Impactos e preocupações no setor de saúde suplementar
As fraudes contra planos de saúde têm se tornado um problema crescente no Brasil, gerando impactos financeiros expressivos para as operadoras e comprometendo a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar. Estima-se que bilhões de reais são desviados anualmente em práticas fraudulentas, envolvendo prestadores de serviços, beneficiários e até profissionais médicos[1].
Casos recentes noticiados pela imprensa revelam esquemas cada vez mais sofisticados de fraude, merecendo destaque as fraudes que ocorrem na via do reembolso[2], em especial, aquelas relacionadas aos tratamentos voltados aos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que conforme previsão legal, são tratamentos que se dão por prazo indeterminado, o que facilita ainda mais a prática fraudulenta.
A Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998) prevê que os tratamentos para TEA e TGD sejam garantidos de forma contínua, sem limitação de tempo, considerando a natureza crônica e multidisciplinar da condição. Essa previsão é essencial para assegurar o acesso irrestrito às terapias necessárias, como acompanhamento psicológico, fonoaudiológico entre outros.
No entanto, essa característica também pode facilitar práticas fraudulentas, uma vez que a ausência de limites temporais abre margem para a solicitação de reembolsos repetitivos e irregulares, baseados em laudos médicos ou declarações adulteradas.
As fraudes envolvendo reembolsos de tratamentos de pessoas diagnosticadas com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), incluindo-se neste grupo o Transtorno do Espectro Autista (TEA), são uma preocupação crescente no Brasil, especialmente em um cenário onde os custos elevados de terapias multidisciplinares e a demanda crescente desafiam a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar.
Esse tipo de fraude geralmente envolve esquemas em que prestadores de serviços, beneficiários e até profissionais de saúde agem em conluio para desviar recursos. Algumas das práticas mais comuns incluem:
- Apresentação de documentos falsificados: Notas fiscais e recibos adulterados para inflar valores ou justificar despesas inexistentes.
- Cobrança por sessões não realizadas: Clínicas e prestadores solicitam reembolsos por atendimentos que não ocorreram.
- Laudos médicos indevidos: Profissionais emitem atestados para justificar tratamentos mais caros, em volume desproporcional, ou que fogem à realidade clínica do paciente.
Os custos elevados das terapias multidisciplinares para TEA e TGD, que podem ultrapassar R$ 15 mil por mês, agravam a situação. Pesquisas apontam que há um aumento significativo nas reclamações de famílias de autistas contra os planos de saúde devido a recusas de reembolso e cancelamentos unilaterais de contratos.[3] Muitas operadoras justificam essas recusas alegando irregularidades ou suspeitas de fraude.
O sistema de reembolso em planos de saúde, apesar de oferecer uma alternativa importante quando a operadora não possui profissionais em sua rede para prestar atendimento, pode inadvertidamente abrir brechas para práticas fraudulentas. Isso ocorre porque esse modelo permite maior autonomia para o usuário na escolha de prestadores, o que dificulta a fiscalização e aumenta a vulnerabilidade a desvios. A via de reembolso fortalece o oportunismo por quatro motivos principais:
- Falta de controle direto sobre o prestador: Diferentemente dos serviços oferecidos pela rede credenciada, onde operadoras têm contratos e mecanismos de auditoria estabelecidos, o reembolso envolve prestadores externos, dificultando a verificação da autenticidade dos serviços prestados e dos valores cobrados.
- Documentação manipulável: O sistema de reembolso depende de notas fiscais e recibos emitidos pelos prestadores de serviços. Documentos fraudulentos podem ser apresentados por beneficiários ou prestadores, inflando valores ou declarando serviços não realizados. Essa prática é uma das mais comuns em esquemas de fraudes.
- Alinhamento de interesses entre beneficiário e prestador: Em alguns casos, beneficiários podem concordar com esquemas fraudulentos para obter vantagens financeiras, como dividir valores superfaturados ou justificar despesas que não ocorreram. Isso fortalece o conluio entre as partes.
- Dificuldade de auditoria retroativa: Como os reembolsos geralmente são pagos após a apresentação dos documentos, identificar fraudes exige auditorias detalhadas e muitas vezes demoradas, o que compromete a eficiência e a eficácia no combate a desvios.
As fraudes que ocorrem na via do reembolso incluem em seu modus operandi a emissão de notas fiscais para sessões de terapias que nunca ocorreram, volume de sessões de terapia multidisciplinar incompatíveis para a realidade de qualquer ser humano, e muitas vezes, há a prescrição de terapias que sequer são validadas pelos conselhos de classe para justificar tratamentos fora da rede credenciada[4].
Esse cenário reflete a facilidade com que prestadores e beneficiários podem burlar as normas, sobrecarregando as operadoras e prejudicando a sustentabilidade do sistema. Além disso, ainda existem lacunas regulatórias em relação à documentação exigida para os pedidos de reembolso, o que também pode facilitar práticas fraudulentas.
Para enfrentar essas fraudes e seus impactos, é necessário pensar em propostas para mitigar as fraudes que ocorrem, especialmente na via de reembolso, como por exemplo:
- Automação e análise de dados: Utilizar inteligência artificial para identificar padrões anômalos em pedidos de reembolso, como frequência excessiva ou valores muito acima da média de mercado.
- Auditoria preventiva e periódica: Criar mecanismos de verificação mais rigorosos para reembolsos acima de um determinado valor ou envolvendo tratamentos com alta demanda, como os de TEA.
- Parcerias interinstitucionais: Promover maior integração entre a ANS, Ministério Público, Polícia Federal e operadoras para identificar e desarticular redes criminosas.
- Revisão regulatória: Estabelecer normas mais claras e restritivas para reembolsos, incluindo a exigência de comprovantes mais detalhados e a fiscalização de prestadores que atuam frequentemente fora da rede credenciada.
- Educação do beneficiário: Campanhas para conscientizar os usuários sobre as implicações éticas e legais das fraudes, desincentivando práticas de conluio com prestadores.
Embora o sistema de reembolso seja essencial para garantir o acesso a tratamentos, sua estrutura pode facilitar práticas oportunistas. O fortalecimento de controles, aliado ao uso de tecnologia e à conscientização dos envolvidos, são medidas cruciais para reduzir fraudes e preservar os recursos das operadoras, beneficiando todo o sistema de saúde suplementar. Este é um desafio que exige esforços conjuntos das operadoras, da ANS, dos órgãos públicos e dos profissionais de saúde para proteger a sustentabilidade do sistema e garantir que os beneficiários tenham acesso aos cuidados que realmente necessitam.
As pessoas diagnosticadas com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), incluindo-se o Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm direito ao tratamento adequado e digno, de acordo com as suas necessidades específicas. No entanto, é fundamental que as prescrições e solicitações de reembolso estejam embasadas em critérios éticos, respeitando os regulamentos e a integridade da cadeia de beneficiários vinculada aos planos de saúde. Fraudes envolvendo laudos falsos ou serviços fictícios geram impactos graves, como o aumento dos custos assistenciais, que são diluídos entre todos os usuários do sistema, prejudicando tanto a sustentabilidade das operadoras quanto o acesso aos serviços essenciais pelos demais beneficiários.
Fonte: Jota e Thais Hadlich (09/12/2024)
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