terça-feira, 16 de julho de 2024

INSS: A questão da idade para a aposentadoria, por Fabio Giambiagi

 


A Constituição precisa levar em conta a sociedade, mas ela não pode agredir a matemática, nem a demografia

Nossa Constituição era de uma grande generosidade até 2019, no que diz respeito às regras para a aposentadoria. No limite, uma mulher cujos pais tivessem começado a pagar a contribuição como autônoma para ela aos 16 anos poderia se aposentar após contribuir ao INSS por 30 anos, à idade de 46 anos. Não é preciso ser especialista em Previdência para perceber que havia algo errado com essas regras.

Nesse sentido, a reforma previdenciária de 2019 foi bem rigorosa. Tome-se o caso de uma mulher que tenha começado a contribuir aos 20 anos. Antes da reforma, ela poderia se aposentar com 30 anos de contribuição, aos 50 de idade. Agora, pelo sistema de pontos (soma de idade e tempo de contribuição) ela terá que esperar até completar 100 pontos, aos 60 anos de idade, com 40 de contribuição.

Ou seja, terá que trabalhar mais 10 anos em relação à regra anterior. Foi uma reforma, para essas pessoas, extremamente dura. É difícil apertar muito mais a regra para quem contribuiu durante tanto tempo.

Por outro lado, analisemos um caso paradigmático do sistema: o homem que se aposenta por idade. Quando se pensa em “regime de aposentadoria”, o que a maioria das pessoas tem em mente imediatamente é quem trabalhou muito e se aposenta aos 65 anos. O que aconteceu com essa pessoa na reforma previdenciária de FHC? Nada: a reforma não afetou essas pessoas.

E na reforma de Lula de 2003? Nada. E na reforma de Bolsonaro de 2019? Nada. O país fez três reformas previdenciárias de alguma ou grande relevância nos últimos 25 anos e nenhuma delas mexeu nas condições de quem se aposenta por idade aos 65 anos.

E o que foi que aconteceu com a expectativa de vida de quem se aposenta a essa idade? Em 1988, ano de aprovação da (na época) “Nova Constituição”, ela era de ter uma longevidade adicional de mais 13 anos, até os 78 anos, em média. Agora, ela aumentou para 17 anos, dada a expectativa de viver até os 82.

Com o fator adicional de que, depois da estabilização, o piso da aposentadoria teve um aumento real de mais de 170%. Ou seja, em termos reais o Estado brasileiro antes pagava 100 a uma pessoa por 13 anos e agora paga em torno de 275 por 17 anos.

Para completar o panorama, informo um último dado: o contingente físico de aposentados por idade do gênero masculino no meio urbano aumentou a uma taxa média de 5,4% a.a. entre 2010 e 2015, de 6,5% a.a. entre 2015 e 2020, e de 6,9% a.a. entre 2020 e 2022. Período esse de 12 anos no qual a economia, em média, cresceu apenas 0,9% a.a.

Alguém dirá: “São apenas números. É preciso pensar no ser humano.” Sim, mas eu apresento ao leitor uma hipótese: suponha que, ao longo da sua vida profissional, um casal fez um fundo para sustentar a educação do filho numa universidade privada e que, por alguma reforma curricular, a faculdade informe no primeiro dia de aula que, em vez de o curso durar quatro anos, durará seis.

O fundo previsto para “bancar” a educação do filho 48 meses agora terá que durar 72. Alguma coisa os pais irão fazer, não? É ilusório pensar que o governo não irá se guiar por um raciocínio com alguma analogia com essa situação: se uma despesa se prolonga muito mais do que o previsto, alguma providência precisa ser tomada.

Sou plenamente ciente de que se trata de uma questão delicada. Vale, porém, o que repito muito nas minhas palestras: “Os economistas precisamos entender que a Previdência é uma questão social, mas os políticos precisam entender que ela é também uma questão aritmética.” A Constituição precisa levar em conta a sociedade, mas ela não pode agredir a matemática — nem a demografia.

Com esse fim pedagógico, com Luis Afonso e Rodrigo Souza Silva, publicamos “A reforma da idade de aposentadoria” (Texto para Discussão 17, Ibre/FGV, www.portalibre.fgv.br), visando dar o pontapé inicial de uma discussão que, em algum momento, será inevitável, para elevar a exigência de quem se aposenta por idade para 67 anos. Será um longo debate, mas ele é necessário.

Fonte: O Globo (12/07/2024)

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