quarta-feira, 26 de julho de 2023

Previdência Privada Aberta rateia e portabilidade move a concorrência

 


Previdência Fundos da categoria tiveram saques de R$ 3 bi no primeiro semestre, mas já há sinais de reação; cliente mostra conservadorismo

A previdência privada perdeu pulso no primeiro semestre, mas já mostra sinais de reação. De janeiro a junho, os fundos de investimento que abrigam os recursos da categoria registraram resgates líquidos de R$ 3 bilhões, em comparação a ingressos de R$ 1,6 bilhão no mesmo período do ano passado, segundo dados da Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos. Em 12 meses, o patrimônio da indústria cresceu 14,2%, para quase R$ 1,3 trilhão, pouco mais que a variação do CDI no período.  

Já há, contudo, um prenúncio de melhora para a segunda metade deste ano, período que sazonalmente atrai mais dinheiro para o segmento, com uma captação líquida de R$ 1,7 bilhão até 14 de julho.  

Mas se o bolo ainda não cresce a contento, a lógica de roubar a produção alheia é que tem movimentado a concorrência. Os números da Susep, até maio, mostram que alguns bancos continuam perdendo recursos para os planos vendidos por plataformas de varejo. Os que se defendem melhor têm apostado num canal de distribuição mais próximo com o cliente e abordado a previdência dentro do pacote de investimentos.


   

A seguradora XP Vida e Previdência levou sozinha R$ 3,0 bilhões líquidos em portabilidade externa e a do BTG Pactual, outros R$ 2,3 bilhões. A Bradesco Vida e Previdência cedeu R$ 1,6 bilhão líquido; a Brasilprev, R$ 1,7 bilhão; a Caixa Vida e Previdência, R$ 272,9 milhões; e a Zurich Brasil Santander, R$ 75,1 milhões. No rol das independentes, a Icatu perdeu R$ 3,4 bilhões até maio.   

Na contramão, a Itaú Vida e Previdência ganhou liquidamente R$ 2,4 bilhões e a seguradora do Safra, R$ 107,9 milhões. Entre os grupos independentes, a SulAmérica contabilizou ingresso líquido de R$ 183,1 milhões.  

“Os principais players têm olhando para a portabilidade de forma bem agressiva e fica esse rouba-monte”, resume Gustavo Ledimuth, responsável pela área de previdência do Santander. “Tem que estar muito focado na captação líquida, que traz crescimento, e olhar, sim, a portabilidade, para tanto trazer novos planos quanto defender o que tem aqui, no sentido de garantir a melhor alocação possível. O que faz o cliente levar a previdência para outro lugar normalmente é ou porque não está no plano adequado ao seu perfil ou porque está distante da empresa, do banco, da seguradora, fica sem referência, vem alguém do mercado e acaba mudando.”  

O executivo afirma que quando compara o primeiro semestre de 2022 com o de 2023, a captação líquida cresceu cerca de 25%. Ele credita a maior produtividade à expansão da base de escritórios especializados em investimentos, o “AAA”, com uma força de vendas que alcançou 1,2 mil assessores em menos de um ano. Com R$ 80 bilhões em previdência na “joint-venture” Zurich Santander, ele espera dobrar a atração de dinheiro novo com um time mais maduro. “O banco elegeu a previdência no tema de investimento como um dos carros-chefes, criou o mantra que quem tem a previdência, tem a preferência do cliente”, afirma. “Gosto do produto porque além de ser um instrumento eficiente de planejamento tributário e de sucessão contribui para a construção do patrimônio e proteção para o futuro, com impacto social, educacional e financeiro.”  

Ledimuth diz que a concorrência nos últimos anos, com a entrada de novos participantes, incomodou os grupos tradicionais e ocupou um espaço relevante. “Costumo olhar com bons olhos, fez a indústria se preocupar em trazer uma experiência cada vez melhor. Nós fomos provocados a criar nosso modelo de assessoria e isso nos deu potência e exclusividade no tema investimentos, que inclui a previdência.”   

Perto do que saiu da indústria de fundos de maneira geral - com resgates líquidos de R$ 205 bilhões no primeiro semestre -, a previdência até que resistiu, diz Sandro Bonfim da Costa, superintendente de produtos da Brasilprev, a empresa de previdência da BB Seguros com a americana Principal e que tem o balcão do Banco do Brasil como seu canal de distribuição. “Reforça o conceito de realização de um projeto de médio e longo prazo que é quando o benefício fiscal se materializa”, diz.  

Principais players têm olhando para a portabilidade de forma agressiva e fica rouba-monte” — Gustavo Ledimuth 

Os resgates no pós-pandemia fazem todo sentido a seu ver. Foi um período em que a previdência mostrou o seu propósito de proteger as famílias, ajudou a atravessar um período difícil. “Se tem algo que a pandemia trouxe de positivo foi a percepção da importância de se ter uma reserva de investimentos, porque de um dia para o outro faltou fluxo financeiro. A arrecadação segue estável, as pessoas continuam colocando dinheiro todo mês, apesar de terem usado parte do patrimônio.”  

