sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Planos de Saúde: Hipervulnerabilidade do idoso na rescisão do contrato de plano de saúde coletivo

 


A portabilidade como solução da questão

A obrigação das operadoras de plano de saúde e os direitos dos beneficiários enchem o Judiciário de importantíssimos debates. Quando se está diante de um usuário idoso a questão ganha em si contornos diferenciados, que demandam uma análise própria, que deve ser feita com um olhar cuidadoso sobre o direito à saúde das pessoas maiores de 60 anos.

O processo de transição demográfica e a maior longevidade da população geram uma tendência de crescimento da utilização dos serviços de saúde dos beneficiários idosos e o consequente aumento dos custos relacionados à assistência à saúde.

As leis vigentes hoje no país – como o Estatuto do Idoso, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a própria Lei de Plano de Saúde – já evidenciam uma necessidade de que se confira um tratamento diferenciado e cuidadoso ao beneficiário idoso.

Considerando que o consumidor é tratado como vulnerável diante do fornecedor, o consumidor idoso apresenta uma vulnerabilidade potencializada, já que é mais suscetível à doença e, consequentemente, mais dependente dos serviços de assistência à saúde. Diante dessa sua maior necessidade, pode ser colocado sob domínio das operadoras ou recorrer ao sobrecarregado sistema público de saúde.

As relações contratuais envolvendo esses dois personagens devem ser sempre desenvolvidas sob o panorama da boa-fé objetiva e da função social do contrato. As obrigações assumidas pelas operadoras diante dos usuários idosos não se satisfazem com a simples prestação continuada de serviços ou cobertura de custos com assistência à saúde, mas sim fazê-lo com espírito cooperativo, focando sempre na pessoa humana como protagonista.

Diante disso, é importante debater sobre as obrigações das operadoras, que deixam de oferecer ao beneficiário maior de 60 anos, que contribuiu por mais de 10 anos, qualquer alternativa razoável para manutenção dos serviços quando da resilição do contrato coletivo.

A Constituição Federal, ao qualificar os serviços de saúde como de relevância pública e tutelar o dever de amparo aos idosos, manifesta preocupação com a saúde na velhice e confere especial proteção aos contratos de plano de saúde firmados com idosos.

Essa proteção se concretiza com a imposição às operadoras de comportamento que contribua para o atendimento dos valores sociais buscados pelo legislador, que minimizem a condição de hipervulnerabilidade do idoso.

A resilição unilateral e imotivada do contrato de plano de saúde coletivo é considerada lícita pela pacífica jurisprudência do STJ, desde que cumprido o prazo de vigência de 12 meses e de que haja notificação prévia do contratante com antecedência mínima de 60 dias. Exceção a essa regra é quando o usuário se encontra em tratamento médico garantidor da sobrevivência e/ou incolumidade física.

Deveria ser incluído a essa exceção a situação de beneficiários idosos que se encontram em situação de extrema dependência do serviço de assistência à saúde?

O Conselho de Saúde Suplementar da ANS editou a Resolução nº 19/1999 que disciplinou a absorção do universo de consumidores pelas operadoras de planos de saúde que operam e administram planos coletivos que vierem a ser liquidados ou encerrados.

De acordo com a norma, as operadoras são obrigadas a disponibilizar plano na modalidade individual aos beneficiários no caso de resilição do contrato coletivo. A regra se aplica a todos os beneficiários, idosos ou não. A mesma norma prevê que a obrigação mencionada se aplica somente se a operadora tiver registro na ANS para comercialização da modalidade individual.

Ou seja, as operadoras que comercializem contratos apenas na modalidade coletiva não são obrigadas a disponibilizar contratos individuais ao universo de beneficiários do contrato coletivo rescindido.

Isso ocorre, pois a operadora não pode ser obrigada a fornecer um produto (plano individual) se ela não o disponibiliza no mercado (ou seja, não tem registro na ANS para comercializar essa modalidade). O STJ também tem entendimento pacificado no sentido de que não há ilicitude na recusa das operadoras de planos de saúde em comercializar planos individuais caso atue exclusivamente no segmento de planos coletivos.

Não há norma que as obrigue a atuar em determinado ramo da saúde. O que é vedado e merece atenção é a discriminação de consumidores a produtos e serviços que já são oferecidos no mercado de consumo.

A mera resilição do contrato de plano de saúde coletivo não é considerada pela Corte como discriminatória. Os contratos são extintos para todos os beneficiários, de todas as idades, o que afasta qualquer arbitrariedade, abusividade ou má-fé.

Impende mencionar que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios instaurou Procedimento de Investigação Preliminar (PIP) noticiando a negativa de comercialização de planos individuais por parte de algumas operadoras, o qual foi arquivado por ausência de indícios de ilegalidade, concluindo pela desnecessidade de ajuizamento de ação para a proteção de direitos coletivos.

Não há dúvida de que a pessoa idosa ostenta a condição de hipervulnerável e merece proteção especial. Mas vale lembrar que já existem políticas públicas que visam proteger essa parcela da população, havendo mecanismos derivados de ações afirmativas como o custeio intergeracional, a vedação de reajuste de faixa etária após os 60 anos, a manutenção após a aposentadoria no plano coletivo empresarial, a proibição da seleção de risco, entre outros.

Tais políticas públicas são estruturadas de forma democrática, considerando estudos de impacto no mercado, com avaliações de viabilidade periódicas e com audiências públicas, permitindo a participação de todos os envolvidos.

No caso de resilição do contrato coletivo, a situação do usuário que está sob tratamento médico e deve ser amparado temporariamente pela operadora até respectiva alta não se equivale a do idoso que está com a saúde em dia e pode ser reabsorvido por outro plano de saúde, individual ou coletivo, sem carências, oferecido por empresas diversas.

Não se revela adequado que o Judiciário obrigue operadoras de plano de saúde que comercializam, em seu modelo de negócio, apenas planos coletivos a oferecer também planos individuais tão somente para idosos e com valores de mensalidade defasados, de efeito multiplicador e sem que seja mantida a mutualidade do contrato. O resultado seria a extinção das operadoras.

A função social do contrato não deve ser usada para ignorar por completo a função econômica do contrato. E a insolvência das operadoras e o colapso da Saúde Suplementar nos afastaria do cumprimento da proteção do princípio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, para resolver a questão de forma equilibrada, o instituto da portabilidade de carência se mostra razoável e adequado para assistir a população idosa, sem que haja a quebra da mutualidade do contrato, com a consequente onerosidade em demasia aos demais personagens da saúde suplementar.

Fonte: Jota (12/08/2021)

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