O esporte entre homens é frequentemente descrito por metáforas bélicas — que sempre se aplicaram mais a Nadal ou Djoko. Federer transcendeu
Foi o escritor americano David Foster Wallace quem criou o termo Momento Federer. “São ocasiões em que, assistindo ao jovem suíço jogar, a mandíbula despenca, os olhos saltam para fora e o sons produzidos fazem o cônjuge aparecer na sala para ver se você está passando bem. Os Momentos Federer são mais intensos se você jogou tênis o bastante para compreender a impossibilidade do que acabou de vê-lo fazer (...) Roger Federer é um daqueles raros atletas que parecem ter sido dispensados, pelo menos em parte, de determinadas leis da física. Outros bons equivalentes seriam Michael Jordan, que não apenas era capaz de saltar a uma altura sobre-humana mas também de permanecer no ar por um ou dois segundos além do permitido pela gravidade, e Muhammad Ali, que podia realmente flutuar sobre a lona e aplicar dois ou três jabs no intervalo de tempo exigido para apenas um”.
Essa descrição está em “Federer como experiência religiosa”, um artigo extraordinário publicado por DFW (ele próprio um tenista talentoso quando adolescente) no The New York Times em 20 de agosto de 2006, quando a fenomenal trajetória de Federer apenas começava. Não era possível ter essa certeza na época: o suíço tinha 25 anos, e havia acabado de ganhar seu oitavo Grand Slam. Na época, os 14 troféus de Pete Sampras pareciam inalcançáveis. É incrível constatar que o melhor ainda estava por vir.
Ontem, Federer anunciou sua aposentadoria, aos 41 anos, 310 semanas no topo do ranking, 20 títulos de Grand Slam e reconhecimento geral de que se trata do maior de todos os tempos.
É uma deliciosa coincidência que essa aposentadoria tenha sido anunciada na mesma semana em que o tênis coroa um novo rei. Quando o suíço conquistou seu primeiro título em Wimbledon, em agosto de 2003, o atual número 1 do mundo, Carlos Alcaraz, era um bebê de dois meses. Antes disso, os seis Grand Slam anteriores haviam sido vencidos por seis homens diferentes — o último deles, o derradeiro vencedor da velha ordem, foi Juan Carlos Ferrero, hoje técnico de Alcaraz.
Federer redefiniu os conceitos de longevidade no tênis masculino — no que também está sendo seguido por Rafael Nadal e Novak Djokovic. Depois de completar 35 anos, Federer se tornou o mais velho da história a vencer em Wimbledon; depois de ter feito 36, faturou o Aberto da Austrália. Basta comparar com as marcas de seus grandes antecessores: André Agassi ganhou seu último Grand Slam aos 32 anos; Pete Sampras aos 31, John McEnroe e Bjorn Borg aos 25.
Como notou DFW em seu artigo de 2006, ninguém no mundo dos esportes masculinos fala em beleza, graça ou corpo. O esporte entre homens é frequentemente descrito por meio de metáforas bélicas — que sempre se aplicaram mais adequadamente a Nadal ou Djokovic. Federer transcendeu.
“Há também sua inteligência, sua antecipação sobrenatural, seu senso de quadra, sua capacidade de ler e manipular adversários, de combinar efeitos e velocidades, de iludir e disfarçar (...) O lance do Federer é que ele é Mozart e Metallica ao mesmo tempo, e a harmonia fica, sabe-se lá como, refinada”.
Sorte dos que pudemos vê-lo jogar.
Fonte: Martin Fernandez e O Globo (16/09/2022)
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