Entenda se o pensionista ou herdeiro pode pedir a revisão da aposentadoria do falecido, qual o prazo para isso e como o STJ se posiciona sobre o assunto.
1) Tema n. 1057 do STJ: pensionistas e herdeiros podem pedir revisão da aposentadoria após morte
1.1) Entenda o caso
O filho de um falecido segurado do INSS interpôs Recurso Especial (REsp n. 1.856.967/ES) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Através da ação ajuizada contra o INSS, ele buscava a revisão do benefício previdenciário de seu falecido pai, com reflexos na pensão por morte recebida pela sua falecida mãe, para recebimento pelos herdeiros dos valores atrasados.
Porém, o Juízo de 1º grau e a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região entenderam que ele não possuía legitimidade ativa para propor a ação.
Segundo a 1ª Turma do TRF-2, a ação versava sobre direito personalíssimo, cabendo somente ao titular o exercício do direito de ação pleitear as diferenças que entendesse devidas (nos termos do art. 18 do CPC).
Porém, no caso em tela, não houve ação ou requerimento administrativo de revisão iniciados pelo falecido, bem como o autor não era o titular de benefício previdenciário instituído pelo de cujus (a pensão por morte era paga à esposa do de cujus, que também já havia falecido).
De acordo com o órgão colegiado, o art. 112 da Lei n. 8.213/1991 prevê que o valor não recebido em vida pelo segurado será pago aos seus dependentes habilitados, porém essa possibilidade apenas existe se o segurado falecido tivesse adquirido o direito em vida, o que não teria ocorrido naquele caso.
Desse modo, o herdeiro interpôs o recurso, sob o argumento de que o art. 112 apenas diz que os valores não pagos ao segurado em vida serão devidos aos dependentes habilitados à pensão por morte e, na falta destes, aos sucessores na forma da lei civil (o que era sua situação).
Caso não se recorde, o art. 74, caput, da Lei n. 8.213/1991, fala que “a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não (...)”.
Além disso, o art. 112 da mesma lei elenca quem são os legitimados ao recebimento dos chamados “valores residuais” (que o segurado teria direito até a data do óbito):
“Art. 112. O valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento.” (g.n.)
Sendo assim, o herdeiro argumentou que não só quem é pensionista teria legitimidade, como os demais sucessores também.
Ademais, não se deveria confundir o direito ao benefício em si com o direito a valores que o segurado deveria ter recebido em vida (se a administração tivesse agido corretamente diante de situação concreta colocada à sua apreciação).
Portanto, havendo indeferimento indevido, cancelamento indevido, ou mesmo pagamento a menor de benefício, a obrigação assumiria natureza puramente econômica, sendo então transmissível aos sucessores.
O STJ admitiu o Recurso Especial e o submeteu à sistemática dos Recursos Repetitivos (juntamente com os REsp n. 1.856.968/ES e REsp n. 1.856.969/RJ), prevista no art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil.
Isso deu origem ao Tema n. 1.057 do STJ, com a seguinte questão submetida a julgamento:
“Possibilidade do reconhecimento da legitimidade ativa "ad causam" de pensionistas e sucessores para, em ordem de preferência, propor, em nome próprio, à falta de requerimento do segurado em vida, ação revisional da aposentadoria do "de cujus", com o objetivo de redefinir a renda mensal da pensão por morte - quando existente -, e, por conseguinte, receber, além das diferenças resultantes do recálculo do eventual pensionamento, os valores devidos e não pagos pela Administração ao instituidor quando vivo, referentes à readequação do benefício originário, a teor do disposto no art. 112 da Lei n. 8.213/1991.” (g.n.)
Por se tratar de Tema Repetitivo, o STJ determinou a suspensão da tramitação dos Recursos Especiais e Agravos em Recurso Especiais envolvendo a matéria (em segunda instância e/ou no Superior Tribunal de Justiça), bem como dos recursos nas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, até o julgamento final do Tema n. 1.057.
