sábado, 5 de outubro de 2024

Fundos de Pensão: Qual seria o melhor papel do TCU na fiscalização de fundos de pensão?


Qual deveria ser o melhor papel da Corte na fiscalização de operações que envolvam o mercado de capitais

Ao final da sessão que julgou o processo TC 036.606/2018-9, o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União) levou uma reflexão ao plenário sobre qual deveria ser o melhor papel da Corte na fiscalização de operações que envolvam o mercado de capitais, tendo em vista que existem órgãos e entidades especializadas e com competências legais para disciplinar e fiscalizar esse tema.

Desse modo, destacou que à semelhança do controle de segunda ordem realizado sobre a atuação de agências reguladoras de serviços públicos, indagou se o TCU não deveria priorizar a fiscalização do papel desempenhado pelos órgãos reguladores do mercado de capitais. Assim, a Corte não deveria adentrar em aspectos de valores de participações societárias, dinâmica e riscos inerentes ao mercado de capitais.

Ao levantar essa questão, cabe trazer à discussão a fiscalização exercida por este tribunal nos fundos de pensão, cujo patrocinador é uma empresa estatal federal. O TCU entende que os recursos que integram as contas individuais dos participantes desses fundos são considerados de caráter público, tendo, portanto, competência fiscalizatória de primeira e segunda ordem, a qual não ilide nem se sobrepõe a outros controles previstos no ordenamento jurídico [1].

Desse modo, ante os diversos desvios e malversação de recursos dessas entidades, os quais foram descortinados pela operação greenfield e pela Comissão Parlamentar de Inquérito dos Fundos de Pensão, tendo sido apontado prejuízos de dezenas de bilhões de reais, aquela Corte instaurou diversas fiscalizações de primeira ordem sobre esses fundos de pensão.

Por sua vez, a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para que determinasse ao TCU que se abstivesse de fiscalizar diretamente e de imputar responsabilidades a entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), uma vez que, agindo dessa forma, estaria expandindo sua competência para além dos devidos parâmetros constitucionais [2].

Ocorre que, em decorrência da atuação do TCU, além de ter sido verificada a existências de diversas irregularidades nessas entidades, observou-se que elas não detinham o intento interno de fiscalizar atos que ensejaram essas irregularidades.

Logo, se não tivesse atuado, irregularidades cometidas no passado poderiam não ter sido apuradas, tampouco melhorias terem sido propostas. Entretanto, muitas das fiscalizações realizadas por essa Corte podem de fato estar extrapolando suas competências, o que poderia ensejar insegurança ao sistema.

Logo, esta análise mostra como a Corte pode definir melhor o seu papel na fiscalização de EFPC.

Contextualização

Nos últimos anos, houve diversos relatos na mídia de casos de desvios de recursos em fundos de pensão no Brasil, os quais podem ter diversas causas, entre elas:

i) Ausência de avaliação de riscos na tomada de decisão;

ii) Seleção de gestores sem a devida qualificação;

iii) Falhas na avaliação dos ativos (valuation);

iv) Ausência ou quebra de due dilligence no processo de tomada de decisão;

v) Violação de normas internas da EFPC no processo decisório; e

vi) Conflito de interesses.

Ante essa situação, foi instaurada, em agosto de 2015, na Câmara dos Deputados, a CPI dos Fundos de Pensão para investigar um rombo de R$ 46 bilhões na Petros (Petrobras), Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Postalis (Correios). Como resultado, essa comissão sugeriu ao Ministério Público Federal que investigasse os casos em questão.

Nesse contexto, o TCU realizou fiscalização para verificar a capacidade de prevenção das entidades fechadas de previdência complementar, com patrocínio predominante federal, à ocorrência de riscos de fraude e de corrupção (riscos de integridade), e a suscetibilidade dessas entidades a riscos dessa natureza[3].

Como resultado, verificou-se que quase metade (45,2%) das entidades analisadas apresentavam programas de integridade básico ou inicial, ou seja, ou não apresentavam documentação sobre gestão de riscos ou essa gestão era tratada informalmente. Além disso, verificou-se que mais da metade (51%) dessas entidades não investigavam e não corrigiam condutas irregulares observadas no passado.

Desse modo, aquela Corte de Contas realizou diversas medidas para que tais condutas fossem devidamente analisadas internamente em seus respectivos fundos de pensão, entre elas, determinou à Petros, Funcef e Postalis a instauração de Tomada de Contas Especial (TCE) para apurar diversos investimentos malsucedidos [4].

Cabe destacar que a instauração de TCE junto ao TCU envolve diversas etapas internas de apuração de modo a subsidiar a atuação da Corte de Contas. Após o encaminhamento dessas informações ao tribunal, inicia-se a fase externa da TCE, a qual é independente da citada análise interna [5].

