Com os juros baixos e o aumento na oferta de produtos de previdência mais sofisticados ao longo dos últimos meses no mercado local, investidores interessados em formar uma poupança para aproveitar na aposentadoria por meio de fundos de investimento têm partido cada vez mais para alternativas de maior nível de risco e expectativa de retorno.
Se quando se pensava em previdência no passado a segurança e a outrora generosa rentabilidade dos títulos públicos era sempre a primeira alternativa que vinha à mente, a realidade se mostra bem diferente já há alguns anos.
Fundos multimercados, de ações, crédito privado e investimento no exterior, bem como os que versam pelo modelo quantitativo e até mesmo de criptomoedas, têm ocupado espaço crescente nas prateleiras de previdência das plataformas de investimento e seguradoras.
É bem verdade que quase 80% das reservas de quase R$ 1 trilhão da previdência aberta ainda estão em ativos de renda fixa de baixo risco e rentabilidade, mas a nova fase do investimento na classe pode ser observada pelas recentes movimentações da indústria, guiadas principalmente pelas portabilidades entre planos dentro da categoria.
No primeiro semestre do ano, a previdência complementar aberta, formada essencialmente pelos planos do tipo PGBL e VGBL oferecidos por bancos e seguradoras, teve captação líquida de R$ 16,4 bilhões, segundo dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). O resultado corresponde a um crescimento de 42% na comparação com os R$ 11,5 bilhões em igual período do ano passado.
Somente no mês de junho, a captação foi positiva em R$ 4,5 bilhões, uma queda de 16,6% ante os R$ 5,4 bilhões no mesmo intervalo de 2020.
No acumulado de 2021, a liderança de captação é da XP Vida e Previdência, com R$ 8,1 bilhões. Em seguida, aparecem Caixa Vida e Previdência, com R$ 6,9 bilhões, e Brasilprev, com R$ 5,2 bilhões. Na ponta contrária, o Bradesco registrou resgates de R$ 5,2 bilhões, e o Itaú, de R$ 2,7 bilhões.
Segundo Roberto Teixeira, sócio responsável pela XP Seguros, o vai e vem frenético de recursos no mercado de previdência se deve a uma espécie de jogo de rouba-monte em curso, com a saída de investidores de fundos de viés conservador e baixo rendimento, principalmente dos grandes bancos, para produtos mais sofisticados, como multimercados e fundos de ações.
Na XP Seguros, do total captado em previdência no ano, a maior parte, cerca de R$ 7,5 bilhões, ou algo como 92,5%, foi oriunda de portabilidades de clientes em busca de planos mais rentáveis.
Entre as vantagens que os fundos de previdência oferecem aos investidores, está o fato de permitirem a portabilidade de planos sem que seja necessário fazer o saque da reserva e pagar Imposto de Renda (IR) por conta dessa movimentação.
Além disso, a classe não incorre na cobrança do come-cotas, e é comumente buscada para fazer o planejamento sucessório, por não entrar em inventário.
O braço segurador da XP é o líder em portabilidades, bem à frente do segundo colocado, o BTG Pactual, com R$ 1,1 bilhão. Por outro lado, Bradesco e Brasilprev, do Banco do Brasil, tiveram as maiores saídas via portabilidade, de R$ 2,6 bilhões e R$ 2,1 bilhões, respectivamente.
Apoiados na capilaridade das agências bancárias, os grandes conglomerados financeiros ainda lideram o estoque total da previdência com folga – a Brasilprev desponta à frente, com R$ 316 bilhões em ativos sob custódia, seguida por Bradesco e Itaú, com R$ 241 bilhões e R$ 214 bilhões, respectivamente.
Caixa, com R$ 100 bilhões, e Santander, com R$ 63 bilhões, aparecem na sequência. Já a Icatu aparece na sexta posição, com R$ 40 bilhões, e a XP Seguros, na sétima, com R$ 22 bilhões.
Renda fixa (privada) e ações
Teixeira, da XP, aponta que, do total de aproximadamente R$ 1 trilhão em ativos sob custódia no mercado de previdência complementar aberta, quase 90% ainda estão nas mãos dos grandes bancos. E cerca de 82%, na classe da renda fixa, sendo boa parte em produtos de viés mais conservador e de baixo rendimento.
Frente ao aumento da taxa Selic, o executivo diz que até tem notado um apetite crescente por fundos de previdência de renda fixa, mas especialmente por aqueles que exploram as oportunidades na classe de crédito privado.
“Os produtos de crédito privado passaram a representar uma alternativa de alocação ante os produtos de renda fixa conservadores dos bancos tradicionais”, afirma.
Na Icatu, Henrique Diniz, diretor de produtos de previdência, diz que também tem notado um aumento de demanda pela renda fixa privada em 2021, até por ter sido uma das classes que mais perdeu espaço nos portfólios dos investidores durante o ano passado.