1.2) Legitimidade ativa "ad causam" e natureza econômica da demanda
Esses foram os dois principais pontos discutidos no julgado, por isso vou explicar cada um deles para vocês!
Em primeiro lugar, vamos recordar rapidamente as aulas de processo civil e seus famosos termos em latim (já que sei que nem todos os colegas eram fãs da matéria…).
Há dois tipos de legitimidade ativa: “ad causam” (legitimidade para titularizar o direito pleiteado) e “ad processum” (legitimidade para figurar como autor da ação).
O menor de 16 anos, por exemplo, tem legitimidade “ad causam” para propor uma ação, mas não tem legitimidade “ad processum”, pois não possui capacidade para estar em juízo e precisa ser representado pelos seus pais ou responsáveis legais.
É por isso que o STJ se referiu à legitimidade “ad causam”, visto que menores e incapazes também poderiam estar nessa situação tratada no julgado.
Como expliquei, no Tema n. 1.057, a Corte Especial buscava definir se, no RGPS, pensionistas e sucessores poderiam figurar no polo ativo para, na ausência de iniciativa judicial ou administrativa do segurado instituidor, pedirem a revisão do benefício originário (aposentadoria) e/ou do benefício derivado (pensão por morte).
“Ok Alê, mas o STJ já não tinha jurisprudência pacífica sobre a questão?”
Sim, ao longo dos anos, várias dessas questões já haviam sido alvo de decisões do STJ.
Porém, no Tema n. 1.057, todas foram reunidas para julgamento conjunto e, o mais importante, sobre o rito dos recursos repetitivos (cuja decisão deverá ser de observância obrigatória em todo país).
Anteriormente, o STJ já havia firmado sua jurisprudência no sentido de que disposto no art. 112 da Lei n. 8.213/1991 abarcaria as esferas judicial e administrativa.
Além disso, a Corte se posicionou sobre haver preferência dos dependentes legais habilitados à pensão por morte em relação os sucessores (herdeiros), definidos na lei civil, para o recebimento de eventuais valores devidos ao falecido segurado (vide EREsp 466.985/RS, AgInt no REsp 1.865.204/RS e AgInt no REsp 1.747.586/SP).
Também havia jurisprudência do STJ reconhecendo a legitimidade ativa dos sucessores do segurado falecido para pleitear, por ação e direito próprios, à falta de dependentes habilitados à pensão por morte, a revisão do benefício originário, desde que a pretensão não envolvesse direito personalíssimo do instituidor (vide REsp 1.656.925/SP, REsp 1.515.929/RS, REsp 1.650.339/RJ e AgRg no REsp 662.292/AL).
O Superior Tribunal de Justiça também já tinha decisão no sentido de que os titulares da pensão por morte detêm legitimidade ativa para pleitear, por direito próprio, a revisão do benefício derivado da aposentadoria (vide AgInt no REsp n. 1.546.751/RS, REsp n. 1.574.202/RS e REsp n. 1.057.714/RS).
Do mesmo modo, em 2019, a 1ª Seção do STJ confirmou a legitimidade ativa dos pensionistas para ajuizar ação revisional da aposentadoria do falecido instituidor, a fim de viabilizar que eventual recálculo favorável da RMI do benefício originário possa repercutir no valor da pensão (vide EREsp n. 1.605.554/PR).
Porém, como expliquei anteriormente, em razão das questões até então não terem sido alvo da sistemática dos recursos repetitivos, o tema ainda gerava divergências em julgamentos, principalmente nos Tribunais Regionais Federais.
Ademais, gostaria de comentar um pouco sobre a natureza econômica da demanda.
Conforme citei, o direito a valores que o segurado deveria ter recebido em vida (se a administração tivesse agido corretamente diante de situação concreta colocada à sua apreciação) faz com que a obrigação assuma uma natureza econômica, sendo então transmissível aos dependentes ou sucessores.