Agências reguladoras

No referido comunicado do presidente do TCU, citado anteriormente, foi indagado se as fiscalizações da Corte de Contas que envolvam mercado de capitais (fundo de pensão, no caso em análise) deveriam ser semelhante ao controle de segunda ordem realizada sobre a atuação de agências reguladoras.

Dito isso, a título meramente exemplificativo, a Lei 9.427, de 1996, a qual instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabelece, em seu artigo 2º, que ela tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.

Finalidades totalmente aderentes às previstas pela Lei 12.154, de 2009, a qual dispõe sobre a rede de controle específica para as EFPC. Entretanto, apesar de tal semelhança, os controles exercidos pelo tribunal são divergentes. Enquanto nas agências reguladoras, o controle é somente de segunda ordem, nos fundos de pensão, o controle é tanto de primeira quanto de segunda ordem.

No âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 817/DF, na qual se discute a competência do TCU de fiscalizar diretamente as EFPC, o STF pugnou, no mérito, (peça 18) pela improcedência do pedido, explicando que:

“(i) o fato de as entidades representadas pela requerente não integrarem a administração pública não afasta a competência fiscalizatória do TCU;

(ii) o fato de tais entidades não administrarem recursos públicos em sentido estrito, não afasta a competência do Tribunal de Contas da União;

(iii) bastando, para atrair a competência constitucional do TCU, que a gestão de recursos privados possa ocasionar a responsabilidade patrimonial da União”, como o que acontece em casos de equacionamento de déficits.

Dito isso, percebe-se que o entendimento mais recente para defender a competência fiscalizatória de primeira ordem do TCU em EFPC se baseia na possibilidade de que a gestão de recursos desses fundos pode ocasionar responsabilidade patrimonial à União.

Verifica-se, contudo, que a gestão das concessionárias de serviço público, as quais são objetos de regulação, controle e fiscalização pelas agências reguladoras também podem ensejar responsabilidade patrimonial à União.

A título meramente ilustrativo, recorre-se ao Contrato de Concessão da BR-060, BR-153 e BR-262-DF/GO/MG, Edital nº 004/2013 — Parte VII, no qual, em seu item 29.3, estabelece que, na extinção da concessão, os serviços serão assumidos pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes — Dnit [6].

Como consequência dessa assunção dos serviços pelo Dnit, haveria a suspensão da cobrança do pedágio, sendo que caberia à autarquia a responsabilização pelos serviços de manutenção/conservação rotineira, guarda patrimonial, guincho, entre outros.

Em face da extinção da concessão, por obviedade, haveria responsabilidade patrimonial à União, haja vista o Dnit assumir todos os custos administrativos do serviço outrora concedido. Desse modo, percebe-se que, mesmo nos setores que o TCU exerce fiscalização de segunda ordem, há a possibilidade de reflexos patrimoniais na União.

Em resumo, verifica-se que a rede de controle existente para fundos de pensão se equivale à presente nas agências reguladoras e que, em ambos os casos, a gestão dos ativos analisados pode ocasionar impacto ao erário. Logo, a atual fundamentação para que a Corte de Contas exerça a fiscalização de primeira ordem nas EFPC pode ser questionável.

Fiscalização TCU

Este tópico visa demonstrar um possível caso de fiscalização realizada pelo TCU, que pode ter extrapolado suas competências legais e jurisprudenciais. Nesse sentido, cita-se o TC 009.228/2022-5, o qual trata de representação a respeito de irregularidades ocorridas no Infraprev, Funcef e Fapes, relacionadas a investimentos no Fundo de Investimentos Brasil Equity Properties (FIP BEP).

Destaca-se que o Infraprev solicitou a esta Corte a concessão de medida cautelar no sentido de suspender a realização de quaisquer novos aportes ao FIP BEP, tendo em vista a falta de transparência nas demonstrações contábeis do fundo. Em decorrência de outras EFPC cujo patrocinador é uma estatal federal também terem investimentos no referido fundo, tal solicitação alcançou a Funcef e a Fapes, tendo sido a medida concedida pelo TCU.

Apesar de ter cumprido o despacho do ministro relator que concedeu a cautelar, a Fapes, em resposta à oitiva, estabeleceu que a não realização do aporte ou o seu atraso, além de não minimizar os prejuízos suportados por ela, acarreta prejuízo direto ao FIP BEP e indiretamente aos cotistas.

A Funcef apresenta argumento semelhante ao apresentado pela Fapes em sua oitiva, a qual foi resumida na instrução da unidade técnica desta Corte. Foram elencados os diversos riscos que a concessão da cautelar em voga poderia ocasionar, sendo que a Funcef foi além ao citar que não logrou êxito em procedimento arbitral com temática semelhante.

