As operadoras de planos de saúde utilizam a morte do titular do plano de saúde como uma macabra oportunidade para realizar a odiosa seleção de risco e extinguir o contrato do plano de saúde.
Contudo, a jurisprudência já se consolidou a favor do consumidor no sentido de considerar tal prática abusiva, sendo que os principais argumentos utilizados pelas operadoras de planos de saúde já foram rechaçados pelo STJ e demais Tribunais superiores.
ENTENDIMENTO ATUAL DO STJ ACERCA DO TEMA
O STJ entende que é plenamente possível a continuidade do vínculo contratual após a morte do titular, desde que os dependentes do falecido assumam as condições e obrigações anteriormente contratadas:
"De acordo com a jurisprudência desta Corte, ante o falecimento do titular, os seus dependentes dispõem do direito de continuar no plano de saúde, preservadas as condições anteriormente contratadas, desde que assumindo as obrigações dele decorrentes" ( AgInt no AREsp n. 1.428.473/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/6/2019, DJe 28/6/2019)
Assim sendo, havendo cláusula de remissão [1] e o transcurso do respectivo período, a morte de titular de plano de saúde permite ao dependente já inscrito assumir, nos mesmos moldes e custos avençados, a titularidade do plano.
CONTEXTO NORMATIVO DO TEMA
- PLANOS INDIVIDUAIS E FAMILIARES:
Em relação aos planos individuais e familiares, a própria ANS consolidou o entendimento no sentido de que o falecimento do titular do plano de saúde não acarreta a extinção do respectivo contrato em relação aos dependentes:
SÚMULA NORMATIVA Nº 13, DE 3 DE NOVEMBRO DE 2010. O término da remissão não extingue o contrato de plano familiar, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes, para os contratos firmados a qualquer tempo.
Nessa mesma linha, assim estabelece a RN ANS nº 557/2022, que revogou a RN ANS nº 195/2009:
Art. 3º Plano privado de assistência à saúde individual ou familiar é aquele que oferece cobertura da atenção prestada para a livre adesão de beneficiários, pessoas naturais, com ou sem grupo familiar.
§ 1º A extinção do vínculo do titular do plano familiar não extingue o contrato, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes.
- PLANOS COLETIVOS EMPRESARIAIS:
Em relação aos planos coletivos empresariais, há disposição específica na Lei n. 9.656/98, que determina que, em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde:
Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
(...)§ 2ºº A manutenção de que trata este artigo é extensiva, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho.
§ 3º Em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto neste artigo.
Nessa esteira, a morte do titular, por si só, não extingue o contrato, que merece ser mantido nas mesmas condições, mostrando-se abusiva a rescisão unilateral do plano, bem como qualquer cláusula contratual que imponha um termo final para a permanência dos beneficiários do plano/seguro saúde após a morte do titular.
- PLANOS COLETIVOS POR ADESÃO:
O STJ já pacificou o entendimento no sentido de que os dependentes de titular falecido de plano de saúde coletivo por adesão também terão o direito de seguir no mesmo contrato, independentemente de qualquer vínculo com a entidade representativa setorial, classista ou profissional, ou seja, independentemente de qualquer questão referente à elegibilidade do beneficiário.
Nesse sentido, o STJ:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. 1. LEGITIMIDADE PASSIVA. RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE AS PARTES. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 2. MANUTENÇÃO NO PLANO APÓS A MORTE DO TITULAR. POSSIBILIDADE DE PORTABILIDADE DE CARÊNCIA. ACÓRDÃO EM PERFEITA HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. A questão da legitimidade passiva da agravante foi resolvida com base nas cláusulas contratuais e nos elementos fáticos que permearam a demanda. Assim, rever os fundamentos que ensejaram a conclusão alcançada pelo colegiado local implicaria a análise dos termos contratuais e o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado pelas Súmulas n. 5 e 7 deste Superior Tribunal.2. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, mesmo nos contratos de saúde por adesão, após o óbito do beneficiário titular, seus dependentes possuem o direito de permanecer no plano de saúde, mantidas as condições anteriormente contratadas, assumindo as obrigações dele decorrentes.3. O colegiado estadual determinou que, no caso de ausência de comercialização do plano individual, a operadora do plano de saúde deve assegurar a portabilidade da autora sem carência. Incide, no ponto, o óbice da Súmula 83/STJ.4. Agravo interno desprovido. ( AgInt no AREsp n. 2.028.288/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 16/5/2022, DJe de 18/5/2022- grifei e sublinhei.)