Portanto, incorporado o benefício ao patrimônio jurídico do segurado titular por regular ato de concessão, eventuais alterações dos parâmetros da outorga, indutores de reflexos financeiros, “descolam-se” da esfera da titularidade exclusiva do segurado, assumindo natureza puramente econômica e, por conseguinte, passíveis de transferência a terceiros legitimados.
É esse o argumento que legitima pensionistas e herdeiros a pedir a revisão do benefício, com base no art. 112 da Lei 8.213/1991.
Inclusive, em seu voto, a própria Ministra Regina Helena Costa, relatora do Tema n. 1.057, disse ser inegável que embaraçar ou dificultar o direito de os legitimados buscarem valores devidos ao instituidor do benefício abre espaço para eventual (e indesejável) enriquecimento sem causa da Administração.
Desse modo, como vocês podem imaginar, tivemos mais uma decisão favorável aos pensionistas e herdeiros de segurados falecidos do INSS.
No próximo tópico, vou explicar quais foram as teses firmadas pelo STJ!
1.3) Teses firmadas
Em 23 de junho de 2021, 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema Repetitivo n. 1.057, fixando as seguintes teses:
“I. O disposto no art. 112 da Lei n. 8.213/1991 é aplicável aos âmbitos judicial e administrativo;
II. Os pensionistas detêm legitimidade ativa para pleitear, por direito próprio, a revisão do benefício derivado (pensão por morte) - caso não alcançada pela decadência -, fazendo jus a diferenças pecuniárias pretéritas não prescritas, decorrentes da pensão recalculada;
III. Caso não decaído o direito de revisar a renda mensal inicial do benefício originário do segurado instituidor, os pensionistas poderão postular a revisão da aposentadoria, a fim de auferirem eventuais parcelas não prescritas resultantes da readequação do benefício original, bem como os reflexos na graduação econômica da pensão por morte; e
IV. À falta de dependentes legais habilitados à pensão por morte, os sucessores (herdeiros) do segurado instituidor, definidos na lei civil, são partes legítimas para pleitear, por ação e em nome próprios, a revisão do benefício original - salvo se decaído o direito ao instituidor - e, por conseguinte, de haverem eventuais diferenças pecuniárias não prescritas, oriundas do recálculo da aposentadoria do de cujus.” (g.n.)
Caso tenha interesse, confira a Ementa completa:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL - RGPS. ART. 112 DA LEI N. 8.213/1991. ÂMBITO DE APLICAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL DE APOSENTADORIA DE SEGURADO FALECIDO E DE PENSÃO POR MORTE. AUSÊNCIA DE INICIATIVA DO SEGURADO EM VIDA. LEGITIMIDADE ATIVA DE PENSIONISTAS E SUCESSORES. ORDEM DE PREFERÊNCIA. DIFERENÇAS DEVIDAS E NÃO PAGAS. JULGAMENTO SUBMETIDO À SISTEMÁTICA DO ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, no caso, o Código de Processo Civil de 2015.
II - Acórdão submetido ao rito do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixando-se, nos termos no art. 256-Q, do RISTJ, as seguintes teses repetitivas:
(i) O disposto no art.1122 da Lei n.8.2133/1991, segundo o qual "o valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento", é aplicável aos âmbitos judicial e administrativo;
(ii) Os pensionistas detêm legitimidade ativa para pleitear, por direito próprio, a revisão do benefício derivado (pensão por morte) - caso não alcançada pela decadência -, fazendo jus a diferenças pecuniárias pretéritas não prescritas, decorrentes da pensão recalculada;
(iii) Caso não decaído o direito de revisar a renda mensal inicial do benefício originário do segurado instituidor, os pensionistas poderão postular a revisão da aposentadoria, a fim de auferirem eventuais parcelas não prescritas resultantes da readequação do benefício original, bem como os reflexos na graduação econômica da pensão por morte; e
(iv) À falta de dependentes legais habilitados à pensão por morte, os sucessores (herdeiros) do segurado instituidor, definidos na lei civil, são partes legítimas para pleitear, por ação e em nome próprios, a revisão do benefício original - salvo se decaído o direito ao instituidor - e, por conseguinte, de haverem eventuais diferenças pecuniárias não prescritas, oriundas do recálculo da aposentadoria do de cujus.
