Mudança tarifária e kit mais barato favorecem ampliação da instalação de kits por consumidores residenciais e comerciais
Em novembro de 2021, quando a bandeira de escassez hídrica pesava na conta de luz e contribuía para elevar a inflação de dois dígitos, o comerciante Sílvio Inada experimentava situação diferente. Placas fotovoltaicas recém-instaladas já começavam a captar a energia do sol que se derramava no telhado de sua loja de roupas infantis no bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo. Hoje as placas permitem a Inada praticamente zerar sua conta de energia comercial e cortar à metade a residencial.
O que é a 'taxação do sol'?
Há dois ou três anos, revela o comerciante, já era seu desejo deixar de ser refém, ao menos na energia elétrica, do aumento de tarifas, determinadas pelo governo ou não, do impacto cambial, de questões hídricas e do custo maior das termelétricas. “Queria fugir disso e ter uma fonte de energia mais segura.”
A loja e a residência de Inada integram os 1,67 milhão de unidades consumidoras de energia por sistemas solares fotovoltaicos de geração distribuída, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). As placas solares vêm tomando conta de telhados, fachadas e terrenos de residências, comércios, indústrias, produtores rurais e prédios públicos do país quase à velocidade da luz, se comparada com a evolução da capacidade total de energia elétrica do país.
A potência instalada nos telhados somou até 15 de outubro 13,7 gigawatts (GW), crescimento de 48% em relação aos 9,21 GW de capacidade de produção ao fim de 2021. A projeção é que a potência instalada chegue a 18 GW até o fim deste ano, diz Bárbara Rubim, vice-presidente de energia distribuída da Absolar. Segundo o plano decenal de expansão de energia da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), essa capacidade instalada deve chegar a 37,2 GW ao fim de 2031, num cenário de referência. Hoje a energia fotovoltaica representa 98,1% desse tipo de geração.
A “energia produzida no telhado” é como o trabalho de “formiguinhas”, com geração própria de energia solar pulverizada em todo o país, compara Daniel Pansarella, gerente nacional no Brasil da Trina, fabricante chinesa de módulos e células fotovoltaicos para usinas e sistemas residenciais.
Ele lembra que em 2017, há apenas cinco anos, a energia elétrica de fonte solar era predominantemente vinda de produção centralizada de grandes usinas. Na época, a geração distribuída - produção de energia para consumo próprio em sistemas de micro e minigeração -, estava ainda nascendo. Hoje há crescimento nos dois ramos e a energia das “formiguinhas” está à frente, diz Matheus Rodrigues, gerente de produtos da Trina.
Segundo dados da Absolar, em 2017 a potência instalada de energia solar era de 1,16 GW, com 84% em geração centralizada. Em 2020 essa proporção virou e hoje a geração distribuída representa 68% da capacidade instalada de energia fotovoltaica. O avanço dessa geração distribuída resultou em investimentos de R$ 25,9 bilhões, de janeiro a outubro deste ano, e que somam R$ 73,9 bilhões em valores aplicados desde 2012. O resultado é 54% superior ao saldo investido nesses dez anos até o fim de 2021.
Somada à potência de energia centralizada em grandes usinas, a fonte solar chegou a 20,25 GW em capacidade instalada em outubro, o que já representa quase um décimo da matriz de energia elétrica no país. Ao fim do ano passado a fatia era de 7,4% e em dezembro de 2020, de 4,5%, segundo dados da Absolar e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O crescimento acelerado dos projetos “formiguinha” é creditado por consumidores e empresas do setor a fatores como a fatura salgada da conta da luz, percepção intensificada com a recente crise hídrica pela qual passou o país, e ao efeito-calendário da Lei 14.300, de janeiro deste ano, considerada marco legal da micro e minigeração de energia.
Por essa lei, explica Barbara, os consumidores que solicitarem à concessionária o acesso à rede para seu sistema solar próprio até 6 de janeiro do ano que vem ficam livres até 2045 de uma mudança tarifária apelidada de “taxação do sol”. Por isso, diz, tem havido antecipação de decisão para instalar os sistemas (ver texto Tarifa extra, ‘Fio B’ custa em média 28% da conta de luz).
