quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Mundo: Fundos de pensão no Reino Unido são obrigados a vender ativos de planos BD

  


Maioria dos planos de benefícios definidos usa derivativos para fazer “hedge” contra oscilações dos juros e da inflação, o que exige acréscimo de dinheiro em garantia, dependendo das variações do mercado

Os fundos de pensão britânicos estão vendendo grandes quantidades de ações e bônus para levantar dinheiro. Tentam também obter pacotes de socorro financeiro de seus patrocinadores corporativos, num momento em que uma crise afetou o setor, na semana que sucedeu ao “mini” Orçamento do governo.  

A maior parte dos 5.200 planos de benefícios definidos do Reino Unido usa derivativos para fazer “hedge” contra oscilações das taxas de juros e da inflação, que exigem acréscimo de dinheiro em garantia, dependendo das variações do mercado.    

A queda acentuada de preço dos bônus de 30 anos do governo, desencadeada pelo anúncio da redução dos impostos da semana anterior, levou a chamadas de margem, ou pedidos por mais dinheiro. Para levantar esses recursos, os fundos de pensão venderam ativos - incluindo bônus do governo, os gilts -, o que levou os preços a cair ainda mais.  

O Banco da Inglaterra (BoE) interveio para comprar bônus do governo britânico na quarta-feira, o que estabilizou o mercado, mas os fundos de pensão continuam a vender ativos para cumprir os pedidos de pagamento de garantias adicionais. “Há muitos problemas nesse setor, muitas vendas forçadas”, disse Ariel Bezalel, gestor de fundos da Jupiter. “As pessoas que estão recebendo pedidos de garantias adicionais estão tendo de vender o que podem, e não o que gostariam de vender.”   

Ele disse que a intervenção do BoE ajudou a reduzir os rendimentos pagos sobre os bônus de vencimento mais longo, mas que outros ativos, como bônus corporativos, continuavam “sob pressão”, porque os fundos de pensão estavam “tendo de liquidar papéis”. E acrescentou: “Estamos vendo títulos de grau de investimento de muita qualidade sendo postos à disposição... nomes como Heathrow, John Lewis, Gatwick, BT - com fundamentos sólidos -, para levantar dinheiro.”  

Bônus corporativos de alta classificação denominados em libra esterlina estão sob forte pressão de venda, com os rendimentos tendo disparado 1 ponto percentual, para 6,58%, segundo um índice da Ice Data Services, desde que foi anunciado o pacote fiscal do Reino Unido. Os rendimentos deram um salto de 1,63 ponto percentual neste mês, sua maior alta histórica já registrada.  

Christian Kopf, diretor de gestão de fundos de renda fixa da Union Investment, disse que a gestora de € 416 bilhões em ativos conseguiu abocanhar papéis denominados em libra esterlina, como bônus da Telefónica, “a baixo preço”. O papel da Telefónica vence no fim deste ano, o que significa que seu risco é muito baixo; mesmo assim, estava precificado com desconto devido às “vendas por pânico da parte dos fundos de pensão [do Reino Unido]”.  

“Algumas pessoas perderam dinheiro, mas para nós foi ganho”, acrescentou Kopf.  

Ross Mitchinson co-CEO da corretora britânica Numis, disse: “Houve venda forçada de tudo - tanto ações como bônus”. O índice FTSE 250, centrado no mercado doméstico do Reino Unido, caiu mais de 5% na semana passada.  

Alguns gestores de estratégias de investimento orientadas por dívida (LDI, nas iniciais em inglês) estão exigindo mais dinheiro para financiar a mesma posição em derivativos, numa corrida por segurança. Estão entre as maiores gestoras a Legal and General Investment Management (LGIM), a BlackRock e a Insight Investment.  

Para financiar os pedidos de pagamento de garantia adicional, alguns fundos de pensão recorreram aos patrocinadores para que respaldassem seus planos de obtenção de recursos. O grupo de realocação de serviços Serco forneceu 60 milhões de libras esterlinas após uma solicitação dos administradores do fundo de pensão, segundo uma pessoa a par da questão - uma medida muito pouco habitual para um plano corporativo bem capitalizado. A Sky News foi a primeira a relatar o movimento.   

Andrew Lewis, diretor financeiro do grupo aeroespacial Chemring, disse que o fundo de pensão da empresa vendeu toda a sua carteira de ações três semanas antes, ao prever problemas. “Vimos os rendimentos dos bônus do governo subirem... e você nunca quer ser um vendedor forçado de um ativo líquido com ‘valuation’ deprimido. Vendemos toda a nossa carteira de ações ao prever que haveria chamadas de margem pela [estratégia] LDI.”  

Enquanto alguns fundos continuam a se apressar em levantar recursos para financiar suas posições em derivativos, outros tiveram suas posições desfeitas por gestores de LDI, inclusive a BlackRock, o que os deixou expostos a novas variações das taxas de juros e da inflação.  

Natalie Winterfrost, gestora de fundos da Law Debenture, disse: “Há, sem dúvida, fundos que foram obrigados a sair do jogo. Há um número significativo de fundos de pensão que terão de fechar por falta de proteção, com muitos mais totalmente sem hedge. Se os rendimentos dos títulos governamentais caírem mais, suas posições de financiamento vão se deteriorar”.  

Simeon Willis, um dos sócios do XPS Pensions Group, disse: “Pode haver muitas centenas de fundos que tiveram seus hedges reduzidos ou eliminados. Isso significa que suas posições de financiamento estão muito mais vulneráveis agora do que estavam uma semana antes”.  

Embora os fundos de pensão estejam ainda se apressando em reagir às condições extremas do mercado, a situação está mais calma do que antes da intervenção do BoE no mercado. No entanto, muitos estão preocupados com o que acontecerá após o fim das compras de bônus pelo banco central britânico, que deverão terminar no dia 14.  

David Fogarty, da Dalriada, uma empresa de gestores de fundos de pensão, disse: “Como empresa, continuamos preocupados com a possibilidade de, quando o relógio assinalar o fim da intervenção prometida pelo BoE, vermos uma reedição dos acontecimentos, e estamos determinados a garantir que o caos que se instaurou no começo da semana [passada] não se repita”.

Fonte: Valor (03/10/2022)

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