Logo, percebe-se que a concessão da cautelar para que tais EFPC se abstivessem de aportar recursos no FIP BEP pode ter adentrado em aspectos relacionados aos riscos inerentes ao mercado de capitais, os quais o TCU divergiu do entendimento do gestor. Se não bastasse esse fato, a própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em resposta a oitiva dessa Corte destacou que, no caso em questão, os cotistas devem responder por eventual patrimônio líquido negativo, razão pela qual os cotistas deveriam assumir os prejuízos envolvidos.

Desse modo, pode-se inferir que o TCU pode ter adentrado na análise de critérios de riscos inerentes ao mercado de capitais ou mesmo de recomendações estabelecidas pela CVM (regulador/supervisor do Mercado de Capitais).

Rede de controle

A Lei 12.154/2009 estabeleceu uma rede de controle específica para as EFPC, contemplando desde a competência regulatória até a fiscalizatória e a sancionatória. Nesse sentido, cabe ao Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) dispor sobre critérios e normas aplicáveis às entidades, enquanto a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) detém as competências de fiscalização e supervisão de suas atividades, havendo ainda como instância recursal específica a Câmara de Recursos da Previdência Complementar.

Não obstante, no intuito de robustecer a referida rede de controle, o artigo 25 da Lei Complementar nº 108, de 2001, ainda estabelece que os patrocinadores têm responsabilidade pela supervisão e fiscalização sistemática das atividades de seus fundos de pensão.

Nesse sentido, a Resolução CGPAR 38/2022, a qual dispõe sobre as atribuições das empresas estatais federais na supervisão e fiscalização de seus fundos de pensão, estabelece que o Conselho de Administração dessas estatais deverá solicitar auditoria periódica sobre suas EFPC, considerando, entre outros: política de investimento, metodologia de cálculo atuarial, procedimentos de controle e estrutura de governança.

Dito isso, cabe destacar que o próprio TCU realizou fiscalização sobre o dever das Patrocinadoras de supervisão e fiscalização sistemáticas de suas respectivas EFPC, com o objetivo de mitigação dos riscos que eventuais desequilíbrios nos fundos de pensão representam para a União, uma vez que o efetivo acompanhamento pelo patrocinador poderia contribuir para tanto [7].

Desse modo, será que o melhor modelo fiscalizatório não seria robustecer o papel fiscalizatório do patrocinador sobre seus respectivos fundos de pensão, haja vista já existir uma potente rede de controle na governança deste ente?

Conclusões

A partir das análises realizadas e das reflexões apresentadas, percebe-se que a atuação do TCU tem sido importante no setor de previdência complementar, haja vista dar transparência às suas fragilidades, propor melhorias e incentivar a adequada apuração de atos irregulares.

Entretanto, a redefinição de seu papel fiscalizatório pode ser uma medida necessária, de modo a garantir coerência institucional, eficiência e efetividade no exercício de suas competências. Frisa-se, não se defende a incompetência do Tribunal em atuar nesse sistema e sim em rediscutir o seu papel.

Com relação à coerência institucional, constatou-se que a responsabilidade patrimonial e as competências da rede de controle instituída para a previdência complementar se equivalem às das agências reguladoras. Entretanto, a forma de atuação do TCU se diverge. Enquanto nos fundos de pensão, ele exerce uma fiscalização de primeiro e segundo grau, nas agências reguladoras, exerce o controle somente de segunda ordem.

Com relação à eficiência, comprovou-se que o TCU, no exercício de suas fiscalizações em fundos de pensão, pode ter ido além da verificação da legalidade e conformidade das operações e ter adentrado em aspectos de riscos inerentes ao mercado de capitais.

Por fim, com relação à efetividade, evidenciou-se o relevante papel do patrocinador no exercício da supervisão e da fiscalização sistemática das atividades de suas respectivas entidades de previdência complementar. Papel que poderia ser melhor explorado pela Corte de Contas.

Desse modo, argumenta-se que o modelo atual de fiscalização de primeira ordem exercido pelo TCU nas EFPC pode não ser a alternativa mais adequada a ser mantida. Desse modo, no que se refere a previdência complementar, este Tribunal poderia robustecer seu controle em relação aos patrocinadores estatais federais e ao supervisor do sistema.

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[1] Acórdão nº 3.133/2012 – TCU – Plenário.

[2] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=463344&ori=1, acessado em 30/09/2024.

[3] TC 045.032/2020-3.

[4] Acórdão TCU nº 3.151/2019-Plenário.

[5] Instrução Normativa TCU nº 71, de 2012.

[6] https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/rodovias/concessionarias/lista-de-concessoes/concebra/documentos-de-gestao/contrato-e-aditivos/contrato.pdf, acessado em 30/09/2024.

[7] TC 023.115/2023-8.

Fonte: Conjur (04/10/2024)

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