quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Idosos: Como proteger o dinheiro e os planos diante da vida mais longa e com mais incapacidades?

 


Há diferentes documentos, alguns inclusive gratuitos, para proteger maiores de idade no momento que não conseguem manifestar a própria vontade por algum motivo transitório ou permanente

Globalmente, a expectativa de vida passou de 67 anos no ano 2000 para mais de 73 anos em 2019. Mas a incapacidade também está aumentando: em média, apenas cinco desses anos adicionais foram vividos com boa saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao olhos da lei, a incapacidade pode ser absoluta ou relativa. Mas, em ambos os casos, há documentos - que até podem ser gratuitos - que ajudam a garantir as vontades individuais e, principalmente, a gestão do dinheiro pensando estas necessidades.

De nomes complicados, a Declaração de Curatela e as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) são alguns dos instrumentos disponíveis em casos de incapacidade legal (por conta de diagnósticos de doenças neurodegenerativas, por exemplo, ou outras situações que possam levar à um quadro de perda das capacidades físicas ou mentais).

A curatela é a ação voltada para proteger maiores de idade no momento em que não conseguem manifestar a própria vontade por algum motivo transitório, como uma pessoa que está em coma ou por uma razão permanente, como alguém com alguma enfermidade incapacitante, mental, psicológica ou física, por exemplo. Com a curatela, é possível direcionar os rumos do dinheiro e do patrimônio, bem como quem fica responsável pela gestão. É possível prever, na declaração de curatela, por exemplo, que seja realizado o pagamento das mensalidades do plano de saúde para evitar a inadimplência e, consequentemente, a rescisão.

Contudo, ainda é pouco acessada pelas pessoas. E isso não tem a ver só com possíveis custos envolvidos.

“Em uma formação histórica e cultural como a nossa, baseada no acúmulo de patrimônio, abordar temas delicados como incapacidade e fatalidades não é auspicioso. Entre os ‘Baby boomers’ (nascidos entre meados dos anos 1940 e meados dos anos 1960) e seus filhos, essa discussão ainda é cercada de pré-conceitos. Mas a incapacidade pode acontecer em qualquer momento da vida e ter tudo preparado é uma forma de proteger suas vontades e necessidades”, comenta William Heuseler, diretor de planejamento sucessório do Itaú.

A curatela pode ser usada ainda nos casos em que as pessoas colocam em risco seus patrimônios por não conseguirem controlar seus gastos (pródigos). A dependência química ou de álcool também é uma das situações aplicáveis.

Segundo a OMS, nas Américas, o uso de drogas surgiu como um contribuinte significativo tanto para a incapacidade quanto para a morte. Houve um aumento de quase três vezes nas mortes por transtornos causados pelo uso de drogas entre 2000 e 2019. Esta região também é a única em que o transtorno por uso de drogas é um dos 10 principais contribuintes para anos de vida saudáveis perdidos.

O custo de uma ação de curatela pode variar de acordo com o valor dos honorários advocatícios, dos serviços judiciários, dos honorários do perito, entre outros fatores. No Rio de Janeiro, por exemplo, o valor das custas judiciais iniciais mínimas no Tribunal de Justiça é de pouco mais de R$ 1 mil. O que pouca gente sabe é que a curatela pode ser solicitada gratuitamente na Defensoria Pública por quem não tem condições de arcar com os custos.

“Há uma falsa ideia de que essa ação é benéfica apenas para quem tem patrimônio. Existem diversos motivos para que uma pessoa sem bens e incapaz de exprimir sua vontade seja interditada, como a solicitação de benefícios governamentais. Daí a importância da Defensoria Pública", comenta Pedro Nogueira de Faria Pereira, advogado e sócio no Lessa Pereira Advogados.

Com a curatela, a gestão do patrimônio ou de valores recebidos pela pessoa incapacitada é feita pelo curador, que, normalmente, é um parente. O mecanismo de proteção é necessário mesmo para quem tem conta conjunta, pois há impactos e implicações práticas no uso da conta em caso de incapacidade.

“Se a pessoa for declarada incapaz, o banco analisa em quais declarações de IR os valores estão lançados, para ter noção de quem, de fato, é responsável pelo patrimônio e, então, comunicar a Justiça para que não haja gestão indevida. As contas podem ser bloqueadas até que o curador nomeado possa administrá-las de acordo com as diretrizes legais. Isso pode causar dificuldades na gestão financeira e na continuidade das operações financeiras. Em resumo, a conta conjunta não deve ser vista como modelo de planejamento”, explica o executivo do Itaú.

O advogado do escritório Lessa Pereira explica que a ação da curatela pode demorar. Por isso, antes do fim do processo, o juiz pode nomear um curador provisório por determinado tempo. Na conclusão do processo, se for o caso de interdição, o juiz nomeará o curador definitivo.

"O exercício da curatela pode ser feito por uma pessoa ou mais pessoas conjuntamente. Um pai interditado que tenha mais de um filho pode ter a curatela atribuída a um dos filhos, a todos ou a alguns conjuntamente. Quem for curador deve sempre atender ao melhor interesse do curatelado e prestar contas”, acrecenta Pereira.

De maneira geral, quando não há esse direcionamento prévio, a Justiça tem sido favorável a liquidar o patrimônio financeiro, quando existe, e reunir o montante em uma conta, que pode ser remunerada ou não. “Isso tem impacto financeiro na vida das pessoas. Mesmo títulos mais conservadores têm remuneração maior do que a conta poupança. Então é preciso pensar em todas essas variáveis diante da possibilidade de uma incapacidade", pontua Heuseler.

Quem se prepara para lidar com a incapacidade?

Além da curatela, uma resolução do Conselho Federal de Medicina prevê a chamada Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV). Através dela, a pessoa pode expressar os cuidados e tratamentos médicos que a pessoa quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitada de expressar sua vontade. Nesse documento é possível indicar quais são os médicos que devem ser consultados e definir aspectos religiosos a serem considerados em caso de morte.

Apesar das resistências em pensar no tema, a iniciativa de adotar esses mecanismos se demonstram mais comum entre as mulheres no caso de casais heterossexuais com filhos, segundo a avaliação do Itaú. “A mulher tende a ter maior preocupação porque, culturalmente, o homem se vê perpétuo”, comenta o executivo. A realidade, no entanto, é bem diferente: homens morrem mais que mulheres em todas as faixas etárias, com exceção dos idosos acima dos 80 anos, segundo os dados do Censo Demográfico 2022.

Já nos casais homoafetivos, o interesse é compartilhado, em reflexo ao histórico de dificuldades na garantia de direitos e como uma maneira de também proteger o cônjuge. Conforme o IBGE, o número de domicílios com casais do mesmo sexo cresceu mais de seis vezes entre 2010 e 2022, chegando a 391.080.

O diretor de planejamento sucessório do Itaú ainda cita o testamento como forma de minimizar o impacto de situações de incapacidade e fatalidade, como a morte em um acidente.

“Quem tem dependentes ou herdeiros menores (sobrinhos) deve considerar fazer testamentos cruzados para garantir que as vontades sobre quem gere o património sejam refletidas. Hoje já é possível fazer inventário extra judicial desde que não haja litígio, o que torna mais fácil o processo. É preciso estar ciente que o que foi acertado "de boca" não funciona, tem que estar previsto na curatela ou no testamento”, finaliza.

Fonte: Valor Investe (08/12/2024)

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