sábado, 14 de dezembro de 2024

Fundos de Pensão: TCU autoafirma sua competência para fiscalizar fundos de pensão de estatais



TCU reforça sua autoafirmação em fiscalizações, mesmo em áreas de atuação de outros órgãos

Em 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) revisitou seu papel na fiscalização de operações no mercado de capitais. Por meio de Grupo de Trabalho (GT) criado após julgamentos envolvendo aportes da BNDES Participações (BNDESPar), a Corte buscou esclarecer sua competência em relação a órgãos supervisores especializados, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O GT reflete a necessidade de definir qual a intensidade do controle a ser exercido pelo TCU, que, até então, oscilava entre os chamados controle de primeira e de segunda ordem. A primeira modalidade implicaria na fiscalização direta e na análise de mérito das operações, sendo que tal competência caberia precipuamente aos órgãos fiscalizadores.

O controle de segunda ordem, por sua vez, limitar-se-ia a avaliar a atuação do órgão especializado. No entanto, permitiria que a Corte de Contas determinasse providências ao órgão supervisor, caso entendesse que a sua atuação tivesse sido deficiente ou omissa. Ou, no limite, incidiria diretamente sobre as pessoas e entes supervisionados, a partir de determinações a eles direcionadas, o que aproximaria, nesta última hipótese, as modalidades de controle, tornando-os, na prática, indistintos.

O desafio, portanto, seria delimitar os requisitos e condições que atrairiam essa versão dilargada do controle de segunda ordem (cujas consequências, como dito, na prática, igualariam os tipos de controle), justificando a atuação direta do Tribunal em substituição àquela praticada pelos órgãos com atribuição legal primária.

Embora o foco inicial desse GT tenha sido o mercado de capitais, o TCU também abordou sua relação com as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) que contam com patrocinadores estatais federais. As EFPC (ou fundos de pensão) são supervisionadas pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Essa decisão, que ampliou o objeto original do GT, pode ser explicada pela posição adotada pela Corte de Contas, desde a prolação do Acórdão nº 3.133/2012-TCU-Plenário, acerca de sua competência para o exercício de um controle de segunda ordem, de figurino mais intenso sobre a gestão de recursos de fundos de pensão patrocinados, naquela ocasião, por empresas públicas e sociedades de economia mista federais[1].

Após um longo período de atuação expansionista em relação ao mercado de capitais e às EFPC, em novembro de 2024, o GT apresentou uma minuta de Instrução Normativa (IN), visando normatizar sua atuação em negociações de valores mobiliários e na fiscalização sobre as causas de déficits atuariais de fundos de pensão.

Além disso, a atual proposta de IN inova ao trazer um fundamento para legitimar a atuação da Corte de Contas em relação às EFPC: a inexistência de relação de precedência entre os órgãos com competência fiscalizadora, de supervisão interna (estamos aqui nos referindo à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais-SEST) e de controle externo (TCU). Partindo da premissa que os recursos vertidos a título de patrocínio de planos de previdência pela Administração Pública mantêm natureza de verbas públicas, o TCU entende que pode atuar diretamente sobre as entidades fechadas, com base no artigo 70 da Constituição Federal.

Isso significa que, dentro desta lógica, a Corte de Contas poderá verificar as operações de forma direta, revisitando, consequentemente, decisões tomadas pelos gestores dos fundos de pensão e fiscalizadas pela Previc. Esse entendimento somente é possível ao se considerar que as contribuições previdenciárias feitas pelos patrocinadores permanecem como “dinheiro público” mesmo depois de aportadas nas EFPC.

Parece-nos que há um equívoco, porque, além da natureza privada dos fundos de pensão (tal como determinado pelo art. 202 da Constituição Federal), não há dúvidas acerca da titularidade dos recursos administrados pelas EFPC: trata-se de verbas pertencentes aos participantes e assistidos, o que é reconhecido pela própria legislação, por exemplo, ao destinar a estes últimos os recursos administrados, em caso de liquidação do plano de benefícios.

Nada obstante o novo fundamento invocado, a figura da inexistência de relação de precedência não avança significativamente na definição de diretrizes claras para evitar sobreposição de competências. Em vez disso, reforça a autoafirmação do TCU sobre a possibilidade de se sobrepor a fiscalizações realizadas por órgãos, definindo diretamente a conduta a ser adotada, mesmo em áreas já cobertas por supervisores especializados, como a CVM e a Previc.

Há o risco de se criar uma espécie de “curto-circuito” entre as instâncias de controle, com a possibilidade de emissão de comandos incompatíveis e, até mesmo, contraditórios. Esse cenário, descrito por especialistas como "accountability overload", pode comprometer a eficiência do controle externo e levar os jurisdicionados a uma atuação excessivamente cautelosa, mais apegada a seguir os parâmetros já explicitados pela Corte de Contas em detrimento da otimização do interesse público (o que, em síntese, configura o fenômeno conhecido como “apagão das canetas”), gerando insegurança jurídica e, em última instância, prejudicando participantes e assistidos vinculados às EFPC.

Explica-se: o investimento em mercado de capitais contempla intrinsicamente uma relação de risco-retorno, o que implica que há uma maior expectativa de retornos mais acentuados em investimentos cujo resultado apresenta maior grau de incerteza. Tais investimentos, realizados dentro de uma lógica de diversificação (mitigando e controlando o risco experimentado), são cruciais para que as EFPC cumpram as suas metas atuariais e financeiras. Contudo, a partir desta visão de controle, cria-se um efeito dissuasório, inibindo tais operações e comprometendo a performance da carteira de investimentos dos fundos de pensão.

A minuta identifica que, atualmente, as EFPC concentram a maioria dos processos relacionados a operações com valores mobiliários no TCU, reforçando, na ótica do GT, a necessidade de monitoramento contínuo de déficits atuariais, uma vez que estes teriam sido provocados após operações ruinosas que envolveriam valores mobiliários.

No entanto, o texto atual da minuta não oferece parâmetros objetivos para atuação em casos de múltiplos agentes supervisores. A proposta, ainda que indique a preferência pela ação de controle externo junto aos referidos agentes, reafirma a possibilidade de atuação direta em relação às EFPC, de forma complementar ou exclusiva. Verifica-se, portanto, a expansão da competência do TCU em detrimento da integração com órgãos como a CVM, responsável pelo mercado de capitais ou como a Previc, responsável pela supervisão das EFPC.

Há, ademais, um risco adicional. Deve-se apontar que, com a obrigatória instituição de previdência complementar para estados e municípios (art. 40, §16, da CRFB/88), as Cortes de Contas subnacionais tenderão a seguir o entendimento do TCU, criando dificuldades sistêmicas de coordenação das atividades de fiscalização e controle.

É essencial que a minuta da IN seja revisada para estabelecer diretrizes claras. A definição precisa do papel do TCU garantirá a integridade do controle externo sem prejudicar a atuação dos supervisores primários, que deve ser melhor aproveitada e fortalecida. A cooperação entre as instituições será fundamental para preservar a eficiência da fiscalização e evitar redundâncias, sobreposições e, até mesmo, decisões contraditórias.

[1] O tema chegou a ser revisitado em 2018. A partir de determinação contida no Acórdão 1.114/2018-TCU-Plenário, foi determinada a realização de estudo técnico para complementar o entendimento do Acórdão nº 3.133/2012-TCU-Plenário no que tange aos procedimentos de fiscalização da Corte sobre os fundos de pensão. No entanto, à época, o Tribunal não editou qualquer normativo nesse sentido.

Fonte: Jota (12/12/2024)

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