sexta-feira, 26 de maio de 2023

Fundos de Pensão: Provisão de crédito nos fundos de pensão precisa mudar


 


Não faz sentido que a Previc equipar, para fins regulatórios, os planos previdenciários às instituições financeiras 

Os planos de previdência privada são geridos pelas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), também conhecidas como fundos de pensão. As EFPC são reguladas pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). O artigo 19 da Resolução Previc nº 18/22 gradua o risco de crédito dos investimentos dos planos fechados em nove níveis. O primeiro (AA) é conferido aos ativos financeiros com nenhuma chance de perda, e o último (H) com 100% de chance de perda.  

Essa classificação, apesar de subjetiva, é pautada por critérios específicos e conjunturais arrolados no parágrafo 2º do artigo 19 dessa resolução. A subjetividade, sem embargo, é substituída pela objetividade quando há a inadimplência do devedor do crédito. Nesse contexto, a probabilidade de perda é inevitável, apesar de os critérios subjetivos indicarem outra conclusão, na forma do artigo 20 da Resolução Previc nº 18/22.   

O ativo financeiro outrora classificado como AA é automaticamente reclassificado para A se o atraso for superior à 15 dias e inferior à 30 dias. Se essa inadimplência persistir por um ano, o crédito é reclassificado para H, presumindo sua perda integral. Essa metodologia é uma cópia da Resolução Bacen nº 2.682/99, que se dedica a regular os critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa das instituições financeiras.  

Sucede que, apesar de eventualmente equiparados, os planos de previdência fechados, as EFPC e as instituições financeiras são fenômenos jurídicos e sociais completamente diferentes.  

O patrimônio líquido da instituição financeira define, entre outros, sua alavancagem. Quanto maior for o patrimônio dessa instituição, observadas as regras do acordo de Basileia, maior seria sua capacidade nominal de emprestar (atividade bancária típica). O plano de previdência privada, pelo contrário, não alavanca sobre o capital social. As operações de empréstimos limitam-se a esse capital, não podendo excedê-lo em absolutamente nenhuma situação. Além desse cap, o Conselho Monetário Nacional (CMN) define outro, cujo parâmetro máximo é o patrimônio do plano.   

O conservadorismo na classificação dos riscos dos ativos financeiros das instituições financeiras é justificável e aumenta a liquidez e confiança do sistema financeiro nacional. Como o plano de previdência privada não alavanca a partir do seu patrimônio, contudo, a única finalidade da Resolução Previc nº 18/22 (cópia da Resolução Bacen nº 2.682/99) é definir contextualmente o capital social do plano, definindo, outrossim, a reserva matemática (cota ou copropriedade) de cada participante.  

Ao reconhecer a perda, a EFPC reduz o capital social do plano, reduzindo, por via direta, o patrimônio dos participantes. Além de justificar eventual subscrição extraordinária desnecessária (artigo 21 da Lei Complementar nº 109/01), a reclassificação do grau de risco do ativo pode gerar transferência de riqueza entre os participantes e enriquecimento ilícito de outrem.  

Por um, os planos de previdência privada, sobretudo os de benefício definido, pressupõem o perfeito equilíbrio entre capital social e obrigações presentes e vincendas. O desequilíbrio impõe equacionamento (artigos 20 e 21 da Lei Complementar nº 109/01), seja para aumentar a subscrição, seja para reduzir a proteção.  

O reconhecimento da perda pode desequilibrar o plano, justificando a capitalização extraordinária. No entanto, se esse reconhecimento foi equivocado, a medida seria desnecessária, prejudicando não apenas o participante que integralizou extraordinariamente, como também o próprio plano, que deveria distribuir o excesso entre seus co-proprietários.  

Por dois, o plano de previdência fechado admite o resgate (inciso III do artigo 14 da Lei Complementar nº 109/01). Desde que rescindido o contrato de trabalho com o patrocinador, o participante pode rescindir sua adesão, liquidando sua cota do capital social do plano.  Imaginemos que, no momento do resgate, a EFPC reconheceu a perda integral de determinado ativo, a despeito dele estar integralmente garantido, porque, afinal, o devedor estava há um ano inadimplente. 

Imaginemos, outrossim, que após esse resgate a EFPC, enquanto gestora do plano, recupere os recursos investidos nesse ativo, adjudicando e depois alienando a garantia. A cota parte desse participante do ativo cuja perda havia sido reconhecida quando do resgate será transferida a outro participante.   

Para apimentar a conjectura, imaginemos um plano que está fechado para novas adesões e possui inúmeros ativos financeiros inadimplidos. Imaginemos, também, que esses ativos somente serão recuperados pela EFPC quando restarem poucos participantes, seja porque os demais resgataram ou faleceram. Todos esses ativos seriam cedidos aos participantes remanescentes, transferindo-se, novamente, patrimônio daqueles que resgataram ou faleceram para esses.  

Ou seja, o efeito do reconhecimento da perda de um ativo financeiro para um plano de previdência privada fechado transcende a simples definição objetiva do seu patrimônio real, atingindo a co-propriedade de cada participante, e transferência injusta de riqueza entre eles.  

Esse contexto não justifica a inexistência de regra acerca do grau de risco de perda dos ativos financeiros, quiçá que os ativos sejam reconhecidos independentemente da inadimplência. No entanto, não faz sentido que a Previc equipare, para fins regulatórios, os planos previdenciários às instituições financeiras.

Fonte: Valor (25/05/2023)

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