Os fundos de pensão, instituições que desempenham um papel importante de investimento de longo prazo nas empresas ao redor do mundo, têm diminuído, ano após ano, a sua alocação em renda variável no Brasil. Em meio aos juros reais de longo prazo elevados e que superam com folga as metas atuariais de boa parte das fundações, a exposição desses investidores em ações no país caiu às mínimas históricas no mês de junho, segundo os dados mais recentes divulgados pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
A parcela alocada em renda variável dos fundos fechados de previdência caiu para 10,4% no mês de junho de 2024, o menor patamar da série histórica compilada pela Abrapp, que teve início em 2006. Em 2009, esse nível alcançou a máxima, de 33,3% e, desde então, vem exibindo retração.
Segundo participantes do mercado consultados pelo Valor, com as taxas de juros reais de longo prazo, extraídas das NTN-Bs (títulos indexados à inflação), acima dos 6,5%, há pouquíssimo apetite por aumentar os riscos da carteira. Isso porque, segundo a Abrapp, uma estimativa média das metas atuariais - o nível de rentabilidade necessário para garantir o equilíbrio das contas e o pagamento das aposentadorias no futuro - de seus associados gira em torno dos 4,5% mais o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
O gerente-executivo de ativos líquidos da Fapes, Flavio Kac, afirma que a entidade trabalha hoje com uma exposição em renda variável menor do que a recomendada na carteira de referência que foi desenhada para o ano de 2024. E, para 2025, ainda deve acontecer uma redução da ordem de 20% na exposição ao mercado acionário.
“Temos atualmente uma menor exposição em renda variável frente à que é sugerida na nossa carteira de referência e ano que vem já temos programada uma redução, que estamos avaliando executar desde já. Dados os prêmios que temos nos juros reais atualmente, com as taxas das NTN-Bs por volta dos 6,5%, fica muito difícil justificar uma alocação maior em renda variável”, aponta o profissional.
A decisão de reduzir os níveis de exposição em bolsa sequer tem relação com o início do movimento de alta de juros pelo Banco Central, segundo o executivo. “O aperto da política monetária apenas nos fez acelerar esses ajustes dentro da carteira. Então, sim, existe já uma redução mandatada para o ano que vem, com a qual vamos alinhar a carteira”, afirma Kac.
Cenário parecido é traçado pelo diretor da BB Previdência, Ricardo Serone. Segundo ele, havia a perspectiva, no início do ano, de uma exposição maior dos portfólios ao mercado de renda variável. No entanto, as mudanças nas variáveis macroeconômicas do país, com as expectativas de Selic saltando da faixa dos 9% ao fim de 2024 para os 12% atuais, frearam os planos. “Há uma vantagem nos títulos públicos que faz com que a gente bata essa premissa atuarial com um risco bastante menor. Com o nível que as NTN-Bs apresentam hoje, não tem muito jeito na hora de fazer alocação”, afirma.
“O que deu início a esse movimento pelo lado dos fundos de pensão foi a alta dos juros. O nível de juros que o Brasil voltou a praticar no passado recente é muito atrativo, até porque ficamos um período com juros reais negativos. Na estratégia de alocação, é mais fácil e responsável alocar na renda fixa com o juro real no nível pago pelo Tesouro hoje, que é muito acima da meta atuarial que muitos fundos têm”, diz o diretor de investimentos (CIO) da Vivest, Paulo Werneck.
Segundo ele, a Vivest trabalha com uma alocação mínima em bolsa atualmente, em torno de 5% a 6% do patrimônio. “O investimento em ações, em geral, costuma ser uma aposta no crescimento, mas na bolsa brasileira eu não vejo isso, ainda mais com esses juros reais exorbitantes. Com o dever fiduciário, prefiro ir para a renda fixa e calibrar a carteira por causa dos vencimentos. É uma visão de cenário. Estou com alocação mínima e não pretendo aumentar, porque não estou vendo nenhum crescimento no Brasil nesse segmento”, diz.
Nível de juros que o Brasil voltou a praticar no passado recente é muito atrativo” - Paulo Werneck
O pessimismo do CIO da Vivest se estende para outras classes de ativos dados os riscos fiscais elevados neste momento. “Com o CDI do jeito que está e dada a questão fiscal do governo brasileiro, que não tem nos dado muito conforto de que pode melhorar, não tenho comprado títulos públicos. Estamos ficando com ‘duration’ menor e caixa mais alto do que a minha necessidade mínima. O caixa alto é para explorar o CDI com juros reais de 6% e, além disso, estamos monitorando momentos de distorção, até por entendermos que essa taxa de juros real forte é momentânea. Ela não pode perdurar.”
