Com os juros no patamar de hoje, quem tem 35 anos garantiria isso por 20 anos com um aporte único de R$ 105 mil.
Antes de qualquer explicação, uma simulação: coloque R$ 368 mil no Renda+2035 agora, com o juro desse título ao redor dos 6,40%, e não faça mais nada.
Isso vai garantir R$ 5 mil de hoje por mês ao longo de 20 anos, entre 2035 e 2054 – tudo religiosamente corrigido pela inflação.
Se você puder esperar mais do que isso, melhor. Quem tem 35 anos hoje e quer começar a receber lá pelos 65, quando se aposentar, pode investir num título mais longo: o Renda+2055. Nesse caso, bastaria um depósito de R$ 105 mil agora para garantir os mesmíssimos R$ 5 mil por 240 meses; dos 66 até os 86 anos.
Note que R$ 5 mil por 240 meses dá um total de R$ 1,2 milhão. E você só investiu R$ 105 mil. Estamos falando aí de um rendimento acumulado de 1.042% – rendimento real, acima da inflação (mais detalhes adiante). No outro caso, o da aposentadoria extra a partir de 2030, o retorno é menos estratosférico: 226%.
Lembra aquele filme com o Justin Timberlake, o O Preço do Amanhã, de 2011? A moeda corrente ali é o tempo de vida. Um cafezinho custa alguns segundos; um carro; uns bons anos. Os ricos têm um patrimônio de séculos, milênios; logo, vivem pelo tempo que quiserem (na mitologia do filme, a ciência descobriu como tornar as pessoas imortais; mas o governo determinou que o dinheiro é o tempo, então só o pessoal da ultra alta renda vive para sempre) – abaixo, o personagem de Justin “faz um Pix”, transferindo expectativa de vida:
Esse filme envelheceu bem porque a vida real é parecida. Tempo é dinheiro, sim – e de uma forma bem mais literal do que a frase feita dá a entender. Cortesia dos juros compostos. Se você tem 25 anos, por exemplo, pode ir para o mais longo de todos os Renda+, o 2065 e aproveitar uma enxurrada deles.
Feita a simulação, vamos à explicação.
A mecânica do IPCA+
Os títulos públicos do tipo Renda+ surgiram há pouco tempo, em 2023, e trazem um grau de previsibilidade realmente único para quem quer uma aposentadoria complementar. Porque só com ele dá para saber exatamente quanto você vai ganhar por mês lá na frente – em dinheiro de hoje, corrigido pela inflação.
O Renda+ é uma derivação dos títulos públicos do tipo IPCA+. Vale notar que “IPCA+” é o nome fantasia que o Tesouro deu para a coisa; o nome técnico desse tipo de título é outro: NTN-B.
Um título é uma dívida. Um título público, uma dívida que o governo tem com você. Uma NTN-B é um papel que o governo te vende pelo Tesouro Direto. Um papel virtual que, se fosse um papel de verdade, traria escrito: “Isto aqui vale R$ 4.330 no futuro, corrigidos pelo IPCA; data de pagamento: 15 de maio de 2035. Assinado: Tesouro Nacional”.
O “corrigidos pelo IPCA” significa que você vai receber em 2035 um montante que garanta o poder de compra que R$ 4.330 têm hoje. Se a inflação ficar numa média de 4% ao ano daqui até lá, o valor nominal disso vai ser de R$ 6,6 mil. Se ela ficar em 7%, de R$ 9,1 mil. Mas valor nominal não serve para nada. É só um número vazio. O valor real do montante será R$ 4.330 de hoje – não importando qual inflação role daqui até o vencimento.
E quanto você pagaria por esse papel que o governo vende? Se fosse R$ 4.330, a coisa renderia só a inflação. Não vale a pena. Até a poupança paga mais do que a inflação.
No mundo real, dia 9 de outubro de 2024, a NTN-B com vencimento em 2035 valia R$ 2.259 (para quem quisesse comprar no site do Tesouro Direto). A diferença entre R$ 2.259 e os R$ 4.330 que mencionamos são os juros reais que a NTN-B paga. Nesse caso, o equivalente a 6,38% ao ano.
Os R$ 4.330, vale notar, são aquilo que o Tesouro chama de “valor nominal atualizado”. O VNA. Ele sobe um pouquinho todo dia pra compensar a inflação. Isso garante a correção pelo IPCA. Por isso o nome fantasia das NTN-Bs é “IPCA+” – ele paga a inflação mais o juro.
