Em artigo de opinião, autor americano Max Read afirma que "se a rede já não é 'divertida' para nós é porque não é mais nossa, é da Geração Z"
Geração Idosa: são as pessoas nascidas antes de 1965;
Geração X: são as pessoas nascidas entre 1965 e 1984;
Geração Y (Millennials): são as pessoas nascidas entre 1985 e 1999;
Geração Z: as pessoas nascidas entre 2000 e 2010;
Geração Alfa: as pessoas nascidas a partir de 2010 até o momento.
Desde o início da minha vida profissional, começo praticamente todos os dias de trabalho com um ritual de produtividade extremamente importante: faço café, me sento ao computador e fico fuçando na internet durante mais ou menos uma hora. Pela maior parte da carreira como escritor, essa "tarefa" sempre foi tranquila; tenho conta em dezenas de redes sociais, fóruns e comunidades on-line cheios de gente tão entediada e disposta a matar o tempo quanto eu, cheia de criatividade e prazer. Ou pelo menos com umas piadas bem decentes e toleráveis.
Ultimamente, porém, tenho achado que ficar de bobeira on-line está cada vez mais difícil. Os sites que frequento estão ficando ruins, e parece que não há opção. Sob a nova direção, o Twitter virou um experimento social cada vez mais insuportável chamado X; o Instagram está se transformando em um TikTok de nível ainda mais baixo e o próprio TikTok continua a me confundir e a me alienar. Até o Reddit, última salvação confiável para a perda de tempo, foi derrubado em junho, vítima da revolta dos usuários com as novas políticas e os termos de uso.
A internet está mudando e não sou o único que percebeu isso. Em todo site em que entrei este ano tinha alguém reclamando: a Amazon está "se esforçando para piorar" (como lamentou a revista "New York"); o Google Search é uma tragédia "inchada e supermonetizada" (como resmungou "The Atlantic"); "as redes sociais estão fadadas à morte" (como proclamou o site de notícias da tecnologia The Verge); até o TikTok está ficando "enlixado" (plagiando a invenção criativa do escritor de ficção científica Cory Doctorow, republicado na "Wired"). Mas a grande queixa que tenho ouvido foi resumida da melhor forma, e mais explícita também, pela "The New Yorker": "A internet perdeu a graça."
Período de transição
É indiscutível que vivemos um período transicional na curta história da rede. O fim da era dos juros baixos sacudiu a economia das startups, acabando com as práticas de crescimento rápido como "blitzscaling" e reduzindo o número de novas empresas do setor na disputa pela nossa atenção; companhias como a Alphabet e o Facebook, hoje maduras e dominantes, há muito deixaram de ser novatas revolucionárias. Mas desconfio que haja outro fator contribuindo para a alienação e o desconforto sentido por muitos daqueles que acham que a rede está morrendo diante dos nossos olhos: estamos envelhecendo.
Há mais de uma década, os millennials como eu efetivamente (e no caso do membro mais rico da nossa faixa etária, Mark Zuckerberg, literalmente) mandam na internet. Fomos os usuários iniciais do smartphone e chegamos a liderar consistentemente (não que esteja me gabando) como o grupo geracional com mais tempo de tela. Nesse período, nós nos acostumamos a uma internet cuja forma e cultura foram moldadas principalmente por e para nossas preferências. A internet norte-americana dos anos 2010 era, no geral, burra e quase sempre constrangedora — mas tinha a cara dos millennials. Não havia redes sociais nas quais nos sentíssemos pouco à vontade, nenhuma tendência cultural com as quais não nos envolvêssemos, nenhuma imagem macro que não entendêssemos.
Mas parece que isso está mudando. Houve um tempo na minha vida em que era a coisa mais normal me inscrever em uma rede social nova e ir entendendo o esquema, pegando o jeitão com o uso; hoje, fico cansado só de pensar.
O Google Search e a Amazon podem ter piorado em termos absolutos, mas aconteceu o mesmo com a paciência para as pesquisas. Aos millennials — na rede e fora dela — estão se juntando gente que nunca perguntou "i/s/l" (idade, sexo, localização) em uma das salas de bate-papo do AOL. Estamos acostumados a usar a compreensão inerente da capacidade e da cultura da rede a nosso favor; o conhecimento de "como fazer pesquisa no Google", "como usar emojis" e "como usar o meme do Sr. Wonka sarcástico", que antes nos dava vantagem em ambientes de trabalho multigeracionais e ambientes sociais, é simplesmente irrelevante para os mais novos.
