sexta-feira, 18 de março de 2022

Comportamento: Mutação BA.2 da ômicron avança na Europa e cientistas temem alta no Brasil



No momento em que os números da pandemia no Brasil voltam ao ritmo de queda, países da Europa enfrentam uma nova alta nos casos de covid-19. A preocupação por lá vem junto com o avanço de uma das subvariantes da ômicron, a BA.2, que cientistas apontam como mais contagiosa que a cepa original.  

O cenário europeu preocupa pesquisadores brasileiros, que temem uma nova alta de casos no país nos próximos dias, em especial após diversas cidades acabarem com a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais abertos.  

Enquanto o Brasil amplia a flexibilização, Alemanha e Áustria registraram, na semana passada, número de casos recorde. No Reino Unido, já são duas semanas seguidas de alta de casos. Já na França —que enfrentou recentemente um pico de infecções seguido de um recuo—, voltou, na última semana, a registrar aumento (19,8%). Na Itália, a alta é de 29,2%.   

Por trás da elevação pode estar o avanço da BA.2, também chamada de subvariante furtiva —ela não possui o marcador genético que os pesquisadores estavam usando para identificar rapidamente se uma infecção era um caso de ômicron regular (BA.1 ) ou de delta.  

No Brasil, a BA.2 já foi identificada em pelo menos quatros estados (São Paulo, Rio, Goiás e Santa Catarina), segundo o painel de variantes da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Entretanto, como o Brasil tem sequenciado um número muito reduzido de amostras, a tendência é que o quadro esteja defasado.  

Em fevereiro, segundo a Fiocruz, as principais subvariantes da ômicron que circularam no Brasil foram:  

  • BA.1: 78.2% 
  • BA.1.1: 21.2% 
  • BA.2: 0.4% 

Vale lembra que não estamos falando da deltacron, um vírus recombinante das variantes delta e ômicron, que foi encontrada no Brasil apenas após fevereiro.  

Segundo a epidemiologista e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Ligia Kerr, cientistas já sabem que a BA.2 está se espalhando de forma mais rápida que a ômicron. "Isso deve servir de alerta para o Brasil. Para mim, nós seremos a Europa amanhã", afirma.  

Além disso, a pesquisadora aponta que a subvariante pode também causar uma doença mais grave, assim como a variante delta. "Ela escapa da imunidade das vacinas para a infecção, mas felizmente parece que temos proteção contra casos graves e óbitos", ressalta.  

Mas para Kerr, as políticas dos governantes europeus —que estão sendo tomadas em algumas cidades brasileiras— de abandonar o uso de máscaras obrigatório tem sido decisivo na disseminação —e até criação— de variantes.  

"Todos os países que suspenderam as medidas de proteção não farmacêuticas, como máscaras e distanciamento físico, com raríssimas exceções, tiveram aumento, seja imediato ou logo depois da implantação destas medidas", afirma.  

O fim da pandemia não virá por decreto. Essa ideia de que as novas variantes seriam mais 'mansas' já deu para perceber que estava errada. Isto pode ser até uma tendência dos vírus, mas nós estamos abusando de comportamentos que permitem ele fazer o contrário.

O pesquisador Miguel Nicolelis segue raciocínio semelhante e vê que o tempo decorrido da pandemia levou a maioria dos governantes a desistir, pela exaustão, de combater a covid-19 —justo no momento em que o vírus se torna ainda mais contagioso.  

"A BA.2 e a BA.2.2 parecem ser mais transmissíveis e mais letais que a ômicron. Veja a China, que está confinando milhões. Hong Kong está entrando num colapso funerário neste momento. O coronavírus, se pudesse falar, diria: o problema não sou eu, são vocês mesmos", afirma. 

Comportamento define alta 

O virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale (RS), ressalta que o vaivém de variantes não alterou a necessidade de cuidados individuais ou sociais —o que demonstra que o maior problema pode estar no nosso comportamento. "Na verdade é a variante [por trás da alta na Europa], ou está se dando um espaço enorme para ela?", questiona.  

Ele lembra que muitos dos países que enfrentam alta agora tiraram todas as barreiras, facilitando a circulação do coronavírus. "Se fosse restrito à retirada de máscaras ao ar livre em ambientes sem aglomeração, o efeito seria mínimo, independente da variante. Mas retirar em local fechado, no transporte público com outras pessoas sem máscara é loucura. Aí realmente não vai ter como segurar", diz.   

Alexandre Naime, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e chefe da infectologia Unesp (Universidade Estadual Paulista) alerta que a BA.2 é mais suscetível a provocar reinfecções. "Pessoas que tiveram BA.1 podem pegar a BA.2. Temos mais preocupação com isso", afirma.  

Diante desse cenário, Naime assegura que não é um momento adequado para eliminar o uso de máscaras no Brasil. "Nós acabamos de sair de uma terceira onda grande causada pela ômicron, e a BA.2 vai ser dominante aqui em breve. Nos preocupa isso porque não estamos vivendo sequer queda sustentada de casos: estamos em um platô, não é hora de medidas mais ousadas, como fez o Rio ao abolir máscaras em local fechado", pondera.   

Cenários variáveis 

O também epidemiologista Antônio Lima Neto, da Unifor (Universidade de Fortaleza), lembra que o repique levou países europeus a cogitarem aplicar uma quarta dose da vacina. Entretanto, ele afirma ter percebido que a elevação no número de casos não vem acompanhado por mais casos graves e hospitalizações como antes. "A vacinação está protegendo", diz.  

O epidemiologista, porém, diz que mesmo países que adotaram medidas semelhantes vivem hoje momento diferentes da pandemia na Europa.  

"Por exemplo: se você diz que o aumento está acontecendo agora na Alemanha é por que as restrições foram retiradas. Mas por que não está acontecendo na Espanha, que também retirou essas restrições? Precisaria ver essa correlação entre países", afirma. A Espanha vem registrando quedas consecutivas no número de casos depois do recorde registrado na semana do dia 10 de janeiro. 

Para o pesquisador o que acontece na Europa não necessariamente se refletirá no Brasil no caso de uma nova onda gerada pela BA.2.  

A comparação com outras realidades pode ser perigosa. Um exemplo foi a introdução da delta, que foi completamente inócua. Ela predominou, mas não inverteu a tendência de curva de casos e óbitos. Nem sempre novas variantes invertem a tendência. Isso depende de muitos fatores, ainda são muitas incertezas.

O virologista Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia, também não acredita que a chegada da BA.2 cause o mesmo impacto de outras ondas. "Já temos algumas amostras com a BA.2 detectadas aqui. Algum aumento de casos é possível, mas depois das vacinas e da ômicron seria uma surpresa um aumento de casos graves", afirma. 

Fonte: UOL (16/02/2022)

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