Rodolfo Meyer, sócio da Portal Solar, empresa que instala equipamentos fotovoltaicos, diz que o prazo para uma tarifa mais benéfica deve ainda provocar um “soluço” de demanda até o fim deste ano, embora de abril a meados de setembro ele tenha percebido redução na procura. Para Meyer, isso se deve à incerteza em relação às eleições presidenciais e também à alta da taxa básica de juros, que encarece o crédito.
Segundo Meyer, mais da metade das aquisições de sistemas são feitas com financiamento. Os equipamentos fotovoltaicos ficaram mais acessíveis ao longo do tempo, mas há também o efeito do câmbio, lembra Barbara. Os principais componentes são importados.
Mesmo que o brilho do sol ainda chegue de graça, a decisão de produzir a própria energia fotovoltaica demorou um pouco para sair do papel porque “os custos eram proibitivos”, diz Inada. O comerciante resolveu fazer o investimento em 2021. Os R$ 40 mil da instalação do equipamento de 800 kW ainda não podem ser considerados um preço baixo, explica. “O equipamento ainda é caro, mas o custo da energia elétrica também ficou alto demais.”
Inada não pegou empréstimo para apostar na energia solar, mas calcula que as condições de crédito que conseguiria na época resultariam numa obrigação mensal com amortização e juros que começa a se aproximar da redução que tem hoje nas contas de luz.
A Selic hoje a 13,75% ao ano muda um pouco essa equação, mas, segundo Meyer, parte desse impacto parece ter sido absorvida pelo consumidor, que já fez as contas com a nova taxa de juros e ao fim de setembro voltou a procurar pelos projetos de energia fotovoltaica. Independentemente desse cenário, diz, a empresa espera mais do que dobrar o faturamento este ano em relação a 2021, além de dobrar o número de franqueados.
Para ele, a mudança nas tarifas estabelecida pela Lei 14.300 pode trazer um hiato para o mercado no decorrer do ano que vem, durante alguns meses, mas no longo prazo o setor ainda deve se manter aquecido. Segundo ele, o efeito da mudança de cobrança de tarifa para a recuperação do investimento é “marginal” e depende de quanto do que se gera de energia será consumido simultaneamente e quanto será injetado na rede.
O efeito da inflação na conta de luz também precisa ser colocado na conta e acaba compensando isso, argumenta. “Esse mercado cresce porque faz sentido financeiramente. Trata-se de uma economia verde na qual a conta fecha.” É preciso lembrar ainda, diz, que a mudança tecnológica em curso aponta para uma demanda cada vez maior de energia elétrica. Ele exemplifica com o avanço de mercado dos carros e baterias elétricos.
A evolução tecnológica também permite o retorno do investimento em prazos mais curtos hoje, diz Pansarella. “Em 2012 ou 2013 o payback se dava em dez anos. Hoje já é possível payback em cinco anos.”
Dados da Absolar mostram que a energia do telhado é puxada principalmente pelas residências, que representam 48,5% da potência instalada. Comércio e serviços vêm logo depois, com 30,1%.
Meyer destaca que cerca de 70% do público residencial que atende demanda um sistema capaz de gerar entre 500 kW e 700 kW mensais, com investimento entre R$ 25 mil e R$ 30 mil, gerando uma economia de R$ 6 mil a R$ 7 mil anuais. O tempo de retorno do investimento também varia conforme a região, destaca ele. Se for um local em Minas Gerais, o retorno é mais rápido. Se for numa região mais chuvosa, como Santa Catarina, exemplifica, é mais demorado.
Em sua loja, Inada faz os cálculos. Praticamente zerar a despesa com luz do comércio reduziu os custos do seu negócio e a possibilidade de fazer a compensação do excedente na residência também ajuda no encontro de contas. Ele espera recuperar o investimento em quatro anos. Já estão no cálculo o efeito da sazonalidade na geração da energia. No momento atual do ano, com dias nublados e chuvas, explica, seu sistema tem gerado algo como cerca de 60% da potência instalada.
Se o equipamento tivesse preço mais acessível, poderia implantar as placas solares também no telhado de casa, avalia. Mas, por enquanto, o comerciante espera os termômetros marcarem dias mais quentes no próximo verão, quando a sua geração própria de energia deve atingir o pico.
Fonte: Valor (18/10/2022)
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