De acordo com a firma de pesquisa do consumidor GWI, o tempo de tela do millennial vem em queda constante há anos: somente 42 por cento da faixa dos 30-49 anos disseram permanecer conectados "quase constantemente", comparados a 49 por cento do grupo entre 18-29 anos. Já não somos nem pioneiros, pois esse segundo grupo tem muito mais probabilidade de ter usado o ChatGPT do que o primeiro – embora talvez porque já tenhamos passado do tempo de fazer lição de casa.
Essas estatísticas confirmam o que uma pesquisa rápida nas postagens populares no TikTok, Instagram ou X já lhe dizem: os usuários mais frequentes e engajados na internet dos EUA não são os millenials, mas nossos sucessores da Geração Z. E se a rede já não é "divertida" para nós é porque não é mais nossa; agora pertence aos zoomers.
E, pelo menos a princípio, é bem diferente da nossa. As celebridades são irreconhecíveis (Kai Cenat???); as gírias, impenetráveis (gyatt???); os formatos são novos (GRWM???). As fotos no Instagram de pratos dispostos meticulosamente, austeras e de bom gosto, foram substituídas por vídeos longos com iluminação feérica de refeições em restaurantes postados no TikTok. As postagens de blog com comentários informais sobre as notícias foram substituídas por vídeos das sessões de gravação para podcasts. Não é à toa que os millennials se sentem tão alienados: a linguagem e o ambiente da internet agora nos são completamente estranhos.
Diversão de outra geração
No entanto, parece que os zoomers — e os adolescentes da Geração Alfa que já lhes beliscam o calcanhar — ainda conseguem se divertir bastante on-line. Mesmo que eu ache tudo ininteligível e um tanto irritante, a expressão criativa e a sociabilidade exuberante que tornaram a internet tão "divertida" para mim há uma década agora estão bombando entre o pessoal de 20 e poucos no TikTok, no Instagram, no Discord, no Twitch e até no X. "Banheiro skibidi", "Fanum tax", "rizzler"... Não vou nem me dar ao trabalho de dizer que sei o que são esses memes e por que são interessantes; só sei que os zoomers parecem adorá-los. Ou pelo menos percebo que adoram usá-los para confundir e alienar millenials de meia-idade como eu.
É verdade que a diversão de que estou falando é cooptada e explorada por meia dúzia de empresas poderosas e ricas — mas essas mesmas plataformas querem intermediar e mercantilizar nossa atividade on-line desde o início da internet comercial. A exaltação dos millennials à internet "divertida" normalmente se baseia na visão otimista da rede nos anos 2000 e 2010 como um espaço livre e de experimentação que nem sempre resiste a uma análise mais profunda; as plataformas movidas a engajamento sempre cultivaram os influenciadores, o abuso e a desinformação. Se formos mais a fundo, a impressão é que o que mudou na internet nos últimos anos não foi a dinâmica estrutural, mas sim a significância cultural.
Em outras palavras, o "enlixamento" sempre ocorreu na internet comercial, cujo modelo de negócios baseado principalmente em anúncios parece obrigar a um eterno nivelamento por baixo. Talvez o que os usuários frustrados, alienados e mais velhos como eu estejam passando não sejam só as consequências de uma internet "emporcalhada", mas também a perda da flexibilidade cognitiva, do senso de humor e de um volume quase infinito de tempo livre para navegar todo esse lixo confuso de forma cuidadosa e alegre.
Sinceramente, isso deveria ser libertador. Manter-se on-line praticamente o tempo todo em uma internet voltada para seus interesses (da mesma forma que a heroína é voltada para seu cérebro) não é exatamente um meio de qualidade para alcançar a felicidade pessoal. Mesmo os jovens lhe dirão que, no máximo, têm uma relação ambivalente com a rede. Quanto mais alienante ela me parece, mais chances de que eu use bem (de forma útil) as horas que antes passava navegando ali. Ou, pelo menos, serão maiores as probabilidades de encontrar nichos — grupos de bate-papo, fóruns e outros espaços — voltados para meus interesses específicos, e não para a isca do engajamento geral dominante.
E mesmo que você tenha inveja dos zoomers, de suas conversas no Discord e dos memes no TikTok, pense que a inevitabilidade combinada da degradação e do declínio cognitivo significa que a internet também vai morrer um dia, e a Geração Alfa terá a própria era de memes inescrutáveis e influenciadores alienantes. E então os zoomers, como os millenials, se sentirão da mesma forma que os boomers andam há décadas: irritados e desconfortáveis ao computador.
Fonte: O Globo (01/01/2024)
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