Especialistas dizem que a demora do Instituto em conceder os benefícios e analisar os recursos administrativos é um dos motivos do aumento
No momento em que o governo tenta aprovar o parcelamento dos precatórios (dívidas judiciais que não podem mais ser contestadas), esses débitos continuam aumentando. Somente nos primeiros seis meses do ano, as sentenças judiciais de temas previdenciários somaram R$ 16,1 bilhões, 25,8% a mais que em igual período do ano passado e acima do registrado em todo o ano de 2018.
O governo diz não saber as causas dessa alta nos últimos anos. Especialistas dizem que a demora do INSS em conceder os benefícios e analisar os recursos administrativos seria um dos motivos do aumento das ações.
As projeções do Ministério da Economia com sentenças judiciais previdenciárias são de uma despesa total de R$ 22,6 bilhões este ano. Mas os técnicos já admitem que o valor será ultrapassado. E ainda projetam um crescimento de 30% em 2022.
A elevação ocorre tanto nas chamadas requisições de pequeno valor (RPVs), que tratam de decisões judiciais de até 60 salários mínimos (R$ 66 mil) e são pagas em até dois meses, como dos precatórios de maior valor, que podem demorar até dois anos para serem quitados, dentro da programação orçamentária do governo.
Entre 2017 e 2020, as despesas com as dívidas menores subiram 34,56%, saindo de R$ 8,1 bilhões para R$ 10,9 bilhões. O valor desembolsado no primeiro semestre deste ano atingiu R$ 6,3 bilhões, alta de 31,25% em comparação com o mesmo período de 2020.
Já as despesas com precatórios quase dobraram entre 2017 e 2020, saindo de R$ 5,2 bilhões para R$ 9 bilhões. Entre janeiro e junho deste ano, a alta foi de 22,5% em relação ao primeiro semestre de 2020.
O aumento das condenações judiciais previdenciárias sem recursos para a União agrava a situação das contas públicas. A despesa com precatórios totais da União, que este ano foi de R$ 54,7 bilhões, vai subir para quase R$ 89,1 bilhões em 2022 e avançou na folga fiscal de R$ 30 bilhões que o governo contava para reformular o Bolsa Família.
Para tentar contornar isso, o governo enviou ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para parcelar os precatórios acima de R$ 455 mil, inclusive previdenciários, em dez anos. O projeto, porém, enfrenta a resistência de parlamentares e especialistas, que veem na medida uma espécie de “calote temporário”.
Justiça mais restrita
Além dos valores em si, chama a atenção de técnicos do governo a falta de conhecimento detalhado da causa desse fenômeno. O governo não sabe porque essas ações vêm crescendo e planeja criar um grupo de trabalho para estudar o tema.
Suspeita-se, de forma reservada, que a demora do INSS em analisar pedidos de aposentadoria e pensão fez aumentar os processos na Justiça.
Atualmente, há cerca de 1,8 milhão de pessoas que pediram benefícios e esperam resposta. A reforma previdenciária de 2019 também é apontada como uma da prováveis causas desse aumento de condenações.
A alta no número de sentenças contra o governo veio mesmo com as restrições ao acesso à Justiça, como a concentração nas ações na Justiça federal. Quem quiser processar o governo nas questões previdenciárias terá barreiras para usar a Justiça estadual, que tem mais varas no país.
Esse canal só poderá ser usado se não houver vara federal a 70 quilômetros de onde a pessoa reside.
Além disso, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado, limitou a correção monetária das quantias nos processos à variação da poupança. Antes, o valor era corrigido pela inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais percentuais que variavam entre 0,5% e 1%.
Este ponto, disseram alguns técnicos de forma reservada, pode explicar parte destes questionamentos judiciais.
O grupo de trabalho que está sendo formado contará com representantes do INSS, do Ministério do Trabalho e da Previdência, sob a coordenação pela Advocacia-Geral da União (AGU), para estudar o problema, traçar um diagnóstico e propor soluções.
A ida de Bruno Bianco para a AGU é vista como positiva porque ele é especialista no tema e já havia sido alertado para o problema quando ocupava o cargo de secretário especial de Previdência.
Além disso, a Procuradoria Geral Federal é um dos braços da AGU. O plano prevê também reforço na qualidade de defesa das ações, dentro dos prazos previstos em lei.
Falta pessoal
Com uma fila de requisições de 1,8 milhão de trabalhadores, o INSS fez acordo com o Ministério Público Federal para cumprir prazos que variam entre 30 e 90 dias na análise dos pedidos de benefício. Mas, dependendo da complexidade do caso, a demora chega a um ano.
O problema se repete no Conselho de Recursos, que pode levar entre 18 meses e dois anos para decidir sobre um pedido negado pelo INSS ao trabalhador, na esfera administrativa.
Para o advogado Leandro Murilo Pereira, presidente da comissão estadual de direito previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil - seção Paraná (OAB-PR), o governo precisa atacar primeiro a causa do problema, que é a ineficiência do INSS, antes de tentar reduzir a judicialização:
— A gente tem uma autarquia precária. Faltam pessoal, investimento em tecnologia e infraestrutura, além de treinamento para que os servidores possam se atualizar. Às vezes, um pedido de benefício é negado por falta de conhecimento — diz Pereira.
Ele ressalta que é preciso atualizar e consolidar as normas derivadas da reforma da Previdência. A instrução normativa do INSS é de 2015 e se tornou uma colcha de remendos de portarias e decretos:
— A solução não deve vir no sentido de restringir o acesso à Justiça, mas evitar que o trabalhador tenha de recorrer à Justiça, resolvendo o problema na esfera administrativa.
Onyx Lorenzoni, ministro do Emprego e Previdência, disse ao GLOBO na semana passada que uma de suas prioridades é acabar com a fila no INSS. Além de reeditar a política de pagamento de bônus aos servidores para acelerarem a análise de processos represados, ele pretende deslocar para a autarquia funcionários da Infraero que ficaram ociosos com a privatização dos aeroportos, mas não explicou como isso seria possível juridicamente.
O que prevê o projeto do governo
Parcelamento
- A PEC dos Precatórios prevê o parcelamento de dívidas judiciais de valor mais elevado. Essas dívidas terão apenas 15% do seu valor pago no primeiro ano, com o restante sendo parcelado em nove anos.
Teto para pagamento à vista
- O valor de corte para ter a dívida parcelada, e não paga à vista, para 2022, será de R$ 455 mil.
Superprecatórios
- Todas as dívidas acima de R$ 66 milhões (ou mil vezes 60 salários mínimos) serão parceladas, de acordo com a PEC do governo.
Valores menores
- Dívidas de pequeno valor, abaixo de R$ 66 mil (60 salários mínimos), não serão pagas de forma parcelada.
Regra intermediária
- A PEC prevê que, até 2029, o governo só poderá gastar até 2,6% de sua receita corrente líquida com precatórios. Por essa regra, em 2022, apenas os precatórios abaixo de R$ 455 mil serão pagos à vista.
Requisições de pequeno valor
- São dívidas limitadas a 60 salários mínimos (ou R$ 66 mil). O prazo de pagamento é mais curto, atualmente de dois meses.
Dívidas maiores
- Elas podem levar dois anos para serem pagas. É preciso pedir no primeiro semestre do ano para receber no ano seguinte.
Fonte: O Globo (20/08/2021)
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