terça-feira, 11 de outubro de 2022

TIC: Enquanto concessões de telefonia só deram lucro, muitas de infraestrutura fracassaram e ainda buscam soluções




Com relicitação de concessões lenta, governos e órgãos reguladores estudam saídas para antecipar obras de infraestrutura   


O setor de infraestrutura chega ao fim de mais um governo sem conseguir uma solução efetiva para as concessões problemáticas do passado. Hoje, a principal saída apresentada é a relicitação, que já teve ao menos dez adesões. Porém, diante da demora e de entraves do processo, as agências reguladoras, empresas e governos começam a propor alternativas para destravar os investimentos e as obras previstas nesses contratos.  

Nas últimas semanas, um acordo inédito entre a Odebrecht e o governo do Mato Grosso surgiu como um possível modelo de solução. A empresa vendeu sua concessão da BR-163, a Rota do Oeste, para a empresa estadual MT Par, que fará aporte de R$ 1,2 bilhão para as obras e assumirá a operação por ao menos três anos - depois, poderá vender o ativo, em uma concorrência na qual a Odebrecht não poderá entrar.    

O arranjo, que recebeu aval do Tribunal de Contas da União (TCU), também prevê mudanças no contrato, como a extensão do prazo, a repactuação do cronograma de obras e a alteração da matriz de riscos, além da possível anulação do passivo regulatório.  

O acordo foi assinado na terça-feira (4) e já movimenta o setor. O governo do Espírito Santo, por exemplo, procurou a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para entender a modelagem e avaliar se seria possível aplicá-la na BR-101. A Eco101, concessão da Ecorodovias, é uma das que pediu para devolver o contrato, para relicitação. “Caso se encaixe em nossa situação, é uma proposta que queremos estudar”, disse, em nota, o secretário de Inovação e Desenvolvimento, Ricardo Pessanha.   

Outros grupos defendem a possibilidade de adotar a solução para operações de venda entre empresas privadas. O desafio, neste caso, é obter o aval para a repactuação dos termos do contrato e do passivo regulatório. Este caminho é mais complexo e possivelmente exigirá uma regulamentação complementar - algo que já está em discussão.  

Na votação do TCU sobre a Rota do Oeste, o ministro relator, Bruno Dantas, ressaltou que o caso é peculiar e que não poderia ser automaticamente replicado.  

Na avaliação do diretor-geral da ANTT, Rafael Vitale, a aplicação do modelo em operações entre empresas privadas demandaria ajustes, mas pode ser viável. A agência começou a estudar a proposta de um novo arranjo, que permitiria a venda da concessão, combinada à sua repactuação, por meio de uma concorrência.  

“Seria um redesenho do contrato, mudar a matriz de risco, suspender o passivo regulatório até a execução das obras. Mas isso não seria feito para uma empresa específica, mas sim por meio de um chamamento público, para ver quem gostaria de assumir nesses termos. E seriam colocados requisitos. Assim, fica preservada a questão da impessoalidade e evita-se uma negociação entre privados sem transparência.”  

Vitale destaca que ainda se tratam de estudos e que a ideia não é fazer nada “a toque de caixa”.  

Na avaliação de uma fonte, que pediu anonimato, a percepção do TCU é que seria necessária uma nova regulamentação por parte do governo para que o modelo seja aplicado a operações entre privados. Para essa fonte, é importante garantir que o mecanismo não crie incentivos errados - por exemplo, de transferências sucessivas como estratégia para zerar os passivos regulatórios.  

O estudo de alternativas não significa que a relicitação não será viável. Hoje há ao menos dez processos em curso: seis rodovias, três aeroportos e uma ferrovia.  

A maior parte dessas concessões fracassadas foi licitada durante o governo de Dilma Rousseff, em um momento de extremo otimismo em relação ao crescimento do Brasil. Com a crise econômica e os escândalos de corrupção deflagrados pela Lava-Jato, as empresas se viram sem acesso a crédito, e os ativos sofreram quedas de demanda. Ao mesmo tempo, restaram as obrigações de investimento, outorgas e dívidas bilionárias a serem quitadas.   

A lei da relicitação veio em 2017 para dar uma solução aos projetos que se tornaram insustentáveis. O modelo prevê a devolução amigável dos contratos, para que o governo federal faça a relicitação. Até lá, o operador continua fazendo a manutenção. Ao fim do processo, a empresa sai e recebe uma indenização pelos investimentos não amortizados.  

O processo foi regulamentado em 2019. Apesar das muitas adesões desde então, até agora nenhuma relicitação saiu do papel. Analistas apontam como problemas a lentidão no processo, dúvidas sobre o cálculo da indenização e incertezas diante de conflitos com os operadores antigos.  

Para Vitale, da ANTT, há uma curva de aprendizado a ser vencida, mas, após os primeiros casos, o processo tende a se consolidar.  

Na visão da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), há dois caminhos para as concessões de aeroportos problemáticas: a relicitação; e a antecipação do pagamento de outorgas com desconto, afirma o diretor Tiago Pereira.  

Esta última opção foi criada em uma lei de 2020. A ideia é equilibrar o balanço das concessionárias, principalmente as mais antigas, que precisam pagar outorgas fixas anuais - esses desembolsos elevados foram um dos principais problemas no setor aeroportuário. A antecipação prevê descontos significativos. Para alguns, a queda do valor presente líquido chega a 50%, diz Pereira.  

Já nos contratos mais problemáticos, a relicitação será a solução, segundo ele. O processo mais adiantado é o do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), em devolução pela Inframérica.  

Este poderá se tornar o primeiro ativo a concluir a relicitação. O processo está em fase final de análise pelo TCU, e a Anac planeja publicar o leilão ainda neste ano. A Inframérica diz, em nota, que “cumpriu todos os requisitos legais e acredita que em breve será publicado o edital de relicitação”.  

Outro caso, mais complexo, é o aeroporto de Viracopos. A concessionária, que estava em recuperação judicial, aderiu à relicitação como última saída para evitar a decretação de sua falência. Porém, a empresa questiona o plano do governo de pagar apenas a parcela incontroversa da indenização antes da transferência do ativo. A segunda parte, que seria definida após decisão de arbitragem, seria paga com precatórios.   

Em paralelo a esse questionamento, os acionistas de Viracopos tentarão convencer o governo a desfazer o acordo de devolução, sob o argumento de que a relicitação não traz vantagens.  

Entre advogados, as soluções ideais para as concessões variam. Para Lucas Sant'Anna, sócio do Machado Meyer, a relicitação é o principal caminho. Ele defende medidas para destravar o processo. A primeira é que as agências tenham mais celeridade no cálculo da indenização. A segunda é que o governo dê segurança de que o ressarcimento será pago de imediato, após as decisões arbitrais, e não via precatórios.  

Rodrigo Campos, do Porto Lauand Advogados, acredita que a relicitação será usada de forma pontual. Para ele, os projetos mais avançados, como o aeroporto de São Gonçalo do Amarante e a Via040, rodovia da Invepar, conseguirão ser bem sucedidos.  

Massami Uyeda Junior, sócio do Arap, Nishi & Uyeda Advogados, é cético em relação à relicitação. Para ele, a saída mais interessante é replicar o caso da Rota do Oeste para operações privadas. “Quando se observa os argumentos do TCU, nenhum deles se vincula ao fato de a transferência ser a uma empresa pública”, diz.

Fonte: Valor (10/10/2022)

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