Movimento em bancas de advocacia cresceu em razão das regras previstas pela reforma tributária
As contribuintes estão em uma corrida para adiantar doações e planejamentos sucessórios para escapar da progressividade do ITCMD, que fará a tributação praticamente dobrar. O movimento em escritórios de advocacia chegou a triplicar nos últimos meses. Muitos dos casos são de transmissões realizadas no Estado de São Paulo, que ainda não alterou as regras para a cobrança, conforme determina a Emenda Constitucional (EC) nº 132, de 2023, a reforma tributária.
Hoje, 17 Estados e o Distrito Federal já adotam alíquotas progressivas para a cobrança do imposto sobre doações e herança. Variam, em geral, de 2% a 8%. Alagoas, Amapá, Amazonas, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná, Espírito Santo, Roraima e São Paulo, porém, ainda não editaram novas leis e continuam aplicando alíquotas fixas, segundo levantamento feito pelo escritório Sigaud Advogados. Nesse cenário, nada mudou desde a publicação da emenda, no fim do ano passado.
Mesmo leis que já estabelecem a progressividade do imposto precisam ser alteradas, segundo o advogado Bruno Sigaud. A emenda da reforma tributária, afirma, ao incluir no artigo 155, parágrafo 1°, da Constituição Federal a obrigatoriedade das alíquotas do ITCMD serem progressivas, alterou também a base de cálculo do imposto.
Pelo texto, o ITCMD “será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação”. Ou seja, a tributação será aplicada sobre o valor recebido por cada herdeiro, e não sobre o total recebido por todos. Com a mudança, a tributação poderá ficar menor em alguns casos.
Hoje, apenas quatro governos estaduais que aplicam a progressividade adotam essa base de cálculo para o imposto. De acordo com o levantamento feito pelo escritório Sigaud Advogados, são os Estados do Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Sergipe.
Patriarcas com holdings constituídas têm elevado os repasses de cotas” -— Natalia Zimmermann
Sigaud lembra que, além da reforma tributária, há proposta para elevar o limite máximo do imposto, de 8% para 16%. A medida está prevista no Projeto de Resolução do Senado (PRS) nº 57, de 2019. É de autoria do senador Cid Gomes (PSB-CE).
No texto, ele justifica que a elevação do limite máximo do ITCMD aproxima a alíquota potencial das praticadas nos países desenvolvidos, que, na sua maioria, tributam fortemente a herança, tanto a antecipada em vida como a recebida após a morte. De acordo com o senador, mesmo com o aumento proposto, elas ainda estarão distantes das alíquotas máximas utilizadas em grande parte dos países da Europa, como França (60%), Alemanha (50%), Luxemburgo (48%) e Inglaterra (40%), e da América do Norte, como os Estados Unidos (40%), além de países como Japão (55%) e Chile (25%).
“As mudanças da reforma tributária, bem como o proposto aumento da alíquota máxima do imposto, refletem uma tendência mundial de aumento da tributação sobre heranças e doações”, diz Sigaud, que viu nos últimos meses o movimento no escritório crescer 50%. “A preocupação de todos [os clientes] é a progressividade.”
No Velloza Advogados Associados, a demanda triplicou no último trimestre, de acordo com a advogada Natalia Zimmermann, sócia da área de Wealth Planning. São casos de doações feitas no Brasil ou no exterior e de constituição e repasse de cotas de holdings familiares.
Com a possibilidade de progressividade do ITCMD, especialmente em São Paulo, afirma a advogada, patriarcas com holdings já constituídas têm elevado os repasses anuais de cotas que normalmente fazem para seus herdeiros. “O ITCMD é muito pesado”, diz Natalia, lembrando que a reforma também impacta as holdings, que “deixaram de ser um movimento [sucessório] tão óbvio”.
Os contribuintes do Rio de Janeiro também estão aproveitando, de acordo com a advogada, a falta de previsão legal para a cobrança de ITCMD sobre doações no exterior. Em abril, o governo estadual emitiu um comunicado admitindo a não incidência do imposto, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar o dispositivo da Lei nº 7.174, de 2015, que estabelece a cobrança, inconstitucional.
O mesmo ocorreu com a norma paulista. Mas apesar de os ministros julgarem a Lei nº 10.705, de 2000, inconstitucional, em repercussão geral, a Fazenda de São Paulo continua a efetuar a cobrança. Entende que a EC nº 132/23 torna novamente válida a norma. O texto estabelece que, enquanto não for editada lei complementar sobre o tema pelo Congresso Nacional, como determinado pelos ministros, valem as leis estaduais.
No L. O. Baptista Advogados, o movimento também é intenso. Dobrou este ano e a previsão é de continuar crescendo em 2025 e 2026, segundo o tributarista João Victor Guedes, sócio da área de Organização Patrimonial, Família e Sucessões. Para dar conta da demanda de planejamentos patrimoniais e sucessórios, a banca teve, inclusive, que contratar novos profissionais.
O advogado lembra que há um projeto de lei em tramitação em São Paulo para a adoção da progressividade. Porém, “está praticamente parado”. A última movimentação do PL nº 7, de 2024, é de março. O texto estabelece alíquotas entre 2% e 8%. A menor alíquota vale para bens de até R$ 353,6 mil (10 mil Unidades Fiscais do Estado de São Paulo -UFESPs). A maior, acima de R$ 9,9 milhões (280 mil UFESPs).
Com a movimentação dos contribuintes cresce a arrecadação dos Estados com o ITCMD, especialmente em São Paulo. Até novembro, o governo paulista arrecadou R$ 5 bilhões com o imposto sobre herança e doações, 42,3% a mais que no mesmo período de 2023.
Fonte: Valor (26/12/2024)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".