O mercado de previdência complementar fechada no Brasil tem recursos da ordem de R$ 1,2 trilhão e é um “bolso” importante para alavancar o mercado acionário. A retração no apetite dessa classe de investidor, nesse sentido, é mais um fator que contribui para a recente falta de dinamismo na bolsa local.
De acordo com um estudo organizado pela Polo Capital com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil aloca 73,9% de todos os seus ativos previdenciários - entre fundos abertos e fechados - em renda fixa, ficando, dentro da OCDE, apenas atrás da República Tcheca, com 81,8%. “A título de comparação, os Estados Unidos concentram apenas 19%, Canadá (26,9%), Coreia do Sul (36,2%), Reino Unido (40,4%) e Alemanha (43,5%) dos seus recursos previdenciários nessa classe de ativo”, diz a publicação da gestora.
“Qualquer quantidade de recursos dentro do nosso país que não venha do gasto público vai ajudar. No mundo todo, a indústria dos fundos de pensão e previdência auxilia muito fazendo essa força e alavanca o desenvolvimento. No Brasil, há o desafio de crescer esse sistema. Temos uma reserva que pode ajudar a desenvolver o país e gerar um cenário de ganha-ganha, que seja bom para o Brasil e para a indústria dos fundos de pensão”, afirma Serone, da BB Previdência.
A escassez de novos recursos é notada pela chefe de relação com investidores da Mantaro Capital, Ana Carolina Friedheim, que afirma que os movimentos de alocação das fundações em fundos de renda variável independentes têm se orientado mais por uma troca de gestoras do que, propriamente, novos investimentos.
“Os movimentos que temos tido, quando falamos do ponto de vista dos gestores independentes, é basicamente o de troca. Como nos últimos anos a indústria tem exibido um período de rentabilidade abaixo do esperado, isso acaba gerando essa movimentação. Temos visto poucos processos de seleção para essa classe e, o que tem, é de troca. Não tem nova alocação ou dinheiro novo em renda variável”, afirma.
Não acredito que seja necessária uma queda expressiva dos juros para alocação em bolsa”— Ricardo Serone
Ela concorda que o “bolso” das fundações é importante para a renda variável, exatamente por ter uma característica distinta de outros “players” da indústria. “É um capital com uma visão diferente e que opera com um timing diferente, com um prazo um pouco mais longo. É importante em termos de diversificação e é um player importante dado o seu tamanho”, afirma.
Para Friedheim, o nível de alocação em renda variável no mercado é tão baixo em todos os segmentos - seja o das fundações, das pessoas físicas ou dos fundos - que, do ponto de vista da tomada de risco, parece um ponto de entrada com muito pouco a se perder.
“Parece um risco relativamente seguro de se tomar, apesar da volatilidade que a bolsa entrega. Mesmo com esses preços que vemos na bolsa, as empresas estão em uma situação boa, melhorando suas estruturas de capital e gerando caixa. Precisa de pouco para disparar uma melhora porque o que é preciso é um ganho de credibilidade, muito mais do que uma melhora operacional nos resultados das empresas. É mais uma crise de confiança e nos prêmios de risco do que nos fundamentos”, afirma.
Na visão de Kac, da Fapes, para que a classe dos fundos de pensão volte a tomar mais risco na renda variável é necessário que os prêmios nos juros reais fiquem menores no Brasil. Nesse sentido, ele acredita que um movimento mais expressivo de fechamento das taxas reais de juros poderia gerar retornos grandes para os participantes que já detêm estes títulos na carteira, o que poderia disparar um aumento da demanda por ações. “Estes participantes não precisariam carregar essas posições ‘ad aeternum’. É possível que um fechamento das taxas motive vendas de parte das carteiras de títulos e que eles voltem a tomar um pouco mais de risco no mercado”, avalia Kac.
Segundo Serone, da BB Previdência, o cenário de juros reais bastante elevados, que tem dificultado a alocação das entidades em renda variável, se dá, principalmente, por uma crise de expectativas. “Estamos vivendo mais uma crise de expectativa do que de fundamentos de mercado. Não acredito que seja necessário um fechamento [queda] muito expressivo da curva para vermos um aumento na alocação em bolsa. Acredito que este é um processo que depende muito mais da confiança dos agentes na retomada do crescimento com sustentabilidade”.
Fonte: Valor (15/10/2024)
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