sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Comportamento: Saiba identificar os tipos de testes do coronavírus, os exames e suas indicações clínicas



Testagens imunológica e de RT-PCR devem ser feitas em momentos distintos e ter seus resultados interpretados por profissionais da saúde

Muita atenção se você está correndo para as farmácias em busca de um teste rápido para saber se tem ou não Covid-19: além da incerteza sobre a procedência e a validação de tal teste (os fabricantes são muitos e os produtos têm qualidades distintas), o resultado negativo para o SARS-CoV-2 por métodos imunológicos, que é justamente o caso destes testes, não exclui a possibilidade de infecção, principalmente nas fases iniciais da doença, e pode fazer você circular entre outras pessoas com a falsa ilusão de que não está transmitindo a doença.

— O teste imunológico é baseado na resposta de anticorpos produzidos pelo organismo frente à infecção pelo coronavírus, o que leva um tempo e pode variar para cada indivíduo. Para que seja efetivo, ele precisa ser feito entre os primeiros sete a dez dias desde o início dos sintomas. Antes disso, ocorre uma “janela imunológica” onde ainda não há anticorpos suficientes, e a realização do teste desrespeitando este período gera um resultado falso negativo — explica Carlos Eduardo dos Santos Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica / Medicina Laboratorial (SBPC/ML).

Da mesma forma, pacientes podem carregar o vírus no corpo sem desenvolverem a doença e anticorpos, o que seria identificado apenas por um outro tipo de teste, molecular (como o Rt-PCR), que faz a detecção do próprio vírus a partir de seu material genético. Mais conclusivo e podendo ser aplicado logo no início dos sintomas, o teste, no entanto, é mais complexo e tem resultados mais demorados que os imunológicos (sua versão rápida ainda não chegou ao Brasil), por isso o uso de diversos tipos de testagens, de forma estratégica, durante uma pandemia.

— O RT-PCR identifica a pessoa infectada pelo vírus, em média, até o 12º dia de sintomas. Mas se a pessoa tem a infecção, ela pode ter ou não a doença, pode ter sintoma nenhum, sintomas leves ou graves — diz a médica patologista Kátia Ramos Moreira Leite, diretora da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP).

Orientações sobre se é para fazer o teste, que tipo de teste fazer e em que momento a pessoa deve ser testada devem ser conduzidas por um profissional de saúde, que saberá interpretar os resultados.

— Os testes devem ter a correta interpretação e controles de segurança. O risco de testes comprados em farmácia e não feitos em laboratório é a interpretação equivocada e a não ciência das limitações de cada teste. O ideal é que ele seja interpretado por um médico — diz Helio Magarinos Torres Filho, diretor médico do Laboratório Richet.

Rt-PCR, teste imunológico, falso positivo e falso negativo... Está confuso com tanto conceito técnico? A seguir, perguntas e respostas que ajudam a entender a testagem do novo coronavírus.

Perguntas e respostas sobre os testes de coronavírus

Quem deve fazer o teste?

Para se fazer o teste, é necessária uma indicação médica. Entre as indicações, estão a testagem para diagnóstico (pacientes sintomáticos),  para avaliação do contato direto com o vírus, para avaliação de cura, para avaliação epidemiológica de determinada região / cidade, e para identificação do portador assintomático. Como grande parte do país já está em isolamento, os pacientes que estão em casa mesmo com sintomas leves devem permanecer em casa. Aqueles que apresentarem piora dos sintomas como falta de ar e febre alta devem procurar assistência médica.

Quem tem prioridade na testagem?

No mundo ideal, todo paciente com alguma das condições citadas anteriormente deveria ser testado, sem prioridades. Mas os recursos materiais (kits e equipamentos) estão limitados mundo afora, e no Brasil não é diferente.  Com isso, alguns laboratórios clínicos restringiram a coleta destes exames para pacientes Internados, atendidos em Pronto-Socorro e para profissionais da área da saúde. 

Existe alguma restrição para a testagem? Pessoas que não podem fazer?

Em um mundo ideal onde se tenham os recursos para dosagem, não existem restrições. Todas as pessoas podem realizar – desde que com uma correta indicação clínica.

Há 33 tipos diferentes de exames autorizados pela Anvisa. Em que eles diferem?

Nesta grande variação de testes, estão os testes que buscam a identificação dos anticorpos (IgA, IgG e IgM). Podemos dividir basicamente em dois tipos: os testes rápidos e as sorologias (estas realizadas em amostras de sangue coletadas e encaminhadas para serem processadas em equipamentos no laboratório).