Costa diz que a Brasilprev atraiu cerca de R$ 2,2 bilhões de captação líquida até maio. Apesar de perder recursos para a concorrência via portabilidade, ele entende que a possibilidade de migração entre seguradoras é saudável ao dar mobilidade para o cliente sem pênalti.   

Com cerca de R$ 370 bilhões e a maior fatia do mercado, de 28,5% dos ativos, naturalmente a sua base tende a ser a mais atacada. “É razoável que as saídas sejam altas, mas as reservas seguem crescendo num ambiente controlado”, diz. “Há ações importantes de relacionamento com o cliente durante todo o ciclo de vida, o momento de retenção não se dá só quando o cliente pede a portabilidade.”  

O executivo acrescenta que o grupo não tem restrição de usar só a BB Asset e tem hoje na grade 32 estratégias de investimentos de gestores externos. A ideia foi ter uma grade mais restrita mesmo, trazendo para a oferta as gestoras mais consolidadas.  

Esse também foi o caminho da Bradesco Vida e Previdência, que fez uma abertura gradual para a oferta de terceiros e hoje tem cerca de 40 parcerias. “A gente não conseguiria a diligência necessária para acompanhar com a acurácia que gosta”, diz Estevão Scripilliti, diretor da companhia. “Foi mais seletivo e foi bom, a gente tomou menos susto no meio do cenário mais adverso.”  

Depois de um primeiro semestre que estimulou o conservadorismo, com a Selic em 13,75% ao ano, incertezas com a troca de governo e os eventos de crédito corporativo de Americanas e Ligth, ele se mostra mais construtivo para a segunda metade do ano. “A queda da inflação e a expectativa de corte de juros, com a consequente melhora do emprego e da renda favorecem a formação de poupança, começa a ter mais disponibilidade de recursos”, afirma.  

Claudio Sanches, diretor de produtos de investimentos e previdência do Itaú Unibanco, diz que o período de julho a dezembro costuma ser de 10% a 12% melhor em termos de captação do que a primeira metade do ano. Vai depender do andar economia, afirma, mas costuma entrar mais dinheiro de bônus, 13º salário e o cliente que faz a declaração de Imposto de Renda completa busca reforçar o aporte para abater a contribuição feita via Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) - em que até 12% do rendimento tributável pode ser dedutível. “Quem está com as finanças mais equilibradas, investe no longo prazo e a previdência é um dos únicos produtos que tem a sazonalidade marcante no processo de captação.”   

Com a percepção de que há uma melhor condição para o equilíbrio da economia - com o novo marco fiscal e a reforma tributária no Congresso -, “todo mundo está tirando a pressão e começando a ficar mais otimista”, prossegue Sanches. “Quando isso acontece, o investimento de longo prazo volta.” Se, por um lado, a previdência tem o benefício da menor tributação, que chega a 10% após 10 anos para quem opta pela tabela regressiva, por outro, se o resgate é feito antes do programado, o investidor acaba pagando uma alíquota salgada, de 35% em até dois anos. “Nas horas de muita incerteza, em movimentos de transição, as pessoas param de colocar o dinheiro na previdência e estacionam em algo mais conservador.”  

Os aportes que começam a ganhar força no banco têm sido direcionados a planos ligados à renda fixa tradicional, com títulos pós-fixados ou com um pouco de crédito. “Se melhorou do ponto de vista da captação, do ponto de vista da diversificação ainda não há esse movimento. O cliente está indo para produtos bem conservadores, que não necessariamente são ideais para o longo prazo”, diz Sanches. Mas como na previdência é possível se movimentar por meio da portabilidade - sem ter que resgatar os recursos e pagar imposto -, o investidor consegue navegar bem se tiver uma boa assessoria, afirma, podendo se mexer quando tiver mais conforto.  

Com mais de R$ 220 bilhões na previdência, o Itaú trouxe dinheiro novo para o segmento e também ganhou atalhos pela portabilidade. “Está muito relacionado a ter a visão do bolso inteiro do cliente, não só a previdência, sem meta de produto, mas no que é melhor do ponto de vista de alocação e isso vai claramente criando confiança”, diz Sanches. “Como a nossa plataforma é aberta [a produtos de terceiros], ele não vê razão para sair do Itaú e portar se tudo que tem no mercado, encontra aqui.”   

Olhando pelo retrovisor, o ambiente macroeconômico sem crescimento de renda real que justifique a entrada de novos participantes, o desemprego alto e a necessidade de recorrer à reserva da previdência para pagar contas do dia a dia explicam o desempenho decepcionante da previdência no primeiro semestre, diz Marcelo Mello, CEO de Vida, Previdência e Investimentos da SulAmérica. Para o executivo, o segundo semestre pode ser um replay disso. “Acho difícil mudar, mesmo com uma Selic menor e o aumento da projeção do PIB. Até bater na renda e estabilizar as condições de crédito leva tempo.”

Fonte: Valor (24/07/2023)

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