O Renda+, nosso assunto aqui, também é uma NTN-B. Mas uma NTN-B um tanto insólita. Cada título Renda+ é composto por 240 NTNBs – justamente porque foi pensado para ser um ferramenta de previdência privada. Uma aposentadoria extra. É o que vamos entender melhor agora.
Como funciona o Renda+
Entre no site do Tesouro Direto e você vai ver vários títulos Renda+, cada um com uma data na frente (Renda+2030; Renda+2035…). Nos títulos IPCA+ essa data marca o vencimento do título. No Renda+, não.
É a “data de conversão”. A data em que você começa a receber sua aposentadoria extra.
Essa aposentadoria extra vai durar 240 meses (20 anos) justamente por que cada título Renda+ é feito de 240 NTNBs separadas, cada uma com uma data de vencimento – o dia em que o governo paga, e o dinheiro cai na sua conta. Para visualizar melhor, vamos pegar um título Renda+ específico, o 2035.
Para facilitar as contas ao extremo, vamos imaginar que você comprou 240 títulos, a R$ 1,3 mil cada. Nesse caso, fica como se cada um desses vencesse num mês específico. O primeiro, em janeiro de 2035, o segundo em fevereiro… até o último; que vai cair em dezembro de 2054.
Quanto vai cair por mês? O VNA; ou seja, aqueles R$ 4.330 em dinheiro de hoje que já tanto martelamos aqui.
Quer receber R$ 5 mil? Ok. Em vez de comprar 240 títulos, coloque 277,13 deles no carrinho – dá pra comprar frações de título também.
Para facilitar mais ainda a visualização, vamos imaginar uma realidade absurda: a de que a inflação zere daqui até janeiro de 2035. Nesse cenário maluco, com 277,13 títulos na mão, o valor nominal que você teria a receber seria de exatos R$ 5 mil. Mas aí, justamente em janeiro 2035 a inflação resolve voltar. O IPCA daquele mês fica em 1%.
Tranquilo. A parcela de fevereiro da sua aposentadoria sobe 1% também. Vai para R$ 5.050. É isso: as parcelas ficam protegidas da inflação.
A formação do preço
A matemática do Renda+ é extremamente engenhosa. Um dos criadores dela é o Nobel de Economia Robert Merton, e o Brasil foi o primeiro país a criar um título público com essa fórmula.
Grosso modo, funciona assim: seja qual for a taxa de juro embutida, as NTN-Bs que vencem em 2054 acumulam MUITO mais juros compostos do que aquelas com vencimento em 2035. Isso significa que as NTN-Bs 2054 deveriam ser muito mais baratas para quem adquire hoje do que as NTNB-s 2035.
E é exatamente isso que acontece. As que vencem 2035, com juros ao redor dos 6,40%, deveriam custar R$ 2,2 mil. As 2054, bem menos de R$ 1 mil. A fórmula do Renda+, então, faz o seguinte: tira uma média. Desse jeito, o bolo de 240 NTN-Bs é vendido num pacotão só a um valor intermediário. Nesse caso, de R$ 1,3 mil. E a cada R$ 1,3 mil depositados neste momento, você leva R$ 4,3 mil lá na frente – os 226% que falamos lá no início.
Esse rendimento surrealista nem é uma característica intrínseca do Renda+. Ele só acontece porque os juros, hoje, estão num patamar historicamente alto – ao longo da história, as NTN-Bs que estão circulando há mais tempo só pagaram juros acima de 6% em 26% dos dias de negociação.
Pegar um juro mais alto significa comprar o papel por um preço relativamente baixo. Essa é a oportunidade que existe hoje. Ela existe porque a Selic está alta. Os 10,75% de agora equivalem a IPCA+6,33%. É por isso que as NTNBs estão remunerando nessa faixa.
Mas se der tudo certo (leia-se “parte fiscal”) a Selic cai nos próximos anos. A chance que existe agora, então, é a de travar um juro fora da curva por décadas. Ou seja: usar uma tempestade na economia, que exige juros escorchantes, para garantir uma bonança maior na aposentadoria.
Como tudo na vida, há um risco: o de a Selic seguir subindo e ficar num platô elevado século 21 adentro. Caso isso aconteça, você perde por conta do custo de oportunidade. Os juros das NTN-Bs do futuro podem ficar ainda maiores. O preço dos títulos, então, será ainda menor. E você vai descobrir que poderia ter pagado muito menos. Um cenário improvável, mas não impossível.
Porque o amanhã sempre tem um preço. Mas, no mundo das finanças, só dá para saber se o tal preço valeu a pena quando o amanhã efetivamente chega.
Fonte: InvestNews (11/10/2024)
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