quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Revisão Aposentadoria: A chegada de Lula interfere na revisão de aposentadorias da vida toda?

 


Jogo político pode sensibilizar o Judiciário, principalmente em questões de relevância social

Caso o cenário político influenciasse nas decisões do Supremo Tribunal Federal, a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como novo presidente em 2023 pode ajudar no julgamento da revisão da vida toda?

Em princípio não. Os ministros do STF têm autonomia e julgam conforme suas convicções, considerando a independência entre os três poderes.

Atualmente, o processo encontra-se pendente de julgamento no gabinete do ministro relator André Mendonça e sem previsão de quando irá ocorrer. No entanto, é inegável que o jogo político pode sensibilizar o Judiciário, principalmente em questões de relevância social.

Os ministros são seres humanos e em maior ou menor grau têm predileção por certas figuras políticas em detrimento de outras. Embora não devessem, mas essa é uma variável que pode compor o julgamento. Na verdade, ninguém nunca vai saber se ela foi considerada ou não. Mas é preciso lembrar que alguns ministros só chegaram a esse cargo graças à indicação do presidente da República. Sempre fica a sensação do sentimento de dívida pelo gesto de outrora.

A propósito, dos onze ministros atuais da corte, sete foram nomeados no governo do Partido dos Trabalhadores. E até outubro do ano que vem, com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, Lula terá oportunidade de nomear mais dois, totalizando nove ministros empossados na gestão petista, contra dois que assumiram seus cargos no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Assim, aparentemente, o que se passa na sucessão presidencial não teria qualquer relevância no julgamento de uma questão previdenciária. Mas pode ter sim. Não apenas por essas inclinações pessoais e subjetivas de cada ministro, além do mérito da questão, mas também pelo resultado econômico que a questão carrega. Embora todos os aposentados que busquem a revisional já contribuíram previamente por aquilo que perseguem, e portanto a revisão foi autofinanciada, o reconhecimento do direito gera um custo.

Fazendo um exercício do que vem a passar na cabeça dos ministros, esse custo pode ser raciocinado como variável do julgamento: num pensamento menos republicano, como forma de retaliar indiretamente o chefe de Estado por desavenças institucionais ou uma oportunidade de gerar popularidade, já que a revisão é justa, tem lastro financeiro prévio e possui forte apelo social, o que se alinha ao perfil do novo governo, cuja promessa de campanha é, inclusive, baseada na valorização salarial dos aposentados.

Em tempos do presidente da República Jair Bolsonaro ter declarado guerra a vários ministros do STF, esse clima institucional esgarçado pode ter sido ingrediente substancial na decisão desses ministros. Afinal, o impacto financeiro de uma decisão judicial atrapalha o planejamento econômico da União que precisa pagar a conta. Indiretamente, as decisões emanadas pelo STF, sobretudo as de grande impacto econômico, mexe no planejamento político do governo.

Com a mudança do presidente da República em breve, caso o julgamento não seja finalizado esse ano, o novo presidente deve harmonizar as relações institucionais com o STF. Nessa trilha, o reconhecimento da revisão da vida toda pode ser, na ótica de alguns ministros, o primeiro passo numa ação afirmativa para reafirmar valores como a justiça social dos trabalhadores e aposentados.

É importante destacar que a lei já admite ministros do STF avaliarem o impacto político de um processo. Em demanda com viés constitucional, as relevâncias social, política, econômica ou jurídica –que transcenda os interesses subjetivos da causa e tem cacife de atingir uma expressiva coletividade como no caso da revisão vida toda– são aspectos que podem e devem ser avaliados por cada ministro.

Não se pode esquecer que os fundamentos jurídicos da revisão da vida toda são extremamente sólidos, sem contar que cada trabalhador que busca a revisão já pagou por ela. Mas fora o aspecto jurídico e o mérito da questão, não se deve ignorar que esses outros aspectos externos podem influenciar a decisão ainda pendente, inclusive a chegada de um novo presidente ao poder.

Fonte: Folha de SP (01/11/2022)

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