de um plano de equacionamento de déficit de uma EFPC patrocinado por uma empresa estatal em que houvesse uma superestimativa do déficit atuarial. A Previc, ponderando que o equacionamento melhora a higidez do plano de benefícios, muito provavelmente não se oporia ao plano. O TCU, de forma contrária, ao aferir que o déficit superestimado oneraria indevidamente a União, tenderia a impugnar o plano”, explica a minuta da proposta.
Sem precedência - Segundo o advogado do escritório Bocater Camargo e Associados, Thiago Cardoso Araújo, a proposta de IN elaborada pelo TCU traz uma abordagem diferente em relação ao modelo de fiscalização exercida anteriormente. Nos últimos anos o TCU determinava a fiscalização das EFPCs de patrocinadores públicos apenas quando discordava de uma decisão da Previc relativa a uma determinada entidade. Ou seja, havia uma fiscalização de “primeira ordem” sobre a Previc e apenas se encontrasse alguma divergência, ou suposta irregularidade, nas informações prestadas pela autarquia partia para a fiscalização de “segunda ordem”, que era sobre as EFPCs. A fiscalização de “primeira ordem” precedia a de “segunda ordem” (ver matéria em outra postagem desse blog: Advogados apontam problemas na proposta de fiscalização do TCU).
Agora isso mudou. Segundo o documento, “não se vislumbra uma relação de precedência entre os órgãos supervisores e o TCU em relação à fiscalização dos recursos públicos utilizados em operações com valores mobiliários. O que se evidencia é que cada órgão tem suas competências específicas e deve atuar de forma complementar na fiscalização de tais recursos, aquelas cuidando da higidez dos sistemas financeiro, de capital e de previdência complementar e o TCU da boa gestão da coisa pública”.
A leitura do documento torna evidente que o TCU vê as EFPC de uma forma bastante negativa. Ele descreve que, em setembro de 2024, havia no tribunal 43 processos abertos referentes à fiscalização de operações de valores mobiliários em EFPCs. “A existência dos inúmeros processos denota que essas entidades têm se mostrado ambiente propício para práticas irregulares cujas consequências últimas são os vultuosos aportes extraordinários das entidades federais que, em 2021 remontavam a R$ 30 bilhões”, diz o documento do TCU.
Os 14 artigos - Com 14 artigos, o objetivo da proposta de IN é “oferecer uma compreensão clara (...) do impacto esperado na fiscalização das negociações de valores mobiliários e no equacionamento dos déficits atuariais das EFPC”. Seguem as sínteses dos artigos:
1º - Define que “o controle das negociações de valores mobiliários e dos equacionamentos de déficits atuariais das EFPC será conduzido em conformidade com a sistemática estabelecida na minuta, bem como com os instrumentos de fiscalização definidos pelo Regimento Interno do TCU”.
2º - Especifica que a Previc “deverá encaminhar ao TCU, anualmente, a avaliação atuarial dos planos de benefícios patrocinados pelos entes federais, conforme o art. 1º da Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001. Esse envio deve ocorrer até 31 de janeiro de cada ano e deve incluir informações detalhadas sobre os planos que apresentem déficits atuariais passíveis de equacionamento”.
3º - Estabelece que “a atuação do TCU em processos que envolvem negociações com valores mobiliários será iniciada preferencialmente por meio de ações de controle externo junto aos órgãos normativos e supervisores do Sistema Financeiro Nacional e das entidades federais patrocinadoras das EFPC. Esta abordagem busca uma integração eficiente com os órgãos responsáveis pela regulamentação e supervisão do mercado financeiro (...) mas o Tribunal não restará impedido de atuar de forma complementar ou exclusiva em órgãos ou entidades federais que estejam envolvidas tecnicamente nos processos. Isto inclui, quando necessário, a atuação diretamente nas Entidades Fechadas de Previdência Complementar patrocinadas pela União e em outras entidades relacionadas, sempre que as circunstâncias ou o interesse público assim exigirem”.
4º - Garante que “as eventuais responsabilizações relacionadas com operações com valores mobiliários deverão observar, além das normas de direito público, os parâmetros estabelecidos nos artigos 153 a 156 e 158 da Lei 6.404, que positivaram no direito brasileiro o “business judgment rule”, ou seja, que o administrador não será responsabilizado pessoalmente por operações realizadas em ato regular de gestão, dentro de suas atribuições e poderes e em conformidade com as normas de regência”.
5º - Determina que “o órgão responsável pela supervisão, coordenação e controle do patrocinador federal deve enviar ao TCU, até o terceiro dia útil de cada mês, uma relação detalhada dos planos de equacionamento recebidos no mês anterior. Esta relação deve incluir, entre outros documentos, a minuta do plano de equacionamento, um estudo específico da situação econômico-financeira e atuarial, e as planilhas eletrônicas que demonstram o déficit atuarial e as estratégias para o seu equacionamento”.
6º - Estabelece que “no primeiro dia útil subsequente à manifestação do órgão responsável pela supervisão, coordenação e controle do patrocinador federal que aprova o plano de equacionamento, esse deve encaminhar ao TCU uma documentação que explicite a motivação do ato administrativo”.
7º - Determina que, “conforme os critérios de materialidade, relevância, oportunidade e risco definidos nos parágrafos do artigo 1º, a unidade (responsável pela instrução dos processos de acompanhamento dos planos de equacionamento) deve criar um processo separado para cada plano de equacionamento”. Também estabelece que, num “prazo de até 120 dias, prorrogáveis por igual período, a unidade responsável elabore e encaminhe a proposta de mérito ao Relator”.
8º - Diz que “o TCU realizará um monitoramento contínuo das operações com valores mobiliários das unidades jurisdicionadas e dos desequilíbrios atuariais nas EFPC. Esse monitoramento envolverá a coleta e análise sistemática de dados financeiros e atuariais, relatórios de auditoria e indicadores de desempenho, podendo utilizar tecnologias avançadas, como análise preditiva e inteligência artificial”.
9º - Estabelece que “o TCU realizará anualmente auditoria nas operações com valores mobiliários realizadas pelas EFPC patrocinadas por entidades federais, avaliando a conformidade das operações com as normas legais e regulamentares, a governança de investimentos e a eficácia dos controles internos, identificando riscos que possam comprometer o equilíbrio financeiro e atuarial dos planos de benefícios”.
10º - Diz que “existindo indícios de prejuízos relevantes em operações com valores mobiliários e desequilíbrios atuariais nas EFPC, o TCU poderá realizar ações de controle específicas na entidade e em sua patrocinadora”.
11º - Diz que “o TCU publicará anualmente um relatório consolidado sobre o monitoramento das operações com valores mobiliários e dos esequilíbrios atuariais nas EFPC”.
12º, 13º e 14º - são os que “delineiam providências essenciais para garantir a adequada resposta institucional frente a irregularidades, a coleta precisa de informações e o tratamento apropriado de dados sensíveis”.
Fonte: Invest. Institucional (01/12/2024)
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