Analistas e governo já distutem padrões do 6G, que permitirá, por exemplo, sentir o peso e a força de uma bola de tênis em um jogo virtual
A implementação das redes 5G no Brasil ainda está no início, mas o governo, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e especialistas já se mobilizam para criar as aplicações e os padrões da próxima geração de redes móveis, o 6G
Essa nova tecnologia tende a ser ainda mais revolucionária que sua antecessora, abrindo possibilidades com ares futuristas. Os técnicos do setor querem que o Brasil tenha papel determinante na escolha das normas da rede, o que é considerado fundamental para colocar o país na linha de frente da sexta geração.
A supervelocidade do 6G e outras características vão permitir recursos até agora inexplorados, como holografia, aplicações táteis, maior integração de hardware com software, o uso da inteligência artificial e da virtualização de redes.
Também permitirão a maior possibilidade de comunicação sem fio intra e entre chips, além de novos formatos de wearables (como são conhecidas as tecnologias vestíveis), que poderiam até mesmo dispensar o uso de smartphones.
O professor José Marcos Câmara Brito, pró-diretor de Pós-graduação e Pesquisa do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), afirma que já há definições sobre como será o 6G.
Enquanto a quinta geração é voltada principalmente para aplicações corporativas, a próxima faixa será para os consumidores.
Maior integração
A possibilidade de aplicações táteis, afirma o professor, vai permitir a sensação do peso e da força de uma bola de tênis em um jogo virtual, por exemplo.
— A primeira coisa que aparece como um consenso entre diversos atores que estão pensando o 6G é que ele vai permitir aplicações que integrem o mundo físico, o mundo digital e o mundo biológico. Um exemplo disso é uma aplicação de gêmeo digital, ou seja, que você replica no digital tudo do mundo físico. Com isso, consegue ter uma infinidade de novos usos. Essa virtualização vai permitir a criação, para o ser humano, de um uma espécie de sexto sentido — afirma Câmara Brito.
Essa integração permitiria, explica o especialista, configurar aplicações para segurança e entretenimento, por exemplo. Como um mapa que replica em tempo real o mundo físico para avisar sobre riscos de segurança ou opções de música ao vivo.
— Passa a ter aplicações que são relacionadas ao humor das pessoas, ao sentimento. Com captação da imagem das pessoas se poderá fornecer aplicações casadas com o humor daquele momento— diz o professor.
Multiplicação de antenas
Para toda essa modernidade, será preciso definir uma série de padrões, nos quais o Brasil tenta se inserir. O 6G vai atingir pela primeira vez a frequência do terahertz, ou THz — atualmente, as frequências operadas vão até o gigahertz (GHz).
Com uma largura de banda conhecida como “nova fronteira” de frequências, seria possível atingir velocidades na casa de 1 terabyte (TB) por segundo no pico, com média de 100 gigabytes (GB).
O 5G opera em outra escala, de cem megabytes (MB) a 1GB de taxa média, com 20GB de pico. Ou seja, o 6G tem cem vezes mais velocidade.
O problema é que, quanto mais alta a frequência, menor a distância que ela é capaz de percorrer. Como consequência, é necessário um número muito maior de antenas para vencer a barreira e assegurar a propagação do 6G. São desafios como esse que precisam ser superados nos estudos conduzidos no Brasil e no mundo.
A previsão é que a padronização para o 6G seja finalizada apenas em 2030. Mas isso será feito a partir de definições que já começaram a ser estudadas pelas multinacionais do setor, pela academia e pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência ligada às Nações Unidas (ONU).
Protagonismo na agenda
Para técnicos do setor, é fundamental que o Brasil tenha protagonismo nas definições das aplicações e dos padrões do 6G. Isso pode beneficiar, por exemplo, a indústria nacional, como empresas que produzem equipamentos voltados para as redes de comunicações ou para quem vai usar as ferramentas.
O país não teve papel decisivo no 4G e no 5G. Isso prejudicou, por exemplo, o desenvolvimento de aplicações para agricultura, setor fundamental para o PIB brasileiro. Nessas duas versões das redes móveis, não houve um foco para conexão em áreas remotas.
A Anatel avalia que o Brasil deve se engajar nas discussões sobre a tecnologia, bem como sobre as aplicações, equipamentos e espectro, se quiser protagonismo nessa agenda. Conselheiro da agência e indicado para a presidência da Anatel, Carlos Baigorri afirma que o Brasil perdeu participação na definição do 3G, do 4G e do 5G:
— A participação na definição das tecnologias é uma posição vantajosa na disputa desse mercado. O Brasil pode ser um player relevante na indústria de comunicações. Uma coisa é ver para onde a coisa está indo, outra é participar do debate — defende.
Para Baigorri, o maior valor do 6G, no entanto, está nas aplicações, e não nas redes. Por isso, argumenta, o país precisa desenvolver essa tecnologia:
— O valor para o consumidor e que o mercado percebe não está na rede, mas nas aplicações que rodam em cima dessa rede.
Países na corrida tecnológica
Globalmente, a corrida tecnológica já começou, com previsão de incentivos locais para a indústria no Reino Unido e na Índia e estratégias em curso em União Europeia, China, Japão e Estados Unidos.
Depois de a corrida pelo 5G apontar a proeminência da gigante chinesa Huawei nos mercados internacionais — apesar das sanções aplicadas por EUA e Reino Unido —, representantes americanos e japoneses firmaram um acordo este ano na tentativa de dominar as redes 6G.
Os dois países querem construir, juntos, equipamentos adaptados à tecnologia, em uma estratégia de minar a participação da China nesse mercado. Pequim também já tem anunciado conquistas na área, dando um indicativo de que essa guerra está só começando.
Os americanos pressionaram diversos países, inclusive o Brasil, a banir a Huawei na construção das redes 5G. A alegação é a de possibilidade de espionagem, sempre negada pela empresa. Em fevereiro, em evento do mercado financeiro, o diretor de Soluções e Cibersegurança da Huawei, Marcelo Motta, disse que a empresa já estuda o 6G do ponto de vista de investimentos:
— A gente começou a investir em 5G em 2009, para a primeira rede sair em 2018. Investimentos pesados em pesquisa e desenvolvimento, metade dos nossos funcionários estão nessa área. Estamos fazendo esses investimentos no 6G.
Enquanto isso, um ecossistema nacional para o tema já está em formação a partir do Projeto Brasil 6G, que foi iniciado no ano passado com liderança do Inatel e da Rede Nacional de Pesquisa e Ensino, com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
O Projeto Brasil 6G é dividido em várias frentes de pesquisa e conta com a participação de seis universidades e do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).
Confira três aplicações futuras do 6G
Táteis
Será possível transmitir o toque, no que já é chamado de “internet tátil”. Permitiria, por exemplo, emular a força de uma jogada. O desafio é criar pressão contra a pele sem haver um objeto físico.
Holografia
Com técnicas de captura, transmissão e renderização 3D em tempo real, seria possível a criação de hologramas. A Samsung diz que para isso é necessária uma velocidade altíssima, não atingida no 5G.
De um chip a outro
A comunicação sem fio entre chips pode ajudar na criação de cidades inteligentes e abrir caminho para mais funcionalidades para a indústria, por exemplo. Isso só é possível com a faixa do THz, do 6G.
Fonte: O Globo (06/03/2022)
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