Perfilhando o mesmo entendimento, seguem as recentes decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
PLANO DE SAÚDE – Contrato coletivo – Morte do titular – Pretensão à manutenção da autora como beneficiária do plano de saúde, arcando com o pagamento da mensalidade, observado o prazo de remissão – Pretensão de exclusão do dependente por falta de condição de elegibilidade - Cancelamento do contrato que caracteriza inconcebível comportamento contraditório – Expectativa legítima da beneficiária de manutenção do plano - Rescisão unilateral que somente pode dar-se em hipóteses de fraude ou de ausência de pagamento de mensalidades sucessivas, mesmo assim mediante prévia e oportuna notificação – Ilicitude manifesta, nos termos dos arts. 13, parágrafo único, II, e 30, § 3º, da Lei nº 9.656/98 e da Súmula Normativa nº 13 da ANS - Exclusão da autora que caracteriza desvantagem exagerada em seu desfavor – Art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor – Sentença mantida – Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação Cível 1003848-03.2022.8.26.0100; Relator (a): Luiz Antonio de Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 43ª Vara CÍvel; Data do Julgamento: 25/04/2023; Data de Registro: 26/04/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE COLETIVO POR ADESÃO. Insurgência contra decisão que deferiu, em parte, a tutela de urgência. Falecimento do titular do ajuste, marido da autora. Direito de permanência no contrato após o falecimento do titular. Aplicação, por analogia, do art. 30, § 3º, da Lei nº 9.656/98 e do art. 3º, § 1º, da Resolução Normativa nº 195/2009 da ANS. Inteligência da Súmula Normativa nº 13 da ANS. Precedentes jurisprudenciais deste E. Tribunal Bandeirante. Presença dos requisitos previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil. Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2067154-98.2023.8.26.0000; Relator (a): J.B. Paula Lima; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Batatais - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/04/2023; Data de Registro: 20/04/2023)
Da análise do precedente acima, conclui-se que as normas regulatórias aplicáveis, a priori, aos planos individuais/familiares e aos coletivos empresariais também são aplicáveis, por analogia, à manutenção dos contratos de planos coletivos por adesão após a morte do respectivo titular. Nesse sentido, o STJ:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. FALECIMENTO DO TITULAR. MANUTENÇÃO DE DEPENDENTE, APÓS O PRAZO DE REMISSÃO, MEDIANTE A ASSUNÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DECORRENTES. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA ANS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. [...] 2. De acordo com o entendimento da Terceira Turma, "falecendo o titular do plano de saúde coletivo, seja este empresarial ou por adesão, nasce para os dependentes já inscritos o direito de pleitear a sucessão da titularidade, nos termos dos arts. 30 ou 31 da Lei 9.656/1998, a depender da hipótese, desde que assumam o seu pagamento integral" ( REsp 1.871.326/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020). Incidência da Súmula n. 83/STJ. 3. No que diz respeito à tese de usurpação de competência da ANS, incidem as Súmulas 282 e 356/STF, na espécie, porquanto ausente o prequestionamento. 4. Agravo interno desprovido”. ( AgInt no AREsp n. 1.627.179/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 21/6/2021.)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO COLETIVO POR ADESÃO. FALECIMENTO DO TITULAR. DEPENDENTE IDOSA. PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO. SÚMULA NORMATIVA 13/ANS. NÃO INCIDÊNCIA. ARTS. 30 E 31 DA LEI 9.656/1998. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DOS PRECEITOS LEGAIS. CONDIÇÃO DE CONSUMIDOR HIPERVULNERÁVEL. JULGAMENTO: CPC/15. 1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 27/11/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 24/09/2019 e atribuído ao gabinete em 17/04/2020. 2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a manutenção de dependente em plano de saúde coletivo por adesão, após o falecimento do titular. 3. Há de ser considerado, à luz do disposto na Resolução ANS 195/2009, que, diferentemente dos planos privados de assistência à saúde individual ou familiar, que são de "livre adesão de beneficiários, pessoas naturais, com ou sem grupo familiar" (art. 3º), os planos de saúde coletivos são prestados à população delimitada, vinculada à pessoa jurídica, seja esse vínculo "por relação empregatícia ou estatutária" (art. 5º), como nos contratos empresariais, seja por relação "de caráter profissional, classista ou setorial" (art. 9º), como nos contratos por adesão. 4. É certo e relevante o fato de que a morte do titular do plano de saúde coletivo implica o rompimento do vínculo havido com a pessoa jurídica, vínculo esse cuja existência o ordenamento impõe como condição para a sua contratação, e essa circunstância, que não se verifica nos contratos familiares, impede a interpretação extensiva da súmula normativa 13/ANS para aplicá-la aos contratos coletivos. 5. Em se tratando de contratos coletivos por adesão, não há qualquer norma - legal ou administrativa - que regulamente a situação dos dependentes na hipótese de falecimento do titular; no entanto, seguindo as regras de hermenêutica jurídica, aplicam-se-lhes as regras dos arts. 30 e 31 da Lei 9.656/1998, relativos aos contratos coletivos empresariais. 6. Na trilha dessa interpretação extensiva dos preceitos legais, conclui-se que, falecendo o titular do plano de saúde coletivo, seja este empresarial ou por adesão, nasce para os dependentes já inscritos o direito de pleitear a sucessão da titularidade, nos termos dos arts. 30 ou 31 da Lei 9.656/1998, a depender da hipótese, desde que assumam o seu pagamento integral. 7. E, em se tratando de dependente idoso, a interpretação das referidas normas há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) e sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável. 8. Recurso especial conhecido e desprovido, com majoração de honorários”. ( REsp n. 1.871.326/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 1/9/2020, DJe de 9/9/2020.)
O QUE FAZER NOS CASOS DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE APÓS A MORTE DO TITULAR?
Somente o ajuizamento de ação judicial por advogado especializado em direito à saúde é capaz de restabelecer o plano de saúde para os dependentes do falecido, inclusive de forma liminar.
Com efeito, a jurisprudência já assentou o entendimento de que é plenamente possível a continuidade do vínculo contratual após a morte do titular, desde que os dependentes do falecido assumam as condições e obrigações anteriormente contratadas.
Dessa forma, a partir do ajuizamento da ação judicial, os dependentes poderão restabelecer o plano de saúde nas mesmas condições anteriores.
CONCLUSÃO
Portanto, somente o Poder Judiciário pode restabelecer o plano de saúde em favor dos dependentes do titular falecido, inclusive de forma liminar.
1- cláusula de remissão consiste em uma garantia de continuidade da prestação dos serviços de saúde suplementar aos dependentes inscritos após a morte do titular, por lapso que varia de 1 a 5 anos, sem a cobrança de mensalidades.
Fonte: JusBrasil e Amanda Fonseca Perrut (12/05/2023)
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