Os testes rápidos são aqueles em que a amostra de sangue é obtida através de uma lancetada na ponta do dedo. A gota de sangue é inoculada diretamente no local indicado no teste individualizado. Para melhor entendimento, é como um teste de gravidez comprado em farmácia. Mas em vez da urina, utiliza-se sangue. 

Como existem diferentes fabricantes, existem diferentes qualidades dos materiais. Para melhor avaliação, estes testes precisam ser validados para verificar seu desempenho dos mesmos. A SPBC/ML está em parceria com a CBDL (Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial) para em conjunto com grandes laboratórios privados; realizar a validação de alguns destes testes que estão chegando ao mercado brasileiro.

De onde vêm os testes utilizados no Brasil? E há novos tipos de exame sendo desenvolvidos em pesquisa que poderiam ser utilizados?

Atualmente, de vários países, como China, Estados Unidos, Coreia do Sul. Alguns centros de pesquisa nacionais também estão desenvolvendo testes rápidos para produção interna.  A limitação  seria a matéria-prima utilizada, aquecida mundialmente (plástico e nitrocelulose). Uma outra opção que deve chegar ao mercado em breve são os testes moleculares (PCR) cujos resultados saem em torno de uma hora, tempo bem inferior do praticado atualmente no Brasil por este tipo de exame. Estes testes também dependem de equipamentos e kits importados.

Quais os tipos de testes disponíveis no Brasil? 

Os principais exames para detecção de coronavírus são o RT-PCR em tempo real, que faz a detecção do SARS-CoV-2, e testes imunológicos (testes rápidos ou sorologia), que fazem a pesquisa de anticorpos. 

 Qual a diferença entre o RT-PCR e o teste imunológico e quando um ou o outro tipo de exame deve ser aplicado?

O RT-PCR é realizado pela metodologia de biologia molecular, que detecta o RNA do vírus SARS-CoV-2, sendo o teste de escolha para o diagnóstico de pacientes sintomáticos na fase aguda, a partir do primeiro dia de sintomas. O resultado pode permanecer positivo até o 30º dia após o início dos sintomas. Normalmente, o exame fica negativo a partir do 12º dia do início dos sintomas. Já os testes imunológicos (testes rápidos ou sorologia) são baseados na resposta de anticorpos produzidos pelo organismo frente à infecção pelo coronavírus. O teste rápido é o mais conhecido, realizado pela metodologia de imunocromatografia, onde são pesquisados os anticorpos da classe IgG e IgM. A partir, em média, do 7º dia do início dos sintomas, aparece o IgM, seguido pela elevação dos níveis de IgG. Este exame deve ser solicitado a pacientes com quadro clínico mais tardio e para avaliação de profissionais de saúde.

Quanto tempo demora para sair o resultado de cada um destes testes?

O RT-PCR é um teste complexo, que poucos laboratórios têm capacidade de fazer. Ele depende de profissionais especializados, equipamentos e kits importados. É um teste trabalhoso e a partir da chegada da amostra ao laboratório, demora em torno de 12 horas para sua execução.  Cada laboratório, dependendo da sua estrutura, possui uma capacidade produtiva limitada por dia e alguns laboratórios enfrentam hoje uma demanda acima de sua capacidade produtiva. O teste rápido pode ter o resultado a partir de 20 minutos. Mas um resultado negativo para SARS-CoV-2 por este método não exclui a possibilidade de infecção, principalmente no início da doença (7 a 10 dias após o início dos sintomas).

Então um teste rápido não é seguro? 

Ele precisa ser feito em uma janela específica de tempo. Os testes imunológicos não possuem acurácia suficiente para serem utilizados como triagem de quadros respiratórios, nos primeiros dias de sintomas, quanto à etiologia por SARS-CoV-2. De maneira geral, a partir do sétimo dia do início dos sintomas, a chance dele estar positivo na presença da doença é de 60-70%.  A partir daí, esta sensibilidade vai aumentando e pode chegar próximo aos 100 %, no décimo quarto dia. Vale ressaltar que, em alguns casos, o paciente pode ter tido a infecção pelo coronavírus documentada pelo RT-PCR e não apresentar a presença dos anticorpos. É raro, mas pode acontecer.

Qual a recomendação para pacientes que aguardam o resultado?

O paciente deve estar acompanhado pelo médico e seguir as orientações recomendadas, dependendo muito dos seus sintomas e gravidade do seu quadro clínico.

Um teste rápido exige outros exames complementares, para efeito de diagnóstico?

Não.

Quanto tempo o vírus tem de estar no corpo do indivíduo para ser identificado em um teste?

No caso do RT-PCR, a partir do primeiro dia dos sintomas. No caso dos sorológicos, a partir do sétimo dia de sintomas.

