quinta-feira, 27 de julho de 2023

Fundos de Pensão: Planos de Contribuição Definida (CD) crescem, mas sua gestão precisa ser repensada e melhorada



A indústria de fundos de pensão fechados no Brasil está dividida entre planos de contribuição definida (CD), planos de contribuição variável (CV) e planos de benefício definido (BD)Embora os planos CD representem atualmente pouco mais de 14% da indústria de fundos de pensão fechados, eles têm apresentado crescimento nos últimos anos – a participação era de 9% em 2013 – e, no longo prazo, espera-se que se tornem dominantes.

A maior parte do patrimônio da indústria está alocada em planos BD, nos quais existe a presença de um passivo bem representado pelos benefícios a serem pagos no futuro, ajustados pela inflação. Nesses casos, a função objetivo dos gestores é clara: maximizar o índice de solvência, ou seja, garantir que os ativos sejam suficientes para cobrir os passivos, levando em consideração o apetite a risco dos participantes e patrocinadores representados no Conselho Deliberativo dessas entidades.

No entanto, quando se trata dos planos CD, a situação é diferente. Embora teoricamente os objetivos dos participantes desses planos não sejam diferentes dos participantes dos planos BD – garantir uma renda no longo prazo -, na prática, prevalece a visão de que os planos CD não possuem passivos, o que leva a uma mudança no foco da gestão, passando da maximização do índice de solvência para uma busca pela maximização do retorno dos ativos. Essa abordagem,[1] como veremos abaixo, pode ter efeitos prejudiciais no longo prazo, pois a gestão baseada apenas no retorno dos ativos amplia o risco da volatilidade da renda de longo prazo.

Um exemplo que ilustra essa questão pode ser construído com o título recém-lançado pelo Tesouro, o RendaMais. Suponha que um indivíduo queira se aposentar em 2065 e que tenha uma sobrevida esperada de 20 anos. Uma boa opção seria investir no Tesouro Renda+ Aposentadoria Extra 2065. Esse título é capitalizado até janeiro de 2065, quando é convertido em um fluxo mensal de pagamentos fixos e constantes pelo prazo de 20 anos, com último pagamento para dezembro de 2084. Em 30/01/2023, se esse indivíduo tivesse comprado R$ 98 mil desses títulos (à taxa de IPCA + 6,44%), teria garantido uma renda mensal de R$ 10 mil no prazo indicado acima.

Esses R$ 98 mil investidos teriam, contudo, se valorizado bastante ao longo do tempo. Em 05/07/2023, estariam valendo R$ 156 mil, em decorrência do fechamento da curva de juros.

Para quem, todavia, investiu pensando em preservar uma renda no longo prazo, nada disso importou. Não obstante a valorização de quase 60% no valor do título, a renda de longo prazo se manteve em R$ 10 mil mensais. Cabe a ênfase: embora pudesse ser comprada por valores diferentes no curto prazo, o indivíduo teria preservado a sua renda real mensal a partir de 2065 intacta. A renda real esperada não muda mesmo diante de variações relevantes da taxa de juros.

No entanto, como vimos, para aqueles que se preocupam com o valor atual do patrimônio e não com sua renda no longo prazo, variações na taxa de juros podem influenciar – e muito – a sua percepção de riqueza. Esses investidores certamente se orientam por métricas de risco de curto prazo, como o VaR da carteira de ativos ou a sua volatilidade. Sentem-se mais ricos com a elevação do CDI, que aumenta o retorno dos seus investimentos. Mas, caso invistam com a perspectiva de preservar renda no longo prazo, estão numa situação de elevado risco, uma vez que ante à oportunidade de, usando o exemplo acima, garantirem a almejada renda mensal de R$ 10 mil em 2065 pagando R$ 98 mil, investem em ativos de curto prazo. Podem acabar se vendo na obrigação de comprarem esses mesmos ativos pelo valor de R$ 156 mil, ainda usando os dados do exemplo acima.

Antes de chegarmos a um veredito final, é válido, no entanto, que nos questionemos se ao longo do tempo é mais conveniente ficar exposto ao CDI do que a títulos de longo prazo indexados à inflação. Ou seja, vale nos questionarmos se, no longo prazo, o risco evidenciado nos parágrafos anteriores é mais do que compensado por um possível “carrego” positivo do CDI em relação à taxa de retorno de títulos de longo prazo indexados à inflação. Como se pode ver no gráfico abaixo, todavia, essa hipótese não se mostrou verdadeira, ao menos desde 2006 – desse ano até 2023, o retorno acumulado do CDI foi cerca de metade (54%) do o retorno acumulado do IDKA 10 anos. Não há razão para acreditarmos que essa relação entre as taxas se preserve nos próximos 20 anos, assim como também não há razão para imaginarmos que aconteça o contrário.


Parece, então, que, a menos que se aceite tomar riscos relevantes, a opção mais eficiente para quem busca investir para garantir uma aposentadoria financeiramente confortável é investir em opções de investimento que protejam o investidor tanto em relação à inflação quanto em relação ao risco de taxa de juros.

Chega-se assim à seguinte situação: planos CD são geridos de forma a maximizar a riqueza, sendo guiados por métricas de risco que olham somente para os ativos. Isso ocorre por conta da ausência de um passivo formalmente estabelecido que mensure a performance dos portfólios desses planos. Por outro lado, é razoável inferir que os participantes desses planos sacrifiquem seu bem-estar de curto prazo investindo recursos em um plano previdenciário sob a expectativa de que garantam uma renda confortável no longo prazo – por tudo o que escrevemos nos parágrafos acima, garantir é uma hipótese bastante forte para quem não constrói seu portfólio de ativos de olho nos fatores de risco inerentes à sua renda de longo prazo.

Como então resolver esse problema? Acreditamos que uma solução seja criar um “passivo” informal para os planos CD. Em vez de relatar apenas a posição momentânea da riqueza dos participantes, os gestores desses planos deveriam informar como a renda de longo prazo de cada um está variando. Valendo-se mais uma vez do exemplo do RendaMais, em vez de comunicar o valor do título a cada período, seria mais relevante indicar a renda de longo prazo. Essa abordagem proporciona uma visão mais adequada para os participantes dos planos CD, ajudando-os a entender que a variação do valor do patrimônio no curto prazo não é o mais relevante para garantir uma renda estável no longo prazo. Ao considerar a renda de longo prazo como um “passivo”, os gestores podem adotar estratégias de investimento mais alinhadas com o objetivo final dos participantes.

Em resumo, a indústria de fundos de pensão no Brasil está caminhando para uma maior presença dos planos de contribuição definida. No entanto, é necessário mudar o discurso e adotar uma abordagem que leve em consideração a renda de longo prazo dos participantes, criando um “passivo” informal. Isso permitirá uma gestão mais adequada, minimizando os riscos e garantindo uma renda estável no longo prazo. É fundamental que os gestores e participantes dos fundos de pensão compreendam essa perspectiva e trabalhem juntos para alcançar melhores resultados e segurança financeira no futuro.

Fonte: Abrapp e Victor Guilherme (24/07/2023)

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