III - Recurso especial do particular provido.” (g.n.)
(Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 1.856.967/ES, Rel. Min. Regina Helena Costa, 1ª Seção, Julgado em 23/06/2021, Publicado em 28/06/2021)
Vale a pena dizer que, com o julgamento, os recursos que estavam suspensos voltarão ao trâmite normal, sendo que as quatro teses firmadas terão observância obrigatória por todos os Tribunais e Varas das instâncias ordinárias do país (por se tratar de Tema Repetitivo).
2) TOP 4 dúvidas sobre revisão de aposentadoria de falecido
A seguir, selecionei as 4 principais dúvidas sobre revisão de aposentadoria de falecido enviadas por nossos leitores e responderei nesse artigo!
Porém, caso você tenha qualquer outra dúvida, sugestão ou informação a adicionar, é só compartilhar comigo nos comentários, ok?
2.1) É possível pedir revisão de aposentadoria de falecido?
Sim, é possível pedir revisão de aposentadoria de falecido.
Conforme expliquei, os dependentes habilitados à pensão por morte têm preferência para fazer o pedido de revisão. Porém, se não houver dependentes, os herdeiros também podem pedir, nos termos do julgamento do STJ.
2.2) Pensão por morte decorrente de aposentadoria pode sofrer revisão?
Sim, pensão por morte decorrente de aposentadoria do INSS pode sofrer revisão.
Porém, fique de olho no prazo decadencial, pois o termo inicial da decadência é a data do primeiro saque do benefício anterior e não do primeiro saque da pensão por morte.
Gostaria de saber dos leitores se concordam com o STJ no sentido de que o prazo decadencial para pedir revisão de aposentadoria de pensão por morte inicia-se na DIB do benefício de origem. Contem para mim nos comentários!
2.3) Herdeiro pode pedir revisão de aposentadoria de falecido?
Sim, o herdeiro (ou sucessor) pode pedir revisão de aposentadoria de falecido, mesmo que ele não seja pensionista do INSS.
De acordo com o STJ, eles são partes legítimas para pleitear, por ação e em nome próprios, a revisão do benefício original e, por conseguinte, de haverem eventuais diferenças pecuniárias não prescritas, oriundas do recálculo da aposentadoria do de cujus.
Contudo, isso apenas é possível se não houver dependentes legais habilitados à pensão por morte do segurado instituidor e, obviamente, se não houver passado o prazo decadencial.
2.4) Qual o prazo para pedir revisão de aposentadoria de falecido?
Nos termos do art. 103, inciso I, da Lei n. 8.213/1991, o prazo decadencial para entrar com ação de revisão do benefício previdenciário é de 10 anos, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação (termo inicial).
Após este prazo, via de regra, não é mais possível a revisão (mas existem exceções).
E atenção!
Em 2019, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1605554/PR, a 1ª Seção do STJ decidiu que a concessão da pensão por morte, embora legitime o pensionista a requerer a revisão da aposentadoria do falecido, não tem como efeito reabrir o prazo decadencial para essa discussão.
Desse modo, caso já tenha decorrido o prazo de 10 anos para a revisão do benefício originário, a contagem não pode ser reaberta para a parte dependente, beneficiária da pensão.
Ou seja, será considerado como termo inicial da decadência a data do primeiro saque do benefício anterior.
Particularmente, tenho que dizer que achei um absurdo essa decisão, visto que o beneficiário será prejudicado pela inércia do segurado quando em vida. Porém, aparentemente esse não é o entendimento do STJ…
Fonte: JusBrasil e Alessandra Strazzi (04/08/2021)
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