Todos estes tipos de testes conseguem identificar a carga viral (quantidade de exposição ao vírus) no indivíduo?

A carga viral pode ser identificada pela técnica de rt-PCR.  

Quais os tipos de de resultados possíveis para um teste?

Detectado ou Não detectado.

Quais são as etapas da testagem? 

Para o teste de rt-PCR, é feita, primeiro, a coleta do material de oro e nasofaringe com o swab (espécie de cotonete comprido, que atinge o fundo da cavidade nasal ou garganta). Depois, há a extração do material genético (RNA) da amostra, que pode ser realizada manualmente ou de forma automatizada em equipamentos. Por fim, faz-se a amplificação e detecção do vírus (realizado nos equipamentos de PCR em tempo real - termocicladores). No tete rápido, faz-se uma lancetada na ponta do dedo, inclui-se a gota de sangue no teste e aguarda-se em torno de 15 a 20 minutos para realizar a leitura visual. Para a sorologia, deve-se coletar a amostra de sangue e encaminhá-la para o laboratório. A amostra é, então, centrifugada, para separação do soro e realiza-se o exame no equipamento automatizado.

Quando se deve fazer uma segunda testagem?

Uma segunda testagem, com nova amostra, pode ser feita para avaliação da cura.  Normalmente, pode se repetir o PCR no 14º  dia do início dos sintomas. Porém, este pode persistir positivo até o 30º dia.  Até o presente momento, existem muitas dúvidas se este vírus que foi detectado a partir do 14º dia é viável e se o paciente ainda está transmitindo a doença. O anticorpo também pode ser solicitado para avaliar a cura. Muitos pacientes apresentam o PCR positivo após o 14º dia , mesmo com a presença dos anticorpos. 

E nova testagem com a mesma amostra?

No início da crise, quando o exame tinha um resultado positivo, solicitava-se que a amostra (a mesma) fosse enviada para uma contraprova em laboratório público. Em um segundo momento, esta contraprova deixou de ser exigida e os laboratórios passaram a liberar os resultados diretamente aos pacientes.

O que são resultados "falso positivo" e "falso negativo"?

Há dois conceitos importantes a se considerar: o de sensibilidade, que é o teste ser positivo na presença da doença. E o de especificidade, que é o teste ser negativo na ausência da doença. No mundo ideal, o teste apresentaria 100% de sensibilidade e 100 % especificidade em todas as fases de doença. Mas isto é praticamente utópico na prática clínica. O falso positivo é o que teste que foi realizado, liberado positivo, mas efetivamente (realmente) o teste é negativo. Um situação em que isto pode ocorrer no teste de RT-PCR é quando há a contaminação da amostra com o vírus de outro paciente ou do ambiente. Na sorologia, o falso positivo pode ocorrer em alguns testes com reação cruzada de anticorpos de outros coronavírus. Já o falso negativo é quando o paciente tem a doença e o teste foi liberado como negativo. No teste de PCR, isso pode ocorrer, principalmente, pela qualidade da amostra coletada. Caso a coleta não tenha sido adequadamente realizada, o vírus pode não ser identificado. No teste rápido, o falso negativo é mais frequente. Principalmente em amostras coletadas em pacientes com menos de sete dias de sintomas. Mesmo no sétimo dia, a sensibilidade é de 60-70 % (de cada 10, podem ser liberados três ou quatro falsos negativos). Este caso é mais preocupante e mais frequente, pois o paciente pode estar transmitindo o vírus.

Testes rápidos passaram a ser vendidos em farmácias. Que testes são esses?

Estes são testes rápidos – entre as dezenas listadas - que estão chegando ao Brasil. Os testes rápidos, assim como os PCRs, são testes que devem ser conduzidos por laboratórios e não por farmácias e seus clientes. Eles devem ser feitos e avaliados por profissionais capacitados, respeitando todo processo da fase pré-analítica (indicação, cadastro, coleta e transporte adequados), em que saberemos o tempo de infecção do paciente para conseguir interpretar de forma correta o resultado e emitir um laudo confiável.

Quais riscos as pessoas correm ao fazer estes testes comprados em farmácia?

Existem diferentes fabricantes e estes diferentes testes precisam ser validados. O desempenho deles já começa na indicação correta do exame. O principal risco é a realização de um teste que não foi efetivamente validado e a possibilidade aumentada de resultado falsamente negativo ou falsamente positivo. A correta solicitação médica, considerando dias com sintomas e avaliação de cura, é importante para minimizar os riscos.

Fonte: O Globo (17/04/2020)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".