Ele diz que a maior vertente de crescimento na seguradora, contudo, tem partido de fundos de previdência de renda variável, especialmente de estratégias de caráter mais flexível para atravessar com maior resiliência os momentos de aumento da volatilidade, como os fundos long biased.
Esse tipo de produto tem a maior parte do retorno oriunda da Bolsa, com flexibilidade para poder adotar posições “vendidas” (apostando na queda) ou neutras. Além disso, os long biased podem ter exposição em outros ativos, como moedas e juros.
Até meados de 2015, recorda o diretor da Icatu, a legislação que rege os fundos de previdência permitia uma alocação de apenas 49% em renda variável. Hoje, o limite pode chegar a 70% em ações, no caso dos produtos para o público geral, e a 100%, para os qualificados, replicando com muita proximidade as estratégias originais dos gestores, mas com os benefícios intrínsecos da classe, afirma Diniz.
“A legislação de previdência evoluiu muito em termos de fundos de investimento, e a cada evolução trazemos mais opções para o cliente que busca um portfólio diversificado”, diz o diretor da Icatu, acrescentando que a plataforma tem hoje cerca de 330 fundos de aproximadamente cem gestoras.
Na Icatu, dos cerca de R$ 500 milhões de captação líquida positiva em 2021, até junho, por volta de R$ 400 milhões, ou 80%, foram por meio de portabilidades.
Correndo atrás
Frente ao aumento da concorrência, os grandes bancos e suas subsidiárias têm trabalhado para manter a grade minimamente atraente de modo a estancar a sangria via portabilidades.
Na Brasilprev, para atender à demanda dos investidores por estratégias mais arrojadas, a empresa tem trabalhado na ampliação da oferta de fundos de terceiros, especialmente de multimercados. No fim de junho, a casa estabeleceu parcerias com gestoras como Verde Asset e Kinea Investimentos.
Com a incorporação, a empresa do BB passou a oferecer produtos de 11 casas independentes – desde 2019, foram anunciadas parcerias com Absolute, AZ Quest, Claritas, JGP, Canvas Capital, Adam Capital, Vinci, Leblon e BTG Pactual.
“O mercado de previdência é um ambiente em constante movimento. Por isso, através desta plataforma mais aberta de investimentos, propiciada pela chegada destas casas independentes, estamos oferecendo aos nossos clientes estratégias que garantam equilíbrio entre risco e rentabilidade, ao mesmo tempo em que atendem às demandas atuais do mercado”, afirmou Adriano Guilherme Francisco, consultor de investimentos da Brasilprev, em nota.
Mesmo com a recente alta da taxa de juros, o especialista destacou que a perspectiva ainda é de juros abaixo da média histórica do país, o que mantém a necessidade de diversificação nos investimentos. “O interessante com estes fundos é que todos têm como característica uma gestão ativa, as carteiras são constantemente rebalanceadas, e desta maneira conseguimos oferecer opções para todos os nossos clientes, desde o perfil mais conservador, aquele moderado e também o mais arrojado, que topa uma exposição maior aos riscos”, apontou o consultor.
Ainda entre as novas alternativas na classe, no fim de junho, a XP chegou a lançar um fundo de previdência de criptomoedas, o Hashdex Criptoativos XP Seguros Prev FIC FIM. Segundo Teixeira, o fundo está disponível apenas para o investidor qualificado, e é voltado para aqueles de perfil moderado ou arrojado.
Descompasso
Os resultados da indústria de previdência aberta retratados pelos números da FenaPrevi contrastam completamente com dados divulgados no começo do mês pela Anbima, que apontaram para resgates da ordem de R$ 15 bilhões e de R$ 16,8 bilhões nos fundos de previdência da indústria local, no primeiro semestre e apenas no mês de junho, respectivamente.
Teixeira, que também é diretor da FenaPrevi, explica que a diferença decorre do fato de os dados da Anbima sofrerem de uma distorção, devido à realocação das carteiras que tem ocorrido dentro do segmento, na esteira de investidores em busca de alternativas mais rentáveis.
Dinheiro sacado de determinados produtos de previdência que tem como destino alternativas dentro da própria classe, mas que ainda está em trânsito, acaba sendo contabilizado como resgate pela Anbima, quando, na verdade, são portabilidades dentro do próprio setor, explica Teixeira.
Procurada, a Anbima informou que seus dados refletem unicamente aportes menos resgates dos fundos de investimento de previdência destinados a receber recursos de entidades abertas de previdência complementar. No caso da FenaPrevi, aponta a Anbima, a análise não recai sobre os fundos em si, mas sobre os recursos diretamente alocados nas carteiras dos planos de previdência de maneira mais ampla. Cada plano pode ter uma grande variedade de diferentes fundos.
Fonte: InfoMoney